Adriano Benayon * -
1. O Brasil vive batalha decisiva de sua História:
a da sobrevivência da Petrobrás como empresa nacional. E isso com qualquer
resultado, pois a eventual derrota poderá ser o marco, a partir do qual o povo
brasileiro resolva partir para o basta e reverter o lastimável processo dos
últimos 60 anos em que praticamente só acumula derrotas do ponto de vista
estrutural.
2. Principalmente desse ponto de vista, porque,
mercê da estrutura que se formou na Era Vargas, ainda foram colhidas - por
muito tempo e até os dias de hoje - grandes vitórias em termos de
desenvolvimento de tecnologia e capacidade produtiva no País.
3. O progresso estrutural do Brasil ocorreu, até
1954, não apenas em função de investimentos do Estado, mas também por ter este
agido como promotor da indústria privada, tendo, antes daquele ano fatídico,
surgido firmas nacionais de ótima qualidade, algumas das quais já se tinham
tornado grandes.
4. Essas foram as primeiras e grandes vítimas do
modelo de dependência financeira e tecnológica adotado desde 1955 e no
quinquênio de JK, quando o Estado, foi usado como promotor da desnacionalização
da indústria, o que gradualmente levou à da dos demais setores da economia.
5. Os governos militares (1964-1984), embora se
tenham submetido às regras e imposições do sistema financeiro mundial - criaram
estatais importantes, como a EMBRAER, em 1969, possibilitada pela criação do
Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em 1946, e do Instituto Tecnológico da
Aeronáutica (ITA), em 1950.
6. A EMBRAER foi uma das inúmeras grandes estatais
criminosamente privatizadas pela avalanche de corrupção dos anos 90, que
atingiu também a TELEBRÁS, fundada em 1972, a qual igualmente gerara excelentes
resultados em produções realizadas com tecnologia nacional, e foi
totalmente esvaziada pelas concessões entreguistas do sistema de
telecomunicações.
7. Em 1990, Collor, o primeiro presidente eleito
pelo voto direto – de resto, mediante incríveis manipulações, negadoras
da essência da democracia – encaminhou a Lei de Desestatização, juntamente com
denso pacote de legislação antibrasileira, formulado em Washington e
meteoricamente aprovado pelo complacente Congresso.
8. Interessante que os governos militares – não só
haviam mantido as estatais da Era Vargas - mas criaram várias outras. Entretanto,
os indivíduos ideologicamente amestrados atribuem comunismo ou
esquerdismo aos que, em favor do desenvolvimento, reconhecem a
importância de empresas e de bancos estatais.
9. Se não estivessem mentalmente controlados
pelo sistema de poder mundial veriam que as estatais, além do que realizam
diretamente, são fundamentais para viabilizar, ao abrir concorrências,
encomendas e financiamento a empresas privadas nacionais, que, com isso, geram
empregos qualificados e elevam o padrão tecnológico do País.
10. Ademais, acabar com as estatais significa
deixar à mercê dos cartéis e grandes grupos privados o grande espaço
estratégico – como é o caso da indústria do petróleo e derivados –
inevitavelmente ocupado por empresas de grande porte, nos quais a dimensão
inviabiliza a concorrência honesta entre empresas privadas.
11. Antes de explicar por que a corrupção não é
inerente à natureza das estatais – ao contrário do que imaginam os
impressionados pelos inegáveis escândalos de corrupção que têm assolado a Petrobrás
– convém lembrar a incoerência dos que se escandalizam com a brutal
concentração de renda, cada vez mais acentuada em todo o mundo, e propõem
privatizações, cujo efeito tem sido tornar a concentração econômica ainda mais
aguda e sociamente insuportável.
12. De fato, todos estão tendo acesso a informações
de que, neste mundo de mais de seis bilhões de habitantes, pouco mais de
cinquenta grupos financeiros controlam praticamente todas as transnacionais em
atividade no Planeta. Fosse isso pouco, o analista da moda, Thomas Piketty, tem
observado que a concentração de riqueza tem sido grandemente
subestimada, mesmo nos países sedes da oligarquia financeira mundial.
13. E por que foi implantada a corrupção na
Petrobrás? Porque a estrutura de poder político já se tornara dominada pelos
interessados em desmoralizá-la e eventualmente privatizá-la e/ou liquidá-la.
Amiúde, o primeiro passo dos agentes imperiais é minar e desmoralizar a
administração estatal, para justificar a privatização.
14 De fato, a corrupção foi intensificada durante
governos aqui instalados (Collor e FHC) com o projeto de tornar definitivo e
irreversível o atraso do Brasil e sua submissão aos centros de poder mundial,
na vil posição de fornecedor de recursos naturais, presidindo a abertura de
buracos no lugar das estupendas reservas de minerais estratégicos e preciosos,
sem que isso sequer impedisse o crescimento vertiginoso dos déficits de
comércio exterior e do endividamento público
15. A desnacionalização predadora não começou com
os dois que foram os primeiros eleitos sob o novo regime pretensamente
democrático. Mas eles fizeram profundas reformas na estrutura de mercado
– com o usual beneplácito do Congresso - para torná-la ainda mais
talhada de acordo com os interesses dos carteis transnacionais. E o PT
não fez reverter essa tendência.
16. Em relação à Petrobrás, FHC promoveu a
aprovação da Lei 9.478, de 06.08.1997, que eliminou, na prática, a norma
constitucional do monopólio da União na produção, refino e
transporte do petróleo, não formalmente revogada.
17. Essa lei permitiu, assim, a exploração de
imensas jazidas descobertas pela Petrobrás na plataforma continental, por
carteis transnacionais, liderados pelas gigantes empresas angloamericanas -
que, há mais de um século, têm preponderado no produto de maior
expressão no comércio mundial.
18. Ademais, dita Lei criou a Agência Nacional do
Petróleo (ANP) no esquema de esvaziar a administração do Estado,
terceirizando-a para agências ditas públicas, dotadas de autonomia e
postas sob a direção de executivos e técnicos ligados à oligarquia financeira
anglo-americana.
19. Um desses, genro de FHC, David Zylberstajn, foi
nomeado diretor-geral da ANP. Como lembrou o engenheiro Pedro Celestino, em
excelente artigo, teve início, sob o comando de Zylberstajn, ”o leilão das reservas de petróleo brasileiras,
em modelo que não se aplica no mundo desde o primeiro choque do petróleo,
permitindo à concessionária apossar-se do petróleo produzido, remunerando o
Governo com royalties, ao invés de receber por prestação de serviços.”
20. As constatações de corrupção nas encomendas da
Petrobrás - em inquérito da Polícia Federal, ainda não terminado -
estão servindo de tema para a campanha de desestabilização e impeachment da
presidente da República, e também de argumento favorável à privatização.
21. Nenhum desses objetivos sustenta-se em bases
justificadas, pois o autor da delação premiada tornou-se diretor da Petrobrás
no governo de FHC, mentor do partido que se pretende beneficiar com a derrubada
de Dilma Roussef ou sua transformação em títere completo do capital
estrangeiro, o qual tem no PSDB seus principais serventuários locais.
22. Ademais, o delator Paulo Roberto Costa
praticou, ele mesmo, os crimes que denuncia, em prejuízo do
patrimônio público e em ofensa à moralidade da Administração, como também
cometeram políticos de diversos partidos que têm exercido cargos diretivos na
Petrobrás.
23. Paulo Metri, outro competente e experiente
engenheiro da Petrobrás, reafirma ser indispensável investigação profunda na
estatal. Ressalva, porém, que a exposição antecipada de fatos
investigados pode ter tido por meta somente derrubar as intenções
de votos pró-Dilma.
24. Assinala que a presidente não tolheu as ações
da Polícia Federal, nem tem um engavetador para sumir com os processos. Nota:
alusão ao PGR de FHC, conhecido como engavetador-geral da
República.
25. Metri considera imprescindível punir, com
rigor, os agentes públicos comprovadamente corruptos e também os esquecidos
corruptores. Até porque, mais que o desvio de dinheiro, a corrupção com a
Petrobrás atinge a auto-estima de que o País precisa para realizar seu projeto
nacional.
26. Em relação à Petrobrás, é fundamental corrigir
os vícios nela implantados e viabilizar seus investimentos, cuja enorme
rentabilidade está assegurada em função das colossais descobertas que a estatal
obteve na plataforma continental e no pré-sal.
27. A Petrobras – aduz Metri - tem
vencido obstáculos, como extrair, de grandes profundidades e a distâncias
da costa cada vez maiores, petróleo escondido abaixo de camadas incomuns, mercê
de tecnologias especiais desenvolvidas por técnicos da estatal.
28. A qualidade destes depende da motivação
e de que não sejam preteridos por políticos em cargos de direção nem por
terceirizados.
29. Celestino e Metri lembram que FHC elevou
desmesuradamente o salário de gerentes e superintendentes, o que os fez, por
demais, temerosos de perder seus empregos, e omissos em resistir contra
decisões suspeitas, tal como ocorre com terceirizados. Ademais, FHC liberou
a Petrobrás de cumprir a Lei de Licitações, apoiado por decisão do
ministro Gilmar Mendes, no STF.
30. Não basta para reverter o descalabro, evitar
que Dilma seja substituída por alguém mais propenso a aceitar as imposições
imperiais. Há que dar passos na restauração da soberania nacional, ferida
inclusive pela alienação, quase graciosa, de 40% das ações preferenciais da
Petrobrás, após a promulgação da Lei 9.478/1997, e pelos leilões do petróleo da
plataforma continental e do pré-sal, nos governos do PT.
* - Adriano Benayon é
doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento
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