terça-feira, 27 de outubro de 2015

Indulgências:Perdeu-se a habilidade de fazer mágicas e, o pior, de se acreditar nelas.

 
Aylê-Salassié F. Quintão*
 
Juscelino Kubitscheck, médico, acreditava na auto-estima  elevada  para ajudar o País a se unir e  a crescer. Prometeu que conseguiria  “50 anos de crescimento em 5” .  O economista Mário Henrique Simonsen, enquanto ministro da Fazenda e professor da Fundação Getúlio Vargas,  assegurava, nos momentos difíceis de controle da  inflação, que ela era psicológica, e minimizava “Inflação do chuchu!”.  

Seguindo caminho similar, Lula, que não é nem médico , nem economista,  juntou a política com a economia e oferece   uma  solucionática  para a crise brasileira,  recomendando que, como “nunca antes neste país” ,  o governo continue a vender   a ideia messiânica do desenvolvimento,  ignorando  a precarização tecnológica, a queda da produção e  as altas taxas de desemprego
 
Esse panorama de ilusões  sempre permeou a esperançosa conivência na sociedade brasileira, dando ao cidadão uma cara de bobo.  E como tem gente que ganha dinheiro com isso, legal e ilegamente!  Simonsen deixou o governo com uma inflação superior a 50%. JK, com seu Plano de Metas, uma dívida que deu origem a iliquidável dependência brasileira do mercado financeiro internacional. E Lula, com fórmula própria, derrubou  índices de qualidade, de produtividade e de renda na economia alcançados em anos de sacrifícios acumulados, servindo-se de paradigma para  quem não gosta do trabalho  .
 
As carências regionais e municipais  foram legadas ao abandono pelos sonhos políticos e pessoais dos correligionários, sem pedigree de estadista nem conhecimento de  gestão  pública. Suas virtudes concentravam no  “cumpanheirismo”. A par disso, a Constituição e as leis correlatas continuaram a assegurar   direitos  individualmente adquiridos nas instâncias superiores da lei e dos tribunais, fragilizando institutos e instituições, e flexibilizando ainda mais as análises jurídicas e as jurisprudências . De tempos para cá, a Nação  passou  a  pagar, sem perceber, de alguma forma, preços muito altos pela aventura dos dirigentes no Poder.  
 
 Nos últimos anos, de fato, nenhuma grande iniciativa econômica priorizou efetivamente  o trabalho e a produção fora dos projetos corporativos. Valorizou-se  o político e o empreguismo fácil para  a perpetuação das  categorias organizadas – vanguarda revolucionária -, como forma de amparar as conquistas. Introduziu-se um modelo de redistribuição da riqueza, não necessariamente a dos mais ricos, mas a do setor produtivo e dos assalariados médios. Instituiu-se  uma política macro de consumo amplo, financiada pelos cofres do Estado, como se houvesse aí uma redistribuição de renda, numa interpretação autista sobre os sonhos do brasileiro. Embora o modelo  tenha vindo da China , chegou-se até em aventar, por aqui, entre pares,  um nome brasileiro para o prêmio Nobel  . 
 
Nessa toada, apareceu, pela primeira vez na história, um Orçamento Público  deficitário, com 90% das despesas contingenciadas. Os 10% restantes  que seriam para os investimentos não tem como corrigir as fragilidades  estruturais  da sociedade,  porque, compulsoriamente, quando emergirem,  deverão ser usados para pagar dívidas e rombos  de gestões econômicas pouco ortodoxas com o dinheiro público, cobertas, até agora, pelo prejuízo das estatais, por precatórios, ameaças  de uma CPMF , deixando na mira até a poupança .
 
Enfim, o modelo  de consumo amplo e irrestrito, financiado pelas contas públicas , sem a contrapartida da produção, exauriu aqui e fraqueja na China  . As empresas já não produzem o suficiente, o trabalho não reproduz a  riqueza e o PIB decresce.  A gestão pública promete estimular a atividade produtiva, mas age como um “cafetão” cerceando e intimidando  os empresários e políticos  e inibindo a informalidade  individual.
 
Não há apelo, incentivo ou subsídio fiscal capaz de detonar um surto de otimismo na indústria e na agricultura .  Perdeu-se  a capacidade de fazer mágica e o pior de se acreditar nela. Os instrumentos para lá de heterodoxos se esgotaram, e junto a sua eficácia  .
 
Há alguns anos o País está paralisado pela venda de indulgências salvacionistas para financiar  projetos de Poder , sem quaisquer preocupação com o caos. Sustentam-se apenas naquilo que se convencionou chamar de jus sperniandi , formas protelatórias geradas pela máquina  .
 
Tem um milhão de assinaturas na internet pedindo a prisão dos  magos conselheiros e governantes. Para a frustração da Nação, o momento não propicia políticos sérios e corajosos, cientistas sociais isentos e economistas competentes para avaliar e propor uma saída.
 
Tudo está entregue a ideologias fragmentárias, sem quaisquer preocupações com a desordem e a confusão mesmo. Parece até ser isso um objetivo. No mínimo,  “se por aqui o povo tem o governo que merece” é porque “abaixo do Equador tudo é possível”.  
 
*Jornalista e professor. Doutor em História Cultural. Consultor da Catalytica Empreendimentos e Inovação Social
 

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