Aylê-Salassié F. Quintão*
A lei é um desastre e o Estado não é honesto com o cidadão. “É mais fácil prender um menino com 10 gramas de maconha que um empresário por um golpe de R$ 10 milhões”. Quem acaba de dizer isso é o novo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, numa entrevista para o jornal Correio Braziliense. Suas considerações conduzem a muitas dúvidas e a uma única pergunta: o Brasil está sendo passado a limpo ou está diante de uma deterioração institucional? Cotidianamente, a confusão se faz em todas as esferas do Poder , deixando perplexa a Nação.
Na Justiça, inclusive no Supremo Tribunal Federal, tramitam casuísmos em excesso, com ganhos que nunca resultam em benefício para a cidadania . Vive-se uma complexidade oportunista. Os tribunais legislam ou julgam? O direito de ricos e pobres é igual, ou o modelo do “trânsito em julgado” e o “sistema recursivo” foram feitos somente para os ricos? A prisão domiciliar é um lixo ou é um luxo? Explicar a progressão de penas dá trabalho, mas endurece o sistema custa mais caro. E o foro privilegiado?
Para começar, só no Judiciário tramitam mais de 80 milhões de processos. No Supremo Tribunal Federal, cuja vocação é (quando interpelado) julgar constitucionalidades , entram anualmente 50 mil novos processos. Um sem número trata de questões políticas ou morais que se pretende sejam judicializadas.
O equívoco advém do desconhecimento, da omissão de outros poderes, da fragilidade do rito processual, da protelação de sentenças ou por má fé mesmo. Brinca-se de Justiça, gerando uma quantidade enorme de interpretações pessoais que se tornam em jurisprudência, e passam a ser aplicadas de maneira ampla, como se fossem leis emanadas dos céus. A população fica confusa.
Com o peso da responsabilidade de substituir Joaquim Barbosa, o novo ministro do STF, (57 anos), professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Centro Universitário de Brasilia, diz que o Supremo age praticamente no vácuo do Congresso.
O Parlamento tegiversa em suas responsabilidades, elas terminam indo dar no tribunal. Ninguém tem dúvida de que o País precisa urgentemente de uma reforma política para mudança de paradigmas. O Congresso age em sentido contrário: como uma raposa que cuida dos ovos: não só os come, como, no dizer de Mário de Andrade, deglute-os prazerosamente.
O País vive uma crise de legitimidade, admite Barroso. Ao falar sobre o impeachment ressalta, contudo, que o Brasil está há trinta tentando consolidar as instituições e o poder civil ,e ”não se pode sacrificá-los no altar da política”. Significa que, sob um diáfano manto de democracia, ninguém parece sentir a necessidade de prestar contas aos eleitores.
A presidenta tem índices de popularidade abaixo de 10%; mas, por outro lado, menos 10% dos parlamentares foram eleitos pelo voto direto. Mais de 90% dos deputados que estão no Congresso devido à transferência de votos de candidatos perdedores dentro dos próprios partidos ou de partidos coligados, votos nulos, cancelados e abstenções. É o chamado voto proporcional. O Congresso que aí está foi eleito por menos da metade do eleitorado brasileiro. O eleitor não está nunca representado ali. Vota em um sujeito e elege outro.
No modelo de hoje, o eleitor não sabe quem o representa. Todos, na esfera dos Três Poderes, desvencilham-se fácil da responsabilidade. A representação como tal é letra morta? Defende Barroso o voto distrital e a cláusula de barreira para as coligações, de forma a amenizar ainda os efeitos das legendas de aluguel, partidos de ocasião e de conveniência. O foro privilegiado precisa também acabar.
Reconhece o ministro ser necessário criar uma cultura de responsabilidade política e de boa fé que vá do cidadão comum ao presidente da república. O modelo “hiperpresidencialista” é um entrave. Centralizado em pessoas, reproduz entre os súditos o estado de espírito e a insegurança dos governantes.
O projeto de Nação é relegado a um segundo plano. Outro engano é a partidarização explícita do Estado. Vicia o sistema e desestabiliza as instituições. Defende o ministro do Supremo a discussão imediata de um regime que seja, no mínimo, semi-presidencialista. O presidente é eleito diretamente pelos cidadãos, nomeia ministros, comandantes, embaixadores e o próprio primeiro-ministro a quem seria entregue a gestão das políticas públicas . Contudo, a nomeação de um chefe de governo deve ser condicionada a aprovação pelo Congresso e, quiçá, também a sua destituição.
Cria-se uma corresponsabilidade e enfrenta-se esse “front inóspito da batalha” política . O modelo claudicante que aí está não oferece essa possibilidade. E assim apropriado oligárquica, privada ou partidariamente, o Estado não consegue ser equânime no tratamento com a população. Em contrapartida, o sujeito, cada vez mais consciente, não sente a obrigação de ser honesto com o Estado. A relação entre o cidadão e o Estado torna-se perversa para a Nação.
*Professor, Doutor em História Cultural. Consultor da Catalytica Empreendimentos e Inovações Sociais
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