sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Uma proposta de Filosofia de Defesa Nacional


(Ensaio de minha autoria publicado recentemente pela “Revista Filosofia”, edição nº 33, Editora Escala, São Paulo)                                                                               

Desenvolver uma Filosofia de Defesa Nacional para os tempos atuais é um desafio ousado, considerando-se que são muitos os empreendimentos teóricos, doutrinários, científicos, e ideológicos a respeito desse tema, os quais apresentam a Paz como objetivo e variável independente.

Como escapar do esforço feito por Imannuel Kant –um moderno divisor de águas- de uma tentativa de abordagem metafísica sobre o tema da paz universal, espécie de utopia que a História, desde os seus primórdios, desfaz em sucessivos e incontáveis relatos de conflitos entre grupos, tribos, aldeias, cidades, comunidades, nações, Estados-nações e a atual sociedade global?

Será possível, pelo método dialético que o grego Zênon nos legou, o enquadramento do tema Defesa na Filosofia, cuja essência consiste em indagar, levando-se em consideração que qualquer inquirição estaria sendo formulada sobre hipotética ausência da Paz –(espécie de tese ou uma antítese da guerra,embora  Raymond Aron considere que “ausência de paz não é a guerra”)? E qual seria a síntese dessa dialética Guerra e Paz?

Farei essa tentativa, sabendo, de antemão, dos meus riscos incalculáveis de ferir a lógica e a razão e incidir no campo meramente conjectural, ainda que eu tenha o método conjectural como poderosa ferramenta filosófica.

Ainda que se a variável independente a ser considerada fosse a Guerra, a mesma dificuldade permaneceria, porque ainda não se encontrou a referida síntese, mas a escolha da Paz como variável é de minha preferência em decorrência dos estudos mais sistematizados sobre o tema Paz, visto isoladamente, realizados nas academias e centros especializados internacionais, um dos quais o Instituto Internacional da Paz.

Relatório divulgado, no ano passado, pelo Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo (Sipri) revela que as compras de armas pela América do Sul cresceram 150% nos últimos cinco anos na comparação com o período entre 2000 e 2004, enquanto no mundo o aumento foi de 22%.

Estadistas, militares e diplomatas do mundo inteiro se debruçam sobre a arte da guerra, inspirados em Sun-tzu, Heródoto, Tucídides, Políbios, Flávio Josefo, Arquimedes, Anibal, Alexandre, Maquiavel, Moltke, Clausewitz, Jomini, Napoleão, Rommel, Donitz, etc. e tantos outros generais, estudiosos, doutrinadores, teólogos, teóricos, filósofos, ideólogos, cientistas, profetas, historiadores, escritores, sociólogos, politólogos e até autores bíblicos (pois a Bíblia, no Antigo Testamento, é pródiga em relatos de guerras).

Adotando, abstratamente, a Paz como variável independente, desprovida de seu caráter dialético em função da Guerra, acredito que possa trabalhar a idéia de formulação de uma hipotética síntese à dialética Guerra versus Paz, colocando a Defesa como variável dependente dessa hipotética síntese.

Vamos à tal síntese. Não há Guerra ou Paz sem a presença do elemento racional, o Homem. Isoladamente, o Homem é objeto dos estudos da Antropologia. Quando se reúnem dois ou mais homens, se tornam objetos de estudos da Sociologia - a expressão de Augusto Comte para a sua “física social”.

Independentemente de seus traços étnicos, raciais, culturais, o Homem apresenta características básicas universais, que se projetam no seu comportamento em vida coletiva: Os sentidos (paladar, tato, olfato, audição, visão), instinto de vida ou morte, sensações ou percepções extrasensoriais e (por que não?!) a kantiana Razão Pura.

Vivendo em grupo, comunidade ou sociedade, os homens se interrelacionam e interagem entre si, material e imaterialmente, com essas características, acentuadas ou minimizadas pela influência de fatores exógenos do ambiente que os cerca (clima, topografia, reprodução, bebidas, comidas, símbolos, vestuário, abrigo, crenças, mitos, etc.)

Os produtos dessa interação se projetam na estrutura e na conjuntura de vida. Em termos estruturais, resultam na composição das instituições (conjunto de normas de conduta caracterizadas, ao longo do tempo e do espaço, pelo ânimo da permanência, que regulam o processo de organização política e, consequentemente, de hierarquização do poder). Daí resultam também os órgãos institucionais, que corporificam simbolicamente as instituições e com estas, conjuntamente, o próprio sistema político.

Esse sistema político é a nossa síntese hipotética da dialética guerra e paz, porque sempre existirá, na presença ou na ausência de uma das duas variáveis, e, como toda síntese, comporá nova tese.

Considerando-se a paz como variável independente, as possibilidades de conflito entre nações dependem de, pelo menos, oito variáveis dependentes, positivas e negativas, geradas pelo sistema político, pois, como afirma a Filosofia, “de duas coisas, uma é sempre diferente da outra”... As positivas são: 1.Fundamentos do Poder;2.Constituição (Carta Magna) Pacífica; 3. Democracia; 4.Universalidade. As negativas são: Baixa potencialidade; 2 Constituição agressiva; 3.Autocracia; 4.Isolacionismo.

Poderíamos resumir tais possibilidades em: Sistema Político (Poder Nacional, Vontade Política; modelo federativo, sistema de governo, regime político e sistema representativo (subsistemas eleitoral e partidário) e cultura (formas idiossincráticas de pensar, sentir e agir) nacional.

O poder nacional pode ser de alta ou baixa capacidade; a vontade política se define no modelo constitucional de cada país, que tanto pode prescrever o preparo para a defesa (Constituição do Brasil, por exemplo) quanto para o ataque (Constituição dos Estados Unidos); o regime político pode ser democrático ou autocrático, e a cultura nacional pode ser universalista ou isolacionista. Essa cultura é tão característica, que rejeita importações de outros modelos de sociedade, aceitando apenas “sugestões” adaptáveis a qualquer nação ou país (como, por exemplo, as idéias de necessidade vital de suprimento de água e de comida e de perpetuação da espécie).

Confrontadas as variáveis positivas e negativas, tendo a paz como variável independente, elas se constituem potencialmente em fatores de guerra expansionista (conquista do mais fraco pelo mais forte); de beligerância, por disputa do poder político interno; de guerra por motivos religiosos e culturais; guerra por motivos terroristas; submissão ativa (ou rendição) por absoluta dependência; dependência sem submissão (guerrilhas e guerras de libertação); submissão por dependência imprevisível (retração); submissão passiva ou resignada ao mais forte; submissão estratégica para política pendular; guerra-relâmpago e conspiração permanente para guerra oportunista (estratégia do lobo e do leão quando a caça apresenta sinais de fraqueza); composição para neutralidade ou alinhamento conveniente.

A essa síntese transformada em nova tese, o Sistema Político, surge o Caráter Nacional como antítese. O Caráter Nacional é a “intuição” desse sistema político, espécie de mão invisível do Espírito regente da Alma e do Corpo dessa nação – talvez o que Kant denominaria “Razão Autônoma”. Um fator, portanto, metafísico, que pode tanto enfraquecer o poderoso dominador quanto fortalecer subitamente o oponente frágil ( caso do  Vietnã do Norte enfrentando os Estados Unidos).  Eis o novo embate dialético, cuja síntese será a Defesa.

Minha proposta de uma Filosofia de Defesa consiste, portanto, na seguinte questão:
Em situação de paz, qual é a possibilidade de se elaborar uma Política de Defesa Nacional que concilie em sua plenitude o Sistema Político e o Caráter Nacional, considerando-se a Paz como variável independente, em face da necessidade de o poderoso se prevenir contra um súbito enfraquecimento e do frágil oponente se preparar para a situação de seu súbito fortalecimento?  


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