Adriano Benayon *
Os principais jornais, revistas e TVs, sempre
alinhados com os interesses imperiais, dão grande destaque ao julgamento,
no Supremo Tribunal Federal, do mensalão, levado adiante nas instâncias do
Estado, porque atinge principalmente José Dirceu, um líder centralizador de
poder, e tido por ser de esquerda. Além disso, pode abalar a popularidade
de Lula.
2. Em todo o mundo, os oligarcas estrangeiros e
seus agentes e laranjas locais tratam de minar quaisquer lideranças que aspirem
a voos próprios e se tornem, assim, menos dependentes dos dinheiros daqueles.
3. O sistema de poder mundial trata de fazer
alternar no Executivo partidos que cumpram suas determinações. No Brasil,
conquanto tenha como agentes preferenciais o PSDB e aliados, a oligarquia
anglo-americana - para dar espaço a Lula – se valera, em 1994, das
fraudes que alijaram Brizola do segundo turno.
4. E ela não fez virar a mesa, quando, em 2002,
Lula derrotou o candidato de FHC, desgastadíssimo pelos efeitos sobre
a população dos desastres causados pelo governo do PSDB. Lula foi
logo anunciando nomeações de agentes da oligarquia, como Meirelles para
presidir o Banco Centra,l e Marina Silva, ministra do Meio-Ambiente.
5. Por outro lado, embora o PSDB não seja palatável
para a maioria dos eleitores, a oligarquia conta com o tempo decorrido desde
2002 e com a amnésia ministrada pela grande mídia para fazer esquecer a
devastação tucana.
6. E, para ajudar nisso, nada melhor que expor a
responsabilidade do PT num grande esquema de corrupção, não porque o PT
não esteja atendendo os interesses do poder mundial, mas porque os
concentradores preferem manter viva sua alternativa mais segura, o PSDB.
7. Ademais, a corrupção está entre os temas que têm
suscitado maior preocupação ao povo brasileiro, e não apenas no seio da classe
média, tradicionalmente moralista.
8. Alguns blogs independentes ou patrocinados pelo
atual governo lembraram que os tucanos cometeram, nos oito anos de FHC, atos de
corrupção causadores de danos muito mais profundos para o País, e nisso
esses blogs têm razão.
9. Falta, porém, razão aos que negam o mensalão.
Mais relevante que isso: deixam de observar que a corrupção do mensalão comprou
parlamentares de partidos menores, não para aprovar propostas favoráveis à
sociedade brasileira, mas para aprovar emendas constitucionais e leis que deram
continuidade à agenda do império, a do Consenso de Washington e do FMI.
10. Isso parece até contraditório, já que, para
esse tipo de coisa, o PT poderia ter o apoio da “oposição”, PSDB, DEM, PPS e
outros, fieis à agenda entreguista, embora houvesse a possibilidade de se
oporem, como fez o PT, no período FHC, sabendo que ela seria adotada de
qualquer modo.
11. Mais que isso: o PT julgou necessário garantir
maioria estável no Congresso, ameaçada pela flutuação dos votos de grande parte
dos parlamentares do PMDB e de outros partidos cujo apoio depende de cargos e
vantagens.
12. De qualquer forma, o mensalão não passa de um
caso da corrupção de varejo. Mas esse teve grande repercussão, ao contrário do
mensalão tucano em Minas Gerais e da ainda mais grave compra de deputados para
votarem a favor da emenda constitucional que permitiu a reeleição de FHC.
13. E que dizer dos casos de mega-corrupção tucana
com as privatizações, evasão de divisas no escândalo do BANESTADO etc.?
14. O que o povo brasileiro precisa saber,
para agir em consequência, é que a corrupção no País é sistêmica. Que
quer dizer isso? Que ela decorre da estrutura econômica, social e política
existente.
15. E o que caracteriza essa estrutura? A concentração
da propriedade dos meios de produção em mãos de grupos econômicos, hoje,
basicamente estrangeiros ou desnacionalizados.
16. Provém desses grupos a corrupção ativa,
os abusos do poder sobre o mercado, as fraudes em prejuízo dos consumidores e
outras formas de corrupção. Corrompem não só políticos e agentes públicos, mas
gente do setor privado dentro desses próprios grupos e em outras empresas.
17. Tudo isso resulta no empobrecimento da grande
maioria dos brasileiros, apesar de o País ser extremamente rico em terras
férteis, água, minérios preciosos e estratégicos.
18. Passa, em geral, despercebido que
a corrupção no setor público parte, amiúde, do setor privado. Concorre para
essa falta de percepção a atitude seletiva da grande mídia, a qual enfatiza
a corrupção no âmbito do Estado. Embora aponte também casos com empresários no
pólo ativo da corrupção, trata de acobertar grandes transnacionais e bancos.
19. O aspecto social da estrutura econômica
mostra-se na concentração da renda, com 60% da população sem renda ou ganhando
menos de dois salários mínimos. O quadro é tão deplorável, que os
“especialistas” da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da
Presidência da República definem como de classe média as famílias com
renda, por pessoa, entre R$ 291 e R$ 1.019 mensais.
20. Do outro lado, são colossais os ganhos das
transnacionais e dos bancos, que comandam a economia e a política. As
transferências das transnacionais ao exterior descapitalizam o País de forma
aguda, inviabilizando que os ganhos do mercado sejam reinvestidos na economia
produtiva.
21. Até mesmo os brasileiros ricos, que têm muito
menos poder e incluem servidores oficiais e extra-oficiais dos concentradores,
já detinham, no final de 2010, recursos financeiros em paraísos fiscais no
exterior de US$ 520 bilhões.
22. Claro está que os partidos políticos e os
resultados das eleições são controlados pelos grupos concentradores, os quais
determinam, ademais, o acesso das pessoas aos meios de comunicação e o que,
através destes, se “informa” e desinforma aos cidadãos.
23. É de concluir, pois, que a estrutura política é
incompatível com o Estado democrático de direito e decorre da estrutura
econômica concentrada e desnacionalizada.
24. As normas democráticas da Constituição
permaneceram letra morta, como a que limita os juros reais a 12% aa., enquanto
as favoráveis aos concentradores são rigorosamente aplicadas e foram acrescidas
das reformas de FHC, instituídas conforme as receitas do Consenso de
Washington, FMI e Banco Mundial e mantidas e prorrogadas nos governos
petistas.
25. Deveria também ser conhecido de todos que a
Constituição de 1988 foi fraudada para privilegiar o “serviço da dívida” no
Orçamento Federal e realizar descomunal sangria, que já passa de R$ 7
trilhões, esvaziando do País os seus recursos.
26. Ninguém, entre os constituintes, reparou na
fraude. Será? Se alguém notou, fingiu que não notou. Nem o relator nem o
presidente da Assembléia Constituinte, nem seus assessores, nem líder de
partido algum.
27. O estelionato foi cometido através de
requerimento de fusão de emendas de redação aos atuais
artigos 165/167, inserindo no 166 o dispositivo fraudulentamente acrescentado
ao texto aprovado no primeiro turno, ao submetê-lo para aprovação em segundo
turno.
28. Na página do requerimento em que o texto foi
adulterado, está a rubrica de Nelson Jobim, agora nomeado por Sarney,
presidente do Senado, para liderar o grupo de “notáveis” que elabora revisão do
pacto federativo. Constituição cidadã? Não, demagogia!
29. A concentração e a desnacionalização da
economia intensificaram-se desde 1954, e, desde 1988, esse processo
acelerou-se. Daí vem a inviabilidade de ser praticado no País qualquer
sistema de governo democrático.
30. Está arraigada, nas universidades e nos
demais meios de comunicação social a falsa ideia de que pluralismo de partidos,
“liberdade” de imprensa e de informação e eleições periódicas são suficientes
para caracterizar a democracia.
31. Que essas condições não garantem democracia
alguma está sendo mais percebido nos países “desenvolvidos” abalados pelo
colapso financeiro e pela depressão (recessão é eufemismo, mal fundamentado
através da manipulação de dados estatísticos).
32. Naquelas “democracias”, como no Brasil,
os partidos e as eleições são controlados pelos concentradores
financeiros “privados”, os grandes bancos e transnacionais, que são de
propriedade privada, mas exercem poder público.
33. Isso está na raiz dos colapsos econômicos e não
só impediu de moderar a natural tendência à concentração do sistema
capitalista, mas a agravou através da legislação e da política econômica.
34. Desde a crise de 2007, os concentradores
privados ganharam recursos e vantagens governamentais da ordem de US$ 30
trilhões, enquanto as condições sociais se agravavam.
35. Portanto, é a oligarquia financeira que origina
a corrupção sistêmica e dela se beneficia. Ademais as “formas democráticas” não
evitaram sequer que fosse instituído nos EUA o Estado policial, principalmente
a partir do golpe de 11 setembro de 2001.
36. Só os menos informados ignoram ter havido,
nesse dia, um golpe da oligarquia para facilitar novas guerras e agressões
imperiais e eliminar as garantias constitucionais, a pretexto de combater um
terrorismo inexistente ou facilmente contível.
37. A “democracia” brasileira é calcada
nesses modelos nada exemplares, e a iniquidade social é maior que nos países
“desenvolvidos”. E, como se isso tudo não bastasse, há, ainda, a
urna eletrônica sem a possibilidade de conferir o voto.
38. Mas como erguer um sistema realmente
democrático, com maior espaço para a democracia direta e capaz de assegurar
que a democracia representativa não mais seja a farsa que tem sido?
39. Como instituir sistema democrático sem
transformação profunda na estrutura econômica e social? Ou será que teríamos
de, antes, transformar as instituições políticas subordinadas aos
concentradores da estrutura econômica?
42. Que fazer, então, diante do fato de que não há
como sequer modificar superficialmente essas instituições enquanto elas
estiverem de pé?
* - Adriano Benayon é doutor em
economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento, editora
Escrituras, SP.
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