Adriano Benayon *
01. A Argentina,
sob Nestor Kirchner e, agora, Cristina Fernández, renacionaliza empresas de
setores estratégicos: petróleo e gás, água e esgotos, transportes aéreos,
correios.
02. Refunda-se o
Estado, praticamente liquidado após várias rodadas de devastação ao longo de 50
anos. A mais brutal delas foi com Menem, 1989/1999.
03. Para mudar de
curso, foi preciso o povo sair às ruas, em dezembro de 2001, exigindo a queda
de De la Rua e do ministro Cavallo. Este comandava a economia desde Menem, e,
em 1991, introduzira o Plano Austral, com conversibilidade e paridade (1 peso = 1 dólar), precursor do Plano Real (1994).
04. Com o Austral,
a dívida pública causada pelo modelo dependente crescera ainda mais, com grande parte em moratória desde 2001. Ao
assumir Kirchner, em 2003, ela equivalia a 140% do PIB e a 428% das
exportações de bens e serviços (no Brasil 79% e 284%).
05. Diferentemente
do Brasil, a Argentina negociou com soberania e obteve, em março de 2005,
descontos médios de 70% do valor nominal dos títulos. A dívida externa total
foi reduzida de US$ 192 bilhões para US$ 126 bilhões.
06. O Brasil, até
hoje, não realizou sequer a auditoria da dívida, inflada por fraudes e pela capitalização
de taxas de juros, tarifas e comissões descabidas, inclusive nas rolagens e
“reestruturações.” Seu serviço prossegue fazendo gastar quase 50% do orçamento
federal.
07. Na Argentina, a
partir de 2003, deu-se notável reversão da queda livre do PIB, havida de 1998 a
2002, do índice 100 para 77. Em 2012, recuperou-se para 151, e, computando a
base 2002 = 100, subiu a 206 (mais que dobrou). O do Brasil chegou a só 142.
08. A economia
argentina ainda está grandemente desnacionalizada, mas menos que a do Brasil, e
as transnacionais têm menos privilégios, subsídios e isenções que aqui. Além
disso, as pequenas e médias empresas argentinas têm peso razoável.
09. Assim, os déficits nas transações correntes são
inexpressivos. No Brasil, ao
contrário,vêm-se avolumando. De 2008 a
2012, somaram US$ 204,1 bilhões, sendo US$ 54,2 bilhões em 2012.
10. Esses déficitsfazem acelerar ainda mais a
desnacionalização e o endividamento, com risco de as contas externas desencadearem grave crise. Assinala Carlos Lopes (HP 24.01.2013)
que, de 2004 a 2011, foram desnacionalizadas 1.296 empresas brasileiras, e as
remessas oficiais de lucros ao exterior montaram a US$ 405 bilhões. Ora, as
remessas disfarçadas em outras contas são um múltiplo disso.
11. A restauração do Estado na Argentina
faz-se acompanhar de excelentes resultados. Ademais, como escreveu o jornalista
Beto Almeida, o presidente Kirchner, enfrentou
o oligopólio da mídia, fortaleceu e expandiu a TV Pública Argentina, firmando
as bases para aprovar-se a Lei de Meios de Comunicação no governo de Cristina
Kirchner.
12. Criou, ademais,
um canal cultural de alto nível, eliminou a reserva de mercado de emissoras
privadas sobre o futebol, agora também transmitido por canais públicos.
Determinou a divisão do espaço eletromagnético nos segmentos estatal, privado e
público, no qual a CGT e a Universidade Nacional, por exemplo, podem ter seus
canais. Foi, ainda, instituído operador nacional de TV a cabo e outro, estatal,
para TV digital”.
13. Os carteis da
mídia recorrem a quaisquer meios para combater governos que defendam o
interesse nacional. Por isso, a grande mídia argentina é monolítica em sua
hostilidade aos Kirchner.
14. No Brasil a
ojeriza ao governo é matizada, porque: 1º embora não tão querido pelos carteis
como a oposição, ele segue o esquema econômico das transnacionais; 2º porque
financia “generosamente” os carteis com verbas públicas.
15. O governo
argentino, alvo de serviços secretos estrangeiros para desestabilizá-lo,
promovendo e financiando greves e incidentes, necessita, pois, elevar sempre o
grau de fidelidade e a qualidade de seus quadros de inteligência e segurança.
16. No Brasil, há
que reverter o processo intensificado sob FHC, de eliminar estatais e perverter
o serviço público, pois: 1) criaram-se agências “independentes” – mas não dos
carteis mundiais - “responsáveis” por serviços públicos privatizados; 2)
transformaram a administração em mera repassadora de verbas e outorgadora de
concessões; 3) os investimentos são tolhidos pela fiscalização legalista (sob
leis inadequadas) e até ideológica dos Ministérios Públicos e Tribunais de
Contas, IBAMA, FUNAI etc.
17. Em suma, um
serviço público, que: 1) se preocupa antes em não se comprometer que em
realizar e, cada vez menos, presta serviços sequer de educação e de saúde; 2)
fica indiferente ao desperdício e à corrupção, se combatê-los prejudicar a
carreira.
18. Enquanto isso,
o governo: 1) subsidia banqueiros, concentradores e transnacionais; 2) dá-lhes
tratamento fiscal favorecido; 3) financia-os através do BNDES e outros bancos
públicos; 4) entra nas PPPs com o grosso do capital e garante o risco dos
sócios privados; 5) não consegue aplicar no PAC o grosso das verbas alocadas e
as investe mal, através das empreiteiras e outros concessionários. O pouco investido
na infra-estrutura é mal escolhido e custa caro.
19. Se a sociedade
não tem o Estado a seu serviço, é fatal que ela sucumba. Por isso, os que
querem a ruína de um País, desorganizam, desmoralizam e liquidam o Estado.
Collor e FHC radicalizaram essa tendência, e os sucessores não sabem ou não
querem revertê-la.
Ideologia e Estado
20. Uma das
características dos sistemas de dominação é fazer das ideias que favorecem seus
interesses a opinião prevalecente. Nesse contexto, é importante a conexão entre
a destruição dos valores éticos da civilização e o marketing do encolhimento do
Estado e de sua colocação a serviço de interesses privados concentradores.
21. Os
propugnadores do Estado-mínimo argumentam deste modo: como as pessoas se
orientam pelo hedonismo e são desonestas, quem estiver em posição de se locupletar
na função pública, o fará, e, portanto, o Estado deve ser descartado. Por isso,
o império trabalha para que assim seja.
22. Não por acaso,
fomenta-se a falta de caráter, elimina-se a decência, a dignidade e o respeito
aos seres humanos, através de: relativização dos valores; implantação da
antimúsica com ruídos desestabilizadores do equilíbrio orgânico e psíquico;
difusão das drogas.
23. Isso e o
consumismo são reforçados pelas técnicas de publicidade, inclusive o
merchandising na indústria do entretenimento (rádio, cinema, TV, videogames,
I-Pads etc).
24. O objetivo é
que ninguém lute, no Estado ou fora dele, pelo bem comum. Vantagens atraem
gente para servir os concentradores, e os meios de apassivar as pessoas são os
acima resumidos, planejados em institutos de psicologia aplicada.
25. Criam-se, aos
milhões, alienados de todo tipo, incapazes de absorver informação, e a grande
mídia encarrega-se de ocultar dos demais tudo que contenha verdade sobre
questões econômicas e políticas.
26. Os pensadores
orgânicos difundem teorias como a do Estado mínimo, contaminadas por
contradições insanáveis, raro desmascaradas, por falta de espaço na mídia e nas
universidades.
27. Segundo Adam
Smith, a busca da utilidade egoísta pelos indivíduos ou empresas só funciona em
favor do bem-comum, se não tiverem poder sobre o mercado. Claro, pois, na
lógica do sistema, que os dirigentes dos poderosos carteis usam a“liberdade”
para aumentar a concentração e a tirania.
28. A experiência
dos países que prosperaram, comprova que o desenvolvimento se deveu a
estadistas e a funcionários capazes e honestos. Inviabilizar esse tipo de gente
entre nós é condenar o País à exploração irreversível por parte dos impérios.
29. Formaram-se
aqui bons quadros e carreiras no serviço público, restando ainda técnicos e
funcionários competentes, hoje, na maioria, desaproveitados, por causa da corrosão do Estado.
* - Adriano Benayon é doutor em
economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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