(Autor de Quem Tem Medo de Hugo Chávez
e do blog Café na Política http://www.cafenapolitica.com
A importância das democracias e lideranças fortes é medida nas
encruzilhadas a que se vêem expostas as nações. Quarta-feira, 20/3, a Argentina
viveu um desses transes cruciais. Um ataque especulativo contra sua moeda,
desencadeado por bancos, agências de risco, analistas da Wall Street, e grupos
midiáticos hegemônicos, estes maximizando os boatos, devidamente repicados no
Brasil e outras praças financeiras, tentou obrigar o governo a fazer uma maxi
desvalorização da moeda nacional. A razão: o peso, tinha subido 47 centavos
naquele dia frente ao dólar. A pronta ação do governo em cima dos especuladores
ja faria o dólar ceder de 30 na 40 centavos, ao amanhecer do outro dia, a
quinta, 21.
Um regime frágil, como o de Fernando De La Rúa, responsável pela crise
que quebrou o país, em 2001, teria cedido aos especuladores, e causado enormes
prejuízos à economia e à população, e proporcionado lucros estupendos aos
negocistas, como costuma acontecer nestas operações. Mas a presidenta Cristina
Kirchner é de outra cepa e segurou o tranco. Na verdade, o ataque tinha vindo
como resposta às medidas da AFIP, a Receita de lá, aumentando de 15% para 20%,
a taxa cobrada pelo uso dos cartões de crédito no exterior e a extensão das
medidas aos pacotes de viagem para fora do país.
Tais ações vêm se
intensificando desde 2011, quando houve uma fuga de capitais de 40 bilhões de
dólares, em outra manobra especulativa dos grandes conglomerados econômicos
para obrigar o governo a abandonar sua política nacionalista, que reduziu o
desemprego de taxas espanholas de 25% para os atuais 7% e assegurou o
crescimento econômico com inclusão e mobilização social, depois da recessão do
início do século, e baixar um pacote fiscal com a maxi e uma série de
providências para beneficiar bancos, multinacionais etc.
Na sexta-feira, o governo Kirchner já anunciava o crescimento da
economia de 3,2%, revertendo a tendência do último ano de 2,7%, provocada pela
crise europeia. Nos anos anteriores, o decênio dos governos Néstor e Cristina
Kirchner tinha registrado um crescimento médio de níveis chineses de 9%. Essa
política, inaugurada em 2003, com a ascensão do marido Néstor, atingiu seu auge
quando o governo partiu para o reescalanomento da dívida externa, pelo qual só
se dispunha a pagar, e nisso recebeu a anuência dos credores, 25% do que o país
devia.
Com isso, os argentinos puderam respirar e, com ajuda de 10 bilhões de
dólares, prestada por Hugo Chávez, então presidente da Venezuela, iniciou uma
“década ganha (e não perdida)”, como costuma destacar a esposa Cristina, que
assumiu em 2007, e resgatou muitos dos prejuízos da era neoliberal, a “década
perdida” de de Carlos Menem e De La Rúa, inclusive algumas estatais
importantes, como a YPF, do petróleo, Correios, empresas de eletricidade e de
outros setores estratégicos.
Para segurar estas conquista, que ainda incluem o resgate das pensões
dos aposentados ameaçadas pelas crises dos bancos em 2008, o regime
kirchnerista teve de enfrentar uma campanha esmagadora de desestabilização do
poder econômico, que, através dos meios de comunicação hegemônicos, sobretudo
os grupos Clarín e La Nación, que passaram a estimular greves, lock-outs,
atentados contra as redes de energia elétrica, saques a supermercados etc. Ao
mesmo tempo, esses jornais TVs e rádios, que continuam agindo à solta graças a
uma justiça corrupta que eles sustentam, financiando inclusive férias
nababescas a juízes em Miami e capitais europeias, alvejam diuturnamente as
autoridades com a “revelação” de escândalos “envolvendo” sobretudo a família
presidencial, nenhuma semelhança com a política midiática brasileira.
Sem o
mínimo pejo, esses grupos midiáticos ainda abraçam causas antipatrióticas, como
a questão das ilhas Malvinas, que a presidenta vem desfraudando nos principais
fóruns internacionais. O jornal Clarín, por exemplo chegou a propagar o
referendum fajuto que a Inglaterra, a potência invasora da região, no século
XIX, fez com os habiantes das ilhas, os chamados kelpers, e ainda atacou
a presidenta: “Dura resposta dos Kelpers à Cristina”, dizia manchete do site do
jornal, ao se referir aos resultados da plebiscito, segundo os quais 98% seriam
favoráveis à submissão ao país colonislista. A presidenta respondeu ao jornal
com sua habitual ironia e desassombro: “Mas as Malvinas não são cristinistas
nem kirchneristas, as Malvinas são argentinas”.
Sem atentar para estas cavilações, o leitor desavisado dos sites dos
grupos Clarín e La Nación, na quarta-feira, teria a impressão de que o país
tinha entrado num colapso inexorável. À noite, o Clarín trombeteava, por
exemplo, que o governo teria convocado uma reunião de emergência da área
econômica, numa disfarçada tentativa de agitar os mercados e obrigar à
decretação da maxi desvalorização do peso frente ao dólar. A fumaça branca tão
desejada pela canalha não saiu e a reunião foi de rotina para examinar a
estratégica governamental, justamente contraatacar mais uma barriga do
anti-jornalismo, agora com o pretenso efeito devastador de um ataque
especulativo. Não foi dessa vez, que a mídia afundou mais uma vez o valente
país vizinho.
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