Adriano Benayon *
O criador do
Programa do Álcool, José Walther Bautista Vidal, faleceu no sábado 01 de
junho. O pesar foi grande para as centenas de milhares de
brasileiros e brasileiras que o conheceram, participaram de suas palestras,
leram seus livros e tiveram conhecimento de suas realizações à frente da
Secretaria de Tecnologia Industrial (STI) do Ministério da Indústria e do
Comércio, de 1974 a 1978, e das que levou adiante e inspirou depois
disso.
Mas, desde logo,
veio à mente dos seus amigos a memória da vitalidade e do entusiasmo produtivo
que caracterizou a existência de Bautista Vidal. De fato, uma das
qualidades que o distinguiu, é a de lutador.
Certamente o que
seu espírito está esperando de nós é darmos prosseguimento à luta que foi sua
principal razão de viver: esclarecer nossos compatriotas para que se libertem do
jugo da tirania financeira, que abrange não só o cartel anglo-americano
do petróleo e associados, mas também o que ele denominou a tirania
videofinanceira, a que assegura a escravização por meio da desinformação
e da destruição dos valores civilizatórios.
Os que estivemos
juntos com Bautista Vidal - em palestras, reuniões e encontros em
numerosas cidades brasileiras - sabemos que ele semeou informações
científicas e técnicas e, mais que isso, despertou a chama do sentimento
nacional e a compreensão de que a grandiosidade do País é incompatível com a
situação a que nosso povo está sendo submetido: A de ser pretensamente
governado, há decênios, por medíocres e covardes, meros executantes do
que determina a oligarquia capitalista estrangeira.
Que não se iluda
quem pensar que estas palavras contêm viés ideológico. Com efeito, entre os que
absorveram lições de Bautista Vidal está gente da extrema esquerda à
extrema direita.
O que tem em comum
toda essa gente? Simplesmente o sentimento de nacionalidade e a
percepção de que o Brasil está sendo saqueado, que não merece sê-lo
e que há que abandonar a passividade: mudar esse estado de coisas.
Só não compreendem a demonstração de coisas concretas e objetivas aqueles cujas
sinapses interneuronais estão bloqueadas por preconceitos.
As veementes
condenações de Bautista Vidal dirigiam-se aos que se submetem às
falsas verdades convencionais, veiculadas notadamente por organismos
internacionais, como o Banco Mundial, a OMC e a própria CEPAL, cujas políticas
Vidal desnudou em seu último livro, “A Economia dos Trópicos”.
Bautista Vida
escreveu 12 livros, entre os quais: De Estado Servil à Nação Soberana;
Civilização Solidária dos Trópicos; Soberania e Dignidade; Raízes da
Sobrevivência; O Esfacelamento da Nação; A Reconquista do Brasil; Petrobrás –
Um Clarão na História”, no qual ressalta a importância das ações do presidente
Getúlio Vargas.
Na Secretaria de
Tecnologia Industrial (STI), Bautista Vidal fundou o Programa do Álcool, graças
ao qual o Brasil foi o primeiro País a dominar plenamente a tecnologia de
fabricação eficiente de álcool combustível. Em determinada altura dos
anos 80, praticamente todos os carros produzidos no Brasil eram movidos a
etanol.
O Programa do
Álcool só não deu maiores frutos porque sofreu influências deletérias,
determinadas pelo endividamento do País, causado pelo modelo dependente. Entre
essas influências, a do Banco Mundial, que fez privilegiar as
grandes usinas e as plantações de cana-de-açúcar.Isso difere muito do que foi
idealizado pelos técnicos sob a direção de Vidal: produção descentralizada,
evitando os gastos do transporte, geralmente em caminhões a diesel de
petróleo, por centenas de quilômetros, da cana até as destilarias e
o caminho inverso na distribuição do combustível.
Ademais, nessa
indústria, que era nacional – e que, por isso mesmo, realizou importantes
desenvolvimentos tecnológicos no País - o projeto da STI abrangia
também a bioquímica do etanol e a dos óleos vegetais, com enorme potencial para
criar novos produtos substituidores dos obtidos através da petroquímica.
Bautista Vidal engajou mais de 1.500 técnicos e pesquisadores e estruturou numerosos centros de pesquisa tecnológica, desmontados pelos governos entreguistas que se seguiram. A STI legou, entretanto, o modelo e as soluções adequadas, não só para a produção descentralizada de álcool - combinada com a pecuária e a agricultura - mas ainda as bases para o aproveitamento das magníficas plantas oleaginosas do País, como dendê, macaúba e pinhão manso.
Tudo isso é,
até hoje, boicotado e inviabilizado pela ANP, Petrobrás, MME e demais
instituições oficiais, de há muito teleguiadas pelos interesses do cartel
mundial do petróleo.
Bautista Vidal não
obteve êxito em sua proposta de criar a Empresa Brasileira de Agroenergia,
ideia que defendeu em encontros com Lula e colaboradores do governo
deste. A Petrobrás Biocombustíveis, que resultou desses esforços, não realiza
coisa alguma do recomendado desde os anos 70 pela antiga STI.
Nos anos 80 e
grande parte dos anos 90, Bautista Vidal disseminou seus conhecimentos e
experiências como Professor na Universidade de Brasília, no Departamento de
Tecnologia e coordenador de importantes debates no Núcleo de Estudos
Estratégicos. Aí palestrou e convidou palestrantes dos mais destacados de todas
as áreas de grande interesse para o País.
Suas
intervenções - junto com as do grupo multidisciplinar que, durante
muitos anos, participou desses debates - produziram um acervo de
contribuições que teriam servido de base para o planejamento estratégico de
qualquer país dotado de governos interessados no desenvolvimento nacional.
Entre os valiosos
ensinamentos que Vidal transmitia, mencionarei só um, que costumo reiterar em
meus artigos, tal é a falta de entendimento, para a grande maioria das pessoas,
deste fundamental conceito: a empresa produtiva, concorrendo no mercado, é o
único lugar em que é possível desenvolver tecnologia.
Consequentemente:
1) um país cuja indústria estiver em mãos de empresas transnacionais
estrangeiras jamais desenvolverá tecnologia. 2) Se a quiser desenvolver, terá
que adotar reserva de mercado. 3) De pouquíssimo servem os institutos e
centros de pesquisa, se empresas nacionais (de capital nacional) não operarem
no mercado com condições de se manterem e desenvolverem.
É de destacar,
ainda, a ação exemplar do professor Bautista Vidal como militante na defesa do
patrimônio nacional saqueado com as privatizações determinadas pelas
potências hegemônicas e impostas pelos governos lacaios de Collor e FHC. Com
elas a União Federal gastou centenas de bilhões de reais (nada recebendo em
valor líquido) para entregar patrimônios públicos de valor imensurável,
avaliados, em visão de curto prazo, em dezenas de trilhões de dólares.
Recordou-me uma das
admiradoras do Professor tê-lo visto, em pé, a bordo de um caminhão, com outras
figuras ilustres, como o General Antônio Carlos Andrada Serpa,
manifestando contra a criminosa doação (privatização) da Cia. Vale do Rio
Doce.
Lembra, a
propósito, o jornalista Beto Almeida, ter o Professor ingressado com
representação na Procuradoria da Justiça Militar contra o ex-presidente FHC,
acusando-o, fundamentadamente, de alienar o subsolo, território nacional,
o que constitui crime dos mais graves entre os cominados pelo Código Penal
Militar.
* -Doutor em economia e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento. Foi vice-presidente do Instituto do Sol,
presidido por Bautista Vidal. Após, durante cinco anos, suscitar projetos de
energia da biomassa em várias cidades do interior do País, o Instituto foi
desativado por falta de interesse do governos federal e de governos estaduais
em promover esse modo democrático, econômico e ecológico de produzir energia.
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