Adriano Benayon *
Dívida
01. No geral, a Constituição de 1988 não sustentou os interesses
nacionais. A eleição dos constituintes foi muito influenciada pela grande mídia
e pelo dinheiro de: concentradores, transnacionais, entidades e fundações
estrangeiras. Depois, o entreguismo foi radicalizado por Emendas
patrocinadas por Collor, FHC e governos petistas.
02. Não bastasse isso, a “Carta Magna” foi adulterada
com a inserção fraudulenta de dispositivos jamais votados na
Constituinte.
03. Entre as fraudes avulta este acréscimo no art. 166, inciso II, § 3º:
excluídas as [despesas] que incidam sobre: a) dotações para
pessoal e seus encargos; b) serviço da
dívida; c) transferências tributárias constitucionais para Estados,
Municípios e o DF”.
04. O §
3º do inciso II do art. 166 estabelece restrições à inclusão de despesas no
orçamento, e o termo “excluídas”, privilegia as que constam das três alíneas. A
“a” e a “c” entraram como bois de piranha, para não chamar a atenção sobre o
serviço da dívida.
05.
Devido a esse dispositivo ilegítimo e nulo, a União já gastou, desde
1988, mais de R$ 10 trilhões com a dívida, jamais auditada, pois nunca se realizou a auditoria
determinada no Ato das Disposições Transitórias da Constituição. Ou seja: só
são cumpridas as normas contrárias ou indiferentes aos interesses
nacionais.
06. Resumindo: depois de
terem sido pagos mais de R$ 10 trilhões, a dívida pública - que em 1988
somava R$ 300 bilhões (atualizados
monetariamente) - ascendeu a mais de R$
3 trilhões em 2012, devido principalmente à capitalização de juros
a taxas absurdas.
07. A cifra de 1988 abrange as dívidas do Tesouro,
BACEN, Estados e municípios: a pública interna e a externa, incluída
nesta a do setor privado estatizada por ordem dos bancos credores, FMI, Banco
Mundial e demais instrumentos da oligarquia financeira anglo-americana.
08. Se computarmos – como é recomendável, dado que a
subserviência continua - a dívida externa bruta, de US$ 441,8
bilhões (R$ 880 bilhões), o total
alcança R$ 4 trilhões.
Petróleo e minérios
09. Nos artigos mais recentes, apontei que o governo federal
está acelerando a entrega a transnacionais estrangeiras de blocos de petróleo
avaliados em trilhões de dólares, em troca de nada, além de levar a Petrobrás a
adquirir proporcionalmente menos campos que em leilões anteriores.
10. Embora tenha sido a única estatal estratégica não privatizada pelo
tsunami legislativo e administrativo iniciado por Collor e completado por FHC,
a Petrobrás teve a maioria de suas ações preferenciais vendida em bolsas,
inclusive a de Nova York.
11. A estatal foi prejudicada pela Lei 9.478 /1977, vários
dispositivos da qual deveriam ter sido declarados inconstitucionais, se o
Judiciário não se mostrasse alheio aos interesses nacionais, como ocorreu
também nas privatizações.
12. A lei da desestatização e demais do pacote das
“reformas” ditadas por Washington (1990), a liquidação de estatais,
como o Loide e a Interbrás, a Lei de Propriedade Industrial e a Lei Kandir
são alguns dos indicadores de que o modelo infra-colonial foi inaugurado em 1989 com a primeira eleição
direta à presidência, sob a “Constituição cidadã”, com direito a fraudes
eleitorais.
13. A vigência da Lei Kandir constitui crime continuado, sem o qual a
exportação de minérios poderia prover receita fiscal equivalente a 32% do valor
dessa exportação. Sua revogação ajudaria em muito a economia, pois não só
o petróleo, mas outros minérios, como o de ferro, têm tido
participação crescente nas exportações, com quantidades assombrosas
extraídas de nosso subsolo.
14. Que dizer de minerais estratégicos, como o quartzo e o nióbio, cujas
reais quantidades exportadas são escamoteadas, e que são insumos de produtos
finais com valor de 50 a 200 vezes o da matéria-prima?
15. Os cidadãos escorchados pelos impostos seriam aliviados, se as
receitas do ICMS, Confins etc. não estivessem sendo doadas a grupos
concentradores, e se fossem poupadas despesas como as do serviço da dívida.
Concessões
16. O governo de Dilma Roussef embarca pesadamente nas
“concessões”, forma velada de privatização.
17.
Configura-se, pois, um modelo infra-colonial petucano,
caracterizado por submissão aos interesses da oligarquia
estrangeira, maior que a do modelo dependente instalado a partir de
1954. Esse, subsidiou a entrada do capital estrangeiro e submeteu-se
às dependências tecnológica e financeira, embora tenha mantido
instituições públicas e estatais e criado novas, até a casa
ruir com a bancarrota da dívida externa nos anos 80.
18. Durante o modelo dependente, as empresas privadas de capital
nacional foram esmagadas ou absorvidas pelas transnacionais, processo que se
intensificou no após 1988, restando pouquíssimos grupos concentradores,
associados ao capital estrangeiro, e cuja data de validade como nacionais não
se afigura muito distante.
19. A MP,
há pouco aprovada, põe fim aos portos públicos, a ser controlados por armadores
estrangeiros, e possibilita a prestação de serviço público por empresas
privadas sem licitação, em contratos eternos. Ademais, os problemas logísticos
estão mais nas ferrovias do que nos portos. O governo programa
“investimentos” de R$ 54 bilhões.
20. As
concessões abrangem também os aeroportos, 23 mil km. de rodovias, mais de 10
mil km. de ferrovias, e projetos em várias áreas, inclusive a pletora de
bilionários estádios de futebol, superfaturados.
21.
Centenas de bilhões de reais serão bancados pelo Tesouro, cujo serviço de
dívida já absorve quase metade das despesas da União, conforme dados da Câmara
Federal, assinalados por Maria Lucia Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida:
R$ 753 bilhões em 2012.
22. No
ano passado, os aportes do Tesouro aos bancos oficiais fizeram aumentar o
estoque da dívida em R$ 66 bilhões. O BNDES deverá financiar 80% dos
investimentos das concessões, propiciadores do enriquecimento, sem riscos, de
concessionários e empreiteiras.
23. O
engenheiro Luiz Cordioli lembra que o BNDES oferece dez anos de carência e
juros de 4% aa, e o Tesouro paga 12% aa. em seus títulos, possibilitando aos
aquinhoados - além dos ganhos com a exploração da concessão -
rendimentos de 8% aa., se aplicarem em papeis públicos a quantia emprestada
pelo BNDES.
24. Se
empreendimento não for rentável, o concessionário não pagará a dívida, e
o prejuízo fica para o Tesouro, que terá de arranjar os recursos para os juros
e para a liquidação dos títulos da dívida pública, emitindo moeda e títulos ou,
ainda, elevando impostos e contribuições.
25. O
governo planeja propiciar empréstimos sindicalizados de bancos privados, que
subsidiará (a bolsa-banqueiro, da qual os bancos estatais estão fora),
inclusive liberando mais depósitos compulsórios.
26.
Capitalizará a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias
(ABGF), para a qual convergirão recursos dos fundos setoriais, e
usará o Fundo Garantidor do Comércio Exterior (R$ 14 bilhões).
27.
Alternativamente, dará garantias através de bancos públicos e emitirá
debêntures de infraestrutura. Espera recursos próprios dos concessionários, de
20% do valor dos projetos.
28. O
governo parece, ademais, disposto, a obsequiar os concessionários com
benefícios adicionais. Nas
ferrovias: 1) serão desoneradas dos custos de manutenção, segurança e outros,
nos trechos que abandonaram e nos onde mantêm tráfego reduzido; 2) serão
transferidos para a União passivos patrimoniais, ambientais, cíveis,
tributários e trabalhistas, ao custo de muitas dezenas de bilhões de
reais; 3) as concessionárias
concentrarão as locomotivas e vagões arrendados nos trajetos de maior
lucratividade.
29. As
maiores são: América Latina Logística (ALL), MRS Logística, Vale, Ferrovia
Centro-Atlântica (FCA, controlada pela Vale) e Transnordestina, da CSN. Das
mais lucrativas, como a MRS, o governo pretende comprar a capacidade de
transporte da malha, realizar melhorias e revendê-la. Alega que fará acelerar
investimentos e suscitar concorrência.
30.
Entretanto, não faz sentido indenizar, por bilhões de reais, detentores de
concessões a expirar em menos de 15 anos. Indaga-se: por que os concessionários
não fizeram as melhorias? Quanto arrecadaram sem as ter realizado?
31. As
concessionárias vão livrar-se da obrigação de investir e terão direito ao uso
parcial das linhas vendidas aos novos licitantes, a quem caberá substituir os
trilhos e dormentes deteriorados.
32.
Quanto aos aeroportos, as concessões de Guarulhos, Viracopos e Brasília foram
entregues em leilões ganhos por empresas estrangeiras de menor
experiência.
33.
Assim, para Galeão e Confins, o secretário do Tesouro manifestara-se em favor
da participação majoritária da INFRAERO, mas isso não prosperou, por
desagradar investidores europeus. Isso sintetiza a subordinação de Dilma ao
capital estrangeiro e sinaliza o rumo das concessões, que abrangem,
além dos grandes aeroportos, a aviação regional, com 270 aeroportos e R$ 7,3
bilhões previstos. |
34. Nota
o engenheiro Roldão Simas: “O Galeão é um aeroporto moderno e ocioso, e não
requer ampliações: está esvaziado, pois muitos voos internacionais foram
transferidos para São Paulo, e muitos domésticos para o Santos Dumont.”
Conclusão:Diante de
tudo isso, não há como refugiar-se no terreno técnico, ignorando que
o impasse está no sistema político. Nada há a esperar de novas eleições
presidenciais, nem vale perder tempo discutindo candidatos. O povo terá de
exigir outros caminhos.
* -Doutor em economia e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento.
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