Adriano Benayon *
Muitos, se não a maioria, dos que não se importam
com a entrega das riquezas do País à oligarquia financeira transnacional e a
seus bancos e empresas, precisam mudar de atitude. Não é uma questão de
patriotada, mas de entender que sem soberania um povo fica privado de dignidade
e de prosperidade e até da chance de sobreviver.
2. Se o Brasil continuar à mercê de corporações
transnacionais, bancos e potências imperiais, aumentará o fosso entre a
minoria, cada vez menor, dos servidores desse sistema de poder e a maioria,
esmagadora e crescente, dos brasileiros que vivem em condições de vida
insuportáveis. Na verdade, escravos com seu destino nas mãos do império.
3. O fosso começou a ser alargado desde 1954,
logo após o golpe militar-udenista que entregou, de bandeja, o mercado do
País às transnacionais, através de privilégios incríveis, mantidos e aumentados
nos cinco anos de JK. Esse processo foi-se agravando e, hoje, longe de
ser revertido, prossegue intensificando-se.
4. As potências anglo-americanas não apenas
intervieram nos golpes de 1954 e 1964, mas também determinaram o curso
político do País desde o começo dos anos 80.
5. Neste mês a grande mídia não teve como esconder
as revelações de Snowden, ex-contratado terceirizado dos serviços secretos dos
Estados Unidos, sobre a abrangência da espionagem eletrônica, telefônica etc.
que estes fazem, há muitos anos, dentro do Brasil. Entretanto, quase não
se divulgam as ações dos serviços de outras potências, como o Reino Unido.
6. Esse controle sobre as telecomunicações nem
necessitava das tecnologias de captação de informações que os EUA hoje aplicam
em quase todo o mundo. De fato, o grau de traição ao País foi de tal
ordem, que o Brasil ficou, em 1998, sem satélite próprio de telecomunicações,
com a privatização da EMBRATEL, controlada pela MCI dos EUA.
7. Datam de longe as intervenções do governo dos
EUA praticadas para abortar iniciativas capazes de contribuir para o desenvolvimento
tecnológico do Brasil. Nos anos 70 e 80, os EUA vetaram a importação de
componentes estratégicos pela EMBRAER e causaram o fechamento da empresa
ENGESA, que fabricava blindados, ao intervir junto à Arábia Saudita para
cancelar um grande contrato.
8. Em consequência do modelo instituído no
Brasil a partir de 1954 - a que se atribuíram os falsos milagres de
crescimento do PIB, pouco depois traduzidos em dívidas e estagnação - o
poder das transnacionais sobre o mercado foi suficiente para
asfixiar as empresas privadas nacionais, matando, no ovo, as possibilidades de
estas desenvolverem tecnologia.
9. Entre as intervenções diretas das potências
imperiais (EUA à frente), avulta ter feito explodir o míssil da missão espacial
brasileira, na base de Alcântara, matando no ato seus mais de 20 membros, no
momento do lançamento. Além disso, os EUA pressionaram a Ucrânia
para não transferir tecnologia ao Brasil, como prevê o acordo de cooperação
espacial com esse país.
10. Os EUA arranjaram com o governo de FHC um
acordo para a cessão da base de Alcântara para lançamentos, altamente
lesivo para nós, pois permite a construção de instalações e a entrada no País
de equipamentos e efetivos das Forças Armadas da mais agressiva potência
militar do mundo.
11. Com a saída do mega-entreguista em dezembro de
2002, esse acordo esteve, até há pouco, parado no Congresso, tendo sido agora
colocado na pauta de votações do plenário da Câmara dos Deputados, o que
confirma estar a atual presidente cedendo às pressões imperiais em questões
vitais para a soberania do Brasil.
12. Outros atos de submissão ocorrem com o petróleo.
Pelo menos três destes terão, se não forem revertidos, consequencias fatídicas
para o País.
13. Primeiro, os leilões, em maio de 2013, de
campos de petróleo na plataforma continental, com reservas de 19 bilhões de
barris, na cotação atual, US$ 2 trilhões. Segundo: o anúncio de leilão
para o campo Libra, na área do Pré-Sal, com reservas de 12 bilhões de
barris. As duas medidas envolvem mais de 30 bilhões de barris.
14. Mormente nas condições infracoloniais do
sistema tributário brasileiro, leiloar petróleo para empresas estrangeiras
significa dar-lhes todo ele. Fora do Pré-Sal, o Brasil só recebe 10% de
royalties sobre aquilo a transnacional declarar (o que ninguém confere). Não há
impostos nem contribuições sobre a exportação.
15. Os agentes pagos e os enganados dirão que o
Brasil obterá grande quantidade de divisas (moeda estrangeira). Nós
respondemos: quem recebe as divisas são os exportadores, as petroleiras
estrangeiras.
16. Estas venderão as divisas ao Banco Central, o
qual, para pagá-las, emitirá moeda nacional (reais) em
quantidade assombrosa: quando estiverem exportando 3 milhões de barris/dia =
1.080 bilhões barris/ano, serão cerca de US$ 356 bilhões, o
equivalente a 150% do total das atuais exportações do Brasil. Ao câmbio de
R$ 2,2 por dólar, estamos falando de R$ 783 bilhões = 3,5 vezes o
atual saldo médio da base monetária.
17. Então? Ou o Banco Central emitiria moeda, e as
petroleiras estrangeiras ficariam com caixa para comprar todas as empresas,
bancos e propriedades que quisessem no Brasil, ou emitiria títulos da dívida
pública, dentro da tradicional política de enxugar a base monetária.
18. Neste caso, aumentaria, de golpe, em 50%
o estoque dos títulos da dívida pública fora do Banco Central, e
cresceria em 25% o absurdo serviço da dívida, que já consome quase metade das
despesas da União. Com a dinâmica da composição dos juros, a explosão não
demoraria.
19. Terceiro desastre com o petróleo: a
deterioração das finanças da Petrobrás, decorrente das políticas antinacionais
prevalecentes na ANP e na própria estatal, desde 1997, quando da instituição da
Lei 9.478.
20. Nada melhor que ter uma empresa nacional
responsável pelo abastecimento do País, a qual logrou êxitos notáveis na
pesquisa e exploração (descobrindo enormes reservas), em contraste com os
países que se entregam ao cartel anglo-americano.
21. Ora, a política brasileira dominada por
interessados na inviabilização do desenvolvimento nacional, vem minando a (ex?)
estatal, fazendo reduzir sua capacidade de investimento e, ao mesmo tempo,
abrindo, sem a menor necessidade, ao cartel mundial as reservas por ela
descobertas.
22. Com essa fieira de inesgotáveis danos ao País:
1) ele entrega a principal fonte de energia, tendente à escassez, do mercado
mundial; 2) cria terrível inflação e torna ainda mais letal a dívida pública;
3) recebe dólares, com os quais nada pode fazer no exterior (os juros lá são
desprezíveis, e as potências estrangeiras não vendem ativos produtivos
estratégicos); 4) com a abundância de divisas para importar, agrava a
desnacionalização e a desindustrialização, suas principais desgraças
estruturais.
23. Mais uma capitulação, que leva o Brasil à
ruína: a volta das elevações da taxa básica dos juros, SELIC. Neste ano, ela
subiu de 7,25% para 8,5%, com o que caem as possibilidades de reduzir os gastos
federais de R$ 753 bilhões, de 2012, com juros e amortizações das dívidas
interna e externa = 43% das despesas totais da União.
24. Não há que crer nos artifícios contábeis das
“autoridades monetárias”. Elas apresentam as despesas da dívida expurgadas de
correção monetária, o que não é correto: quando você paga R$ 30 reis para
almoçar, você está pagando R$ 30,00 mesmo; não há razão para deduzir a variação
do IGP-M no ano.
25. Outra coisa: não computam o que é pago por meio
de títulos públicos, como se não tivesse sido pago: se um aplicador
resgata títulos comprados há um ano, a juros de 15% aa., no valor
de R$ 100 mi, e o Tesouro lhe paga, com novos títulos, R$ 115 mi, há que
incluir esta quantia na despesa, pois o título do Tesouro vale dinheiro
e, além disso, rende juros.
26. Ademais, as autoridades não incluem no total os
títulos do Tesouro em poder do Banco Central, cuja maior parte circula
entre o BACEN e os bancos, nas operações de mercado aberto.
27. Os brasileiros são espoliados também
pelos juros bancários, a taxas muito maiores que as abusivas pagas pelo Tesouro
nos títulos públicos. O crédito de pessoas físicas e jurídicas chegou a
R$ 2,4 trilhões = 54% do PIB. Se calcularmos taxa média de 30% aa., a conta dos
juros, fora a da dívida pública, é quase outro tanto: R$ 720 bilhões.
28. Mais importante, além de estar na origem de
todos os males da economia e das finanças, é o que vai para o exterior de
lucros escondidos das transnacionais, através de diversas contas do balanço de
pagamentos. Eles vêm dos altíssimos preços que elas praticam aqui dentro: é o
mesmo que um imposto, só que pago pelos brasileiros às empresas
transnacionais, em vez de ser pago ao governo, equivalente a outra carga
tributária de 35% do PIB.
29. Do financiamento dos déficits externos
resultantes das transferências em várias contas do balanço de transações com o
exterior, resultou a dívida externa, e desta saiu a dívida interna,
quando faltaram divisas para servir aquela. Em função disso, os
engenheiros brasileiros não têm empregos, e não se desenvolve tecnologia no
País. Ademais, as pessoas ficam até sem saber para que servem as matérias
primas e o preço que deveriam ter.
30. Como reagem os governos que têm fingido
governar o País? Dão dinheiro e crédito barato às transnacionais e a
aquinhoados em novas concessões públicas, como ocorre com o transporte,
portos e aeroportos, estradas com pedágios abusivos etc. E cortam
impostos das transnacionais e outros concentradores.
31. Não reduzem, porém, os tributos que
recaem sobre os cidadãos. Ao contrário, estes são onerados adicionalmente pelos
sobrepreços dos oligopólios, como aponto no parágrafo 28 acima, e se
exemplifica com os bens industriais, de qualidade sofrível, e,
amiúde, custando o dobro de seus congêneres no exterior.
* - Adriano Benayon é doutor em
economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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