O mandato da Presidenta Dilma
Rousseff pode ser comparado a uma embarcação em alto-mar com diversas avarias e
ameaçando adernar a boreste e a bombordo, em águas infestadas de tubarões famintos.
O rombo maior já foi provocado
pelo presidente da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Cunha, quando
aceitou, na última quarta-feira, o pedido para abertura do processo de
impeachment contra Dilma formulado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior
e Janaína Paschoal.
Contribuiu para esse fato a
prisão do senador Delcídio Amaral, que rompeu o equilíbrio instável do
presidencialismo de coalizão, criando clima procelário em Brasília e minando
qualquer possível entendimento entre Dilma e Cunha para abafar os processos que os afligem.
Esse pedido de impeachment, o 28º de um total de 34
apresentados à Câmara dos Deputados pela Oposição, é baseado em descumprimento
da Constituição pelo Governo Dilma, incorrendo em crime de responsabilidade
pela prática das denominadas “pedaladas fiscais”, que são manobras contábeis e
orçamentárias para gastos além dos limites legais em 2014 e 2015.
Uma guerra entre a Presidente
Dilma Rousseff e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, terceiro na linha
sucessória e suspeito da prática de atos de corrupção que o tornam alvo de
avaliação da Comissão de Ética da Câmara, é o clima dominante em Brasília,
A Oposição não quer convocação
extraordinária do Congresso Nacional, que se encontra às vésperas do recesso
parlamentar, enquanto o Palácio do Planalto, que deseja uma tramitação rápida
do processo de impeachment, antes que
haja mobilização nacional dos oposicionistas, tenta forçar a prorrogação dos
trabalhos parlamentares.
É um jogo de braço que não mostra
até agora nenhum vencedor, mas que pode ser crucial para o desfecho da crise política
que se alastra no Brasil e contamina a economia – a pior crise vivida pelo
maior país da América Latina, desde a Revolução de 1930, conforme bem sintetizou
em recente matéria o jornal “Financial
Times”, de Londres.
Com a economia brasileira
encolhendo cerca de 3% em 2015 e 2% em 2016, taxa atual de inflação estimada em
quase 10% e déficit orçamentário de 30,5 bilhões de reais para o próximo ano, o
anúncio da autorização de abertura do processo de impeachment de Dilma fez baixar a cotação do dólar e subir a bolsa
de valores, numa reação do mercado sintomática e favorável à mudança de
governo.
A leitura do documento que justifica o pedido de impeachment, feita pelo
primeiro-secretário da Câmara dos Deputados, deputado Beto Mansur, do Partido
Republicano Brasileiro –PRB- pelo Estado de São Paulo, demorou mais de duas
horas.
Trata-se de longo e apurado texto
relatando todas as manobras efetuadas pelo Poder Executivo durante o Governo
Dilma (repetindo artimanhas dos seus antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e
Fernando Henrique Cardoso) para dominar o processo legislativo a seu interesse,
sem levar em consideração o princípio da tripartição de poderes.
O principal instrumento que vem
sendo utilizado pelo Poder Executivo, para manter sua hegemonia, desde a
promulgação da Constituição de 1988, é a medida provisória, na qual são inseridos,
costumeiramente, dispositivos estranhos ao teor principal (caput) da matéria,
criando normas que legalizam, justificam e até legitimam decisões presidenciais
que escapam à fiscalização dos demais poderes. Há mais de 70 mil normas no
Brasil e a consolidação das mesmas se torna matéria desafiadora e complexa por causa
das edições de medidas provisórias.
O documento extenso é um perfeito
roteiro das artimanhas empregadas pelo Poder Executivo no Brasil para burlar a
vigilância dos Poderes Legislativo e Judiciário e da própria sociedade na
produção de leis para garantia da governabilidade. Expõe as entranhas do
Presidencialismo brasileiro e as suas táticas de sobrevivência, razão pela
qual, além de servir de estudo para países de todos os continentes interessados
num modelo de estado normativo altamente cartorial e burocrático, abre caminho
para um novo sistema de governo: O Parlamentarismo.
Sim, com o desnudamento do Poder
Executivo, numa verdadeira radiografia das suas mutretas e do seu furor legiferante,
em detrimento do Poder Legislativo, esse documento de múltipla autoria abre
caminho para implantação do Parlamentarismo, ainda que como solução temporária
e terapêutica para a crise atual.
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