Adriano Benayon *
01. O Estado costuma ser regido pela classe
dominante. Nos países ditos desenvolvidos, a grande burguesia ganhou essa
condição, graças a políticas de Estado voltadas para o engrandecimento do poder
nacional.
02. O poder do Estado foi usado para fortalecer
empresas estatais e privadas de capital nacional, desenvolvendo tecnologias
próprias. Os capitalistas já tinham no Estado um instrumento para erguer seu
próprio poder, embora ainda não tivessem completa ascendência sobre aquele, nem
sobre seus quadros civis e militares.
03. Os grandes bancos e empresas industriais foram
formando um sistema de poder controlado por poucos potentados, todos com
“investimentos” em todas essas áreas, além de estreitos vínculos
interempresariais.
04. Concentrado assim, o capital “privado” passou a
predominar inquestionavelmente sobre as autoridades do Estado, bem como sobre
os tecnocratas e as forças armadas.
05. Esse processo foi acompanhado pela propagação
da ideologia liberal e por instituições de aparência democrática, tais como
eleições periódicas, suposta divisão dos poderes do Estado.
06. Tais formas perderam todo conteúdo democrático
que pudessem ter tido, através do controle das eleições por meio das campanhas
alimentadas por quantias somente accessíveis aos concentradores de capital,
também comandantes diretos ou indiretos dos meios de comunicação.
07. Essa é realidade política e econômica dos
países centrais, a qual levou aos absurdos da financeirização, culminando com o
Estado a passar aos banqueiros dezenas de trilhões de dólares das receitas
tributárias e da emissão de moeda e de títulos, além de suscitar a emissão
também pelos bancos centrais e pelos próprios bancos privados.
08. Assim, o Estado endividou-se para favorecer
grandes bancos, cujos controladores e executivos já se haviam locupletado
enormemente durante os anos da proliferação dos ativos financeiros que criaram
e que se revelaram, mais tarde, títulos podres.
09. Notavelmente, exigem sacrifícios de
trabalhadores, aposentados e da grande massa dos produtores e consumidores.
Brasil
10. Os concentradores mundiais, há séculos,
projetam seu poder em numerosos países de todos os continentes, dominando-os
diretamente ou através de grupos locais. No Brasil, desde há séculos,
aliaram-se a proprietários de terra e/ou mineradores, servindo-se deles para
penetrar na sociedade local e obter elevados ganhos comerciais e como
banqueiros credores e concessionários de serviços públicos.
11. Isso se deu, primeiro, através do comércio,
tornando a burguesia local dependente da exportação para ter acesso ao padrão
de vida dos ricos das economias centrais.
12. No Brasil, segmentos locais – da burguesia
industrial, de estamentos militar e burocrático, e dos trabalhadores -
aspiraram, na primeira metade do Século XX, a tornar o Estado instrumento da
autonomia nacional, livrando o País da condição de zona de exploração,
administrada em função dos interesses de empresas estrangeiras.
13. Até 1930, o Estado foi, em geral, governado por
representantes da burguesia“compradora”: grandes fazendeiros de café, produto
cujas receitas de exportação eram, em grande parte, absorvidas pelo serviço da
dívida externa e cuja comercialização era controlada por casas comerciais
estrangeiras
14. Ainda assim, formou-se apreciável
industrialização, graças à falta de divisas para importação.
15. Apesar de ter introduzido mudanças estruturais
importantes, a Revolução de outubro de 1930 contemplou os interesses dos
cafeicultores, determinando a queima de estoques de café e emitiu moeda para
pagar os produtores, com o que atenuou os efeitos internos da brutal queda do
preço e da quantidade exportada, desde o eclodir da depressão nos EUA.
16. Isso, junto com a falta de divisas para
importar, fortaleceu a industrialização. Além disso, foram aprovadas leis para
colocar o subsolo sob a autoridade da União e aparelhar o Estado, organizando
carreiras no serviço público civil, através de concursos e da formação de
quadros e técnicos.
17. Ao mesmo tempo, foram criadas instituições de
pesquisa tecnológica, inclusive nas Forças Armadas. Ademais, foi instituída a
legislação trabalhista, e criados os Institutos de Previdência, autarquias e
estatais para fomentar produções essenciais e estratégicas. Foi fundada a
primeira siderúrgica integrada e a Fábrica Nacional de Motores.
18. Não admira que, terminada a Segunda Guerra
Mundial, Getúlio Vargas, tenha sido, em 1945, defenestrado pelos interesses
imperiais. Seguiu-se o interregno entreguista do Marechal Dutra (1946-1950).
Vargas, eleito em 1950, foi nova e definitivamente derrubado por conspiração
dirigida por serviços secretos estrangeiros, em agosto de 1954, após difíceis
avanços em seu projeto de construção nacional.
19. Apesar de estes terem ocorrido desde o início
do Século XX, e se intensificado na Era Vargas, não foram suficientes para
tornar o País capaz de resistir à pressão imperial. Daí em diante, o País
voltou a sofrer o aumento das dependências cultural, financeira e tecnológica.
20. Isso aconteceu desde o governo militar-udenista
(1954-1955) e prosseguiu com JK, que abraçou a dependência tecnológica como
política de governo, ampliando os subsídios instituídos desde 1954 em favor das
empresas transnacionais.
21. Seguiu-se a instabilidade, agravada pela ação
das agências dos governos imperiais no quadro da Guerra Fria, os quais
investiram no anticomunismo para alinhar, ainda mais que antes, as elites
locais às potências anglo-americanas. O primeiro dos governos militares, em
1964, entregou a economia a Roberto Campos, e este instituiu políticas que
destruíram grande parte das empresas de capital nacional.
22. Os governos militares seguintes, tal como JK,
tentaram promover o desenvolvimento, sem entender que este é incompatível com
as dependências financeira e tecnológica.
23. Assim, os saldos negativos nas transações
correntes ganharam vulto maior, devido às transferências das multinacionais ao
exterior e ao endividamento do Estado, empenhado em investir na infra-estrutura
e indústrias básicas, em apoio às multinacionais, com projetos regidos pelo
Banco Mundial e financiados por bancos estrangeiros.
24. Daí a explosão da dívida externa (segunda
metade dos anos 70), a qual se tornou poderoso instrumento adicional da subordinação
do País.
25. Esgotaram-se os recursos para a
infra-estrutura, ficando tudo subordinado ao serviço da dívida. Além disso, a
entrada de investimentos diretos estrangeiros para“equilibrar” o balanço de
pagamentos redundou na desnacionalização quase completa da economia,
realimentando os déficits externos e o crescimento das dívidas externa e
interna.
26. A desnacionalização nesse grau implica
regressão em relação à República Velha (1889-1930), quando os interesses
estrangeiros ainda precisavam da intermediação das elites locais.
27. A partir de FHC, as empresas transnacionais
determinam diretamente as políticas públicas e constituem a classe dominante,
inclusive por controlarem diretamente quase toda a estrutura produtiva e
financeira.
28. O investimento direto estrangeiro é o veículo
da periferização por dentro, muito mais profunda que a antiga, através só do
comércio exterior.
* - Adriano Benayon é doutor em
economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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