Há três ou quatro décadas, o
futebol tinha características bem diferentes do futebol que se joga na Copa de 2014. O
futebol era expressão da cultura de cada povo, cultivado como arte por alguns
países, entre os quais o Brasil, e praticado como modalidade esportiva terciária
ou quaternária por outros, como os Estados Unidos e o Japão, dois países que hoje se entregam de corpo e alma a desenvolver esse esporte. Da várzea e da pelada no campo de terra, até mesmo com bola de pano ou de borracha, o jovem se fazia profissional com arte, vendo ressaltado seu talento individual pelo coletivo profissional bem composto.
Veio a Federação Internacional de
Futebol Associado - FIFA-, criada em 1904, em Zurique, e atualmente composta
por 209 federações nacionais, com o objetivo de melhorar continuamente o
futebol. Seu presidente de maior expressão foi o brasileiro João Havelange, que
transformou a entidade num centro poderoso de influência política no mundo
inteiro.
E o futebol virou teatro, encenação nos
gramados, passando a ser jogado num escantilhão politico e econômico fora dos estádios, e modelado pelas
empresas, pela mídia e pelos demais fabricantes de mitos como produto de indústria
cultural de massa (na verdadeira conceituação da escola estruturalista de
Frankfurt). Um produto, portanto, de fabricação em série, de linha de montagem,
para vender de tudo, desde bandeiras e bolas a ideias.
Não seria exagero afirmar que a
FIFA tem um poder paralelo ao da Organização das Nações Unidas - ONU-, tamanha
é a audiência mundial nos jogos da Copa do Mundo e as implicações do futebol
como legitimador de regimes políticos, por mais que a entidade se mantenha fora
dos processos eleitorais e das decisões governamentais.
A capilaridade da FIFA via futebol,
em qualquer regime do mundo, inclusive os sistemas políticos mais fechados,
como alguns orientais, asiáticos e sul-americanos, e o seu poder financeiro,
oriundo de fontes de diversos matizes, desde grupos empresariais a políticos,
religiosos e ideológicos, conduziu esse
polvo ao estabelecimento do já propalado
“padrão FIFA”, que, no período de Copa do Mundo, tem poder quase paralelo ao do
governo do país que sedia a Copa.
E qual país não aspira a sediar
uma Copa do Mundo? Por mais que haja protestos de grupos contrários aos gastos,
como no caso do Brasil (32 bilhões de reais), é uma disputa acirrada entre os
candidatos, porque se converte numa oportunidade rara de mobilização de
capitais e interesses, desde os mais legítimos aos mais escusos, por parte
das classes dominantes.
A FIFA impôs condições ao governo
brasileiro para realizar aqui a Copa, se estabelecendo com poder paralelo de
monitorar a vida nacional pelas expressões do poder político, econômico e
psicossocial, além de moldar, pela orientação de arbitragem com poucos cartões
amarelos e mais gols, uma competição violenta, no país do futebol-arte, e de
péssimo exemplo às crianças do mundo inteiro. Mesmo assim, vai faturar25
bilhões de dólares, segundo cálculos de alguns órgãos da imprensa.
O que vimos na derrota vergonhosa
do Brasil perante a Alemanha, por 7 a 1,
pelas semifinais da Copa de 2014, foi a máquina alemã ajustada ao padrão
industrial da cultura de massa frankfurtiana, mostrando de um lado a
eficiências e a precisão, que resultaram na produção de quatro gols em seis minutos, e de outro um time
apático em seu futebol romântico em
busca de um gol de honra, que só veio –creio – por piedade do time alemão.
A entrevista do técnico Luiz
Felipe Scolari, presente toda a Comissão Técnica da Seleção Brasileira, para
justificar a goleada imposta pela Alemanha, teve instantes de indignação dos
próprios jornalistas. Prestei muita atenção, e até considero que, para o
potencial apresentado pelo Brasil, seria muito bom um terceiro lugar, que é o
próximo objetivo da Confederação Brasileira de Futebol CBF-.
Mas, se eu estivesse presente,
perguntaria se alguém da comissão técnica considera ser digno de capitanear a
seleção brasileira algum jogador que chore em campo, se recuse a bater pênalti
e atrapalhe o goleiro adversário na reposição de bola, no lance ingênuo de receber cartão amarelo e ficar de fora
da semifinal contra a Alemanha.
Jogado como está sendo fora dos
estádios, com influência política e econômica dos poderosos do capitalismo
internacional, creio que vai ficando cada vez mais difícil para o Brasil, que
não tem o mesmo cacife, chegar ao hexacampeonato mundial de futebol. As
seleções da produção industrial de gols estão ficando cada vez mais iguais, e, neste
mundial, já vemos que o que resta de talento e gênio na disputa é apenas o
argentino Lionel Messi, depois da joelhada de luta livre sofrida pelo
brasileiro Neymar.
Como dizia Nelson Rodrigues, a
bola é uma ínfimo detalhe no futebol; o mais importante são o drama, a paixão,
todas as emoções que se envolvem. Como
que profetizando a arbitragem da Copa de 2014, ele escreveu:
“Sempre digo, nas minhas
crônicas, que a arbitragem normal e honesta confere às partidas um tédio
profundo, uma mediocridade irremediável. Só o juiz gatuno, o juiz larápio dá ao
futebol uma dimensão nova e, se me permitem, shakespeariana. O espetáculo deixa
de se resolver em termos chatamente técnicos, táticos e esportivos. Passa a ter
uma grandeza específica e terrível. Eis a verdade: - o juiz ladrão revolve, no
time prejudicado e respectiva torcida, esse fundo de crueldade, de insânia, de
ódio que existe, adormecido, no mais íntegro dos seres. O mínimo que nos ocorre
é beber-lhe o sangue. ("Um gol cravado no peito inimigo", 21/4/1956).
Esta copa foi montada debaixo de protestos nas ruas e vaias à Presidente Dilma, rodando no mesmo trilho das eleições presidenciais e parlamentares de outubro vindouro. A goleada sofrida pela seleção brasileira prejudicará eleitoralmente a Presidente Dilma Rousseff, e não há pesquisa eleitoral que consiga amenizar essa tendência. A menos que os brasileiros se satisfaçam com o terceiro lugar...
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