Adriano
Benayon *
É
importante, especialmente em situações críticas como a que vivemos no Brasil,
atentar mais para os fatos que para ideologias. Não que teorias não possam ser
úteis, mas, para gente honesta e
consciente de seus interesses, elas só
se validam se forem conformes à
realidade.
2.
Ao contrário, o sistema de poder concentrador -
que objetiva, sobre tudo, acumular mais poder - emprega intelectuais
para criar teorias, que mistificam os povos,
e, mercê do controle sobre a mídia, as transforma em “verdades”, aos olhos da maioria.
3.
Não importa se você é de direita ou esquerda: Se é brasileiro, está sendo
brutalmente saqueado, salvo as infames exceções dos agentes e colaboradores da
oligarquia financeira internacional.
4.
Tampouco importa se você é militar ou civil ou, ainda, se é adepto da
intervenção do Estado, ou se acredita numa quimérica livre iniciativa,
praticamente inexistente onde se admitem e subsidiam carteis.
5.
Enrolados por doutrinas e por distorções dos fatos, os brasileiros brigam por causa de opiniões e
teorias, como o império angloamericano mundial gosta, pois sempre investiu em
dividir suas vítimas com antagonismos ideológicos e querelas religiosas,
étnicas e outras.
6.
É como uma cidade cujos residentes se
digladiam, enquanto suas casas são ocupadas por assaltantes armados. E quanto mais se distraem nisso, mais aumenta
o saqueio.
7.
O colossal esbulho cresce e alcança novas áreas, sob um sistema político
caracterizado pela corrupção sistêmica e no qual, em todas as instâncias, se
verificam manifestações de acordo, ainda que implícito, com a dominação
exercida pelos carteis transnacionais e por grupos financeiros concentradores.
8.
Demonstra ser tal sistema imprestável, não haver nele partido político
algum, de expressão, que se oponha a
esse estado de coisas.
9.
O que a massa de trabalhadores, empresários, gerentes, técnicos, funcionários
civis e militares não percebe – porque lhe é cuidadosamente ocultado – é que os
políticos, como o gato da fábula milenar
de Esopo, tiram as castanhas do fogo para a raposa, os carteis
financeiros e econômicos transnacionais.
10. Grande quantidade de gente indigna-se contra alguns políticos e
executivos, colocados na Petrobrás, receptores de propinas de grandes empreiteiras, e reclama a
privatização da estatal e/ou penas letais para essas empreiteiras.
11. Ressalvado que esses delitos envolvem
quantias de menor monta, comparadas aos prejuízos que a corrupção sistêmica
causa ao País, e mesmo a outros casos de corrupção derivada, a indignação é
compreensível.
12.
Porém, esse tipo de resposta aos escândalos da Operação Lavajato denota
visão obscurecida pela cobertura do
assunto na grande mídia, sempre vinculada aos
interesses antinacionais.
13.
Há verdadeira campanha midiática em cima dessa Operação, enquanto se oculta a corrupção sistêmica e as
praticadas por empresas transnacionais, grandes bancos e políticos afinados com
esses concentradores.
14.
O trabalho da grande mídia é alimentado pelo
tratamento dado ao inquérito pelo juiz que o preside, abusando da
delação premiada, fazendo vazamentos à
mídia e mantendo presos, indevida e
prolongadamente, executivos das empreiteiras, postura com a qual colaboram
membros do Ministério Público.
15.
Em vez de haver investigação isenta e eficaz, vê-se desrespeito a direitos
constitucionais dos acusados, o que é o oposto da propalada sede de justiça e
pode frustrar, mais adiante, a punição dos responsáveis.
16.
O resultado é que: a) as atividades da Petrobrás e as da engenharia nacional
privada são prejudicadas; b) são
reforçados, na opinião pública, falsos
conceitos, de há muito inculcados, de que estatais são inconvenientes e as
empresas privadas nacionais são intrinsecamente corruptas, enquanto essa não
seria a regra entre as estrangeiras.
17.
Estando a maioria dos parlamentares alinhada com os financiadores de suas
eleições, e a chefe do Executivo pouco
resistente a pressões dos concentradores, fica claro o assalto
transnacional às fabulosas reservas de petróleo descobertas pela Petrobrás,
tramado em projeto-de-lei do senador J. Serra.
18. Esse desempenhou, no governo de FHC, papel destacado nas
privatizações, quando a União entregou setores inteiros e fabulosas estatais,
gastando, para isso, dinheiro público em
montante muito superior às receitas dos leilões.
19.
O jornalista Motta Araujo observou, em artigo recente, no Jornal GGN, a
inexistência atual, no Brasil, de um centro de poder político, como na antiga
tradição presidencialista do País.
20.
De fato, espaços de poder, antes do presidente,
vêm sendo ocupados pelo Legislativo e pelo Judiciário, e parte do
Ministério Público e da Polícia Federal agem em aguda dissintonia com o
Executivo.
21.
Os países que caminharam na direção de se tornar potências, o fizeram
havendo harmonia entre os poderes e
preponderância de uma só autoridade, fosse o presidente nos EUA, fosse o
primeiro-ministro nos regimes parlamentaristas ou, ainda, o chefe do partido
único, sob os regimes centralizados da Rússia e da China, respectivamente na
primeira e segunda metades do século 20.
22.
E mais letal que o esfacelamento do poder no âmbito interno, por si só
suficiente para inviabilizar o desenvolvimento, é ser o poder real exercido de
fora do Brasil.
23. Essa situação decorre das intervenções do
império dirigido pela oligarquia financeira angloamericana, através de golpes
de Estado –coordenados pelos serviços secretos dos EUA, do Reino Unido e de
potências coadjuvantes – e mediante corrupção e cooptação de muitos nos setores
público e privado, ademais de investimentos constantes para controlar os meios de comunicação
social, desinformar, arrasar a cultura e abaixar os valores éticos e a qualidade da educação.
24. A estratégia da dominação teve por ponto de
partida o controle dos meios de produção e financeiros. O primeiro e decisivo
impulso foi dado, de 1954 a 1960, quando os governos egressos do golpe de
agosto de 1954 e o da eleição de JK do final de 1955 proporcionaram às empresas
multinacionais (transnacionais) colossais favorecimentos para assenhorear-se
dos mercados no País, desde a Instrução
113 e seguintes da SUMOC, em janeiro de 1955.
25.
Esse processo nunca mais foi estancado, e foi acelerado durante a maioria dos
mandatos, pois a regra ficou sendo adotar políticas do agrado das
transnacionais, que se haviam tornado a classe dominante.
26.
Os EUA e seus parceiros impuseram, quando quiseram, golpes de Estado, em que a
intervenção militar direta funcionou como
ameaça, ou recurso em caso de o resultado não ser obtido sem ela.
27.
A subida ao poder de líderes nacionalistas e dotados de atratividade eleitoral,
foi impedida através de medidas discricionárias, nos 20 anos de governos militares, e novamente sob a
democracia de fachada instituída em 1988, mediante inúmeras jogadas e fraudes
políticas e mediáticas em prejuízo de Brizola e Arraes e, mais tarde, do Dr.
Enéas.
28.
Não é possível ignorar a ilegitimidade das “escolhas” de Collor e FHC para
presidir a República, a não ser sob a ótica bitolada dos que não percebem as
colossais manipulações e abusos de poder nem os esquemas de corrupção
praticados com esse fim.
29.
Tampouco se pode entender a política dos
governos encabeçados por Lula e Dilma, sem ter notícia dos acordos e conchavos
destes com os mentores imperiais de seus predecessores.
30.
Resumindo, os membros do Judiciário e do
MP deslumbrados com os holofotes da
mídia corrupta que agem com desenvoltura e até contra a lei, só o fazem por
estarem agradando as transnacionais e a oligarquia local a elas vinculada.
31.
Ademais, o Executivo enfraqueceu-se e
perdeu apoio popular e a confiança de entidades que o apoiavam, em consequência
das concessões às oligarquias mundial e local.
32. Desde Getúlio Vargas, faltou aos presidentes
focados na realidade do País, decisão para convocar o povo às ruas e mobilizar
lideranças do Exército, a fim de ganhar condições de ocupar o poder real.
33.
Carecem, por outro lado, de base as ilusões cultivadas a respeito de líderes
como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves.
34.
Neves derrotou Maluf, nas eleições indiretas de 1985, porque a oligarquia
financeira o preferia. Tanto é assim, que sua vitória se deveu à defecção no
PDS para criar a Frente Liberal, liderada por Marco Maciel, tradicional
articulador em favor das oligarquias.
35.
Haja vista o ministério legado por Tancredo: Educação: o próprio Maciel;
Comunicações: Antônio Carlos Magalhães (ACM), mantendo o feudo deste, associado
a Roberto Marinho; Itamaraty: Olavo
Setúbal banqueiro do Itaú; no principal, Fazenda: Francisco Dornelles, defensor
de políticas privatizantes e pró-capital estrangeiro.
* - Adriano Benayon é
doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização
versus Desenvolvimento
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