Puristas da hermenêutica e da
exegese ficaram preocupados quando o senador Aécio Neves, do Partido da Social
Democracia Brasileira –PSDB- e do estado de Minas Gerais, discursando no
Congresso Paulista de Municípios, em Santos, no último dia quatro, se referiu
ao período de regime militar, 1964 a 1981 no Brasil como o período da “revolução
de 1964”.
Os “patrulheiros ideológicos” da
esquerda brasileira ali presentes indagaram ao senador se ele, usando a
expressão “revolução”, estaria reconhecendo como legítimas a tomada do poder, a
deposição do presidente João Goulart e a implantação de medidas excepcionais e
autoritárias pelos governos que se sucederam no referido período.
Num ambiente visivelmente hostil
às lembranças do regime militar e necessitando de consolidar o apoio dos
paulistas, em especial do governador Geraldo Alkmin, à sua eleição para a
presidência do PSDB e, mais adiante, à sua candidatura às eleições para a
Presidência da República, em 2014, Aécio Neves saiu pela tangente dizendo que
são indistintas as expressões “golpe” e “revolução”
e que seu avô, Tancredo Neves, eleito
presidente da República e falecido antes de ser empossado, ajudou a restaurar a democracia no Brasil, e ele mesmo(Aécio),
no finalzinho do regime militar, pode contribuir igualmente para desmontar o
regime.
De fato, o neto Aécio Neves era o
secretário particular do avô Tancredo Neves, tinha em mãos sua agenda de compromissos
públicos e particulares e pode acompanhar cada passo do experiente e astuto
político mineiro para instaurar a “Nova República” tendo como vice na chapa o
senador José Sarney, que acabou assumindo o cargo com a morte de Tancredo
Neves, embora sofresse a oposição do presidente da Câmara dos deputados,
Ulysses Guimarães, que queria a convocação de novas eleições.
Coube ao ministro do Exército,
general Leônidas Pires Gonçalves, com apoio dos demais ministros da Marinha e
da Aeronáutica, bater o martelo e afirmar que o lugar era de Sarney conforme o “livrinho”
– a Constituição. E assim José Sarney, um dos líderes da Aliança Renovadora
Nacional - ARENA-, o partido de apoio aos governos militares – tornou-se o presidente
da consolidação da restauração democrática, que trouxe ao poder os Presidentes
Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff,
devendo ser assinalada a deposição de Collor por forças populares (os “carapintadas”)
insufladas em grande parte pelo Partido dos Trabalhadores, hoje no poder.
Um golpe tanto pode ocorrer por
vias democráticas, como foi a queda de Collor, quanto por meios coercitivos ou
violentos, com uso das Forças Armadas, mas ele pode redundar numa revolução
(uma grande transformação na vida nacional) ou simplesmente numa reforma,
algumas medidas garantidoras da permanência da elite dominante no poder, uma
forma de mudança sem inovação. Collor caiu pela ação das formas democráticas, e Sarney só pode assumir com apoio da expressão militar do poder, para levar em frente o projeto de redemocratização do País.
Testemunhei, como repórter do
jornal “O Estado de S.Paulo”, em determinado período do regime militar
(Governos Figueiredo e Geisel), que, no âmago das Forças Armadas, havia uma sólida
consciência sobre o caráter ditatorial do regime, mas uma consciência embasada
no conceito que a própria Ciência Política confere a um “dictator”, o governante de um regime autocrático que tem três
características: Legalidade, legitimidade e prazo de duração, no molde da
ditadura constitucional romana, que se instalava em casos emergenciais, por
determinação dos cônsules, mediante proposta do Senado. Havia generais influentes que cronometravam a permanência militar com indisfarçada impaciência:"Não podemos ampliar o prazo de nossa missão..."
O déspota, outra expressão do autoritarismo, tem legalidade e legitimidade,
mas não tem prazo para governar, além de enfeixar de forma arbitrária todo o
poder em torno de sua autoridade e de seu grupo de amigos.
O tirano é a terceira expressão do autoritarismo, e não tem
legalidade, legitimidade e prazo para governar, sobrepondo-se a todas as regras
em busca da sua perpetuação no poder, caracterizando-se, inclusive, pela
crueldade, embora, na Grécia Antiga, se considerasse que o tirano não poderia
perder de vista a vontade popular.
Não citarei aqui os inúmeros
exemplos de ditadura, despotismo e tirania que marcaram ou ainda marcam a História,
porque me parece essencial observar que o regime militar instaurado em 1964
manteve o Poder Legislativo em funcionamento (tanto que Ranieri Mazzilli, presidente
da Câmara dos Deputados, assumiu interinamente por alguns dias) apesar dos
decretos e dos atos institucionais marcantes do caráter ditatorial dos
governos.
Aliás, penso que, ainda hoje, as
medidas provisórias adotadas pelos presidentes eleitos, desde a implantação da “Nova
República,” são espécies de sucedâneas dos decretos-leis utilizados pelos
generais-presidentes (Junta Militar com o general Costa e Silva, o brigadeiro
Correia de Mello e o almirante Augusto Rademaker), e os generais Castello
Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo).
Com a agravante, para as medidas
provisórias, que são editadas aos borbotões, ao sabor das conveniências do
Poder Executivo, e escondem em suas entranhas matérias as mais intrincadas e
díspares em relação às ementas apresentadas, criando um verdadeiro cipoal de
leis e interpretações que atormentam legisladores, juristas, advogados e
intérpretes da legislação, dificultando a aplicação e a consolidação das leis (ou “clarificação”,
como preferem os franceses e alemães).
Introduzidas na Constituição de
1988, as medidas provisórias garantem a governabilidade, mas se transformaram no
principal instrumento de prevalência do Executivo sobre o Legislativo, ao ponto
de relegarem os decretos-leis adotados pelos presidentes militares à condição
de mecanismos artesanais do processo legislativo.
O caráter polissêmico dos termos “revolução”
e “golpe” sugere que se adote um critério para clarear essa polêmica que se
tornou recorrente entre os políticos e intelectuais brasileiros e estrangeiros:
Se 1964 simboliza um golpe ou uma revolução. O critério que me parece razoável
é observar se houve substanciais mudanças
políticas e sociais no Brasil, entre
1964-1981, independentemente de conotações valorativas (positivas ou
negativas). Evidente que sim... então ,temos, historicamente, uma revolução.
Uma característica presente na
anatomia de todos os golpes é o fechamento formal do Poder Legislativo, o que
não ocorreu em 1964. Então, não houve formalmente um golpe, ainda que se alegue
a fragilização das instituições democráticas. Em meu modesto conceito, como
cientista político, considero que houve um movimento
liderado pelos militares, com apoio externo e de vários segmentos da sociedade
brasileira, que causou uma revolução no Brasil, gerando mudanças que os
próprios governos civis até hoje não têm como ignorar na formulação de seus
programas e planos. Portanto, a discussão é bizantina....
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