(Francisco das Chagas Leite Filho)
O ex-presidente Lula da Silva lançou-se a uma maratona de viagens e conversações, que o mantêm tão ou mais ativo do que quando era presidente da república. Além dos contatos intermináveis com os atores da política interna, multiplicados depois da intensificação dos ataques à presidenta Dilma Rousseff, Lula se pendura grande parte do tempo ao telefone com os presidentes Cristina Kirchner, Rafael Correa, Pepe Mujica, Evo Morales e Nicolás Maduro.
Ele articula uma forma para superar dois gargalos que considera estar atravancando, se não fazendo retroceder os avanços da integração e das esquerdas na América Latina: a ausência de Hugo Chávez, falecido há cinco meses, e a falta de uma ferramenta de comunicação capaz de neutralizar a barreira midiática. Ao abrir, na última sexta-feira, o 19o. Foro de São Paulo, a entidade que congrega os partidos progressistas do continente, o ex-presidente confessou: ”Chávez vai fazer muita falta. É muito triste o Chávez não estar aqui. Ele era uma figura diferenciada. Espero que o (Nicolás) Maduro cumpra exatamente o papel que o Chávez vinha fazendo”.
A esse respeito, ele advertiu para as manobras das grandes potências: “Estamos vendo”, disse, ao aludir indiretamente as denúncias de espionagem sobre os telefones e a internet -, ” que os Estados Unidos não brincam em serviço”, identificando um “interesse geopolítico” de enfraquecer as políticas de integração na região. “Eles não toleram que alguém que não seja do Conselho de Segurança da ONU seja ator global.”
Lula conclamou então os governos progressistas a saírem da retranca e partir para uma ação mais direta junto aos movimentos sociais, aos sindicatos e sobretudo à juventude. Exortou ainda os presidentes a intensificarem a troca visitas aos países vizinhos, assim como fazia o ex-presidente venezuelano: “Quantas vezes o Chávez veio ao Brasil e eu fui à Venezuela?”, exemplificou.
Quanto à comunicação, Lula brandiu mais uma vez sua tese, já enunciada num foro em Cuba, de que a saída está na internet: “Nós não podemos apenas ficar chorando o problema da mídia conservadora em cada país. Ela é conservadora no Brasil, na Venezuela, na Colômbia, na Argentina, no Uruguai, em El Salvador”. Por esta razão, insistiu, “nós não podemos ficar apenas reclamando que os nossos adversários utilizam a mídia conservadora. Agora com a internet, do jeito que funciona, temos a chance pela primeira vez de criar um instrumento de comunicação entre nós e não ficar devendo favor a ninguém em lugar nenhum do mundo. Precisamos parar de reclamar e fazer o que está ao nosso alcance para que a gente possa ter a nossa própria mídia, nossa própria informação”.
No discurso em Havana, Lula já havia reclamado do fato de que as pessoas compareciam aos foros de debates, enriqueciam o currículo, e depois voltavam (inertes) para casa, quando deveriam ligar o computador nas redes sociais para transferir e ampliar as discussões na rede mundial, de forma a que mais e mais pessoas se engajassem na luta pela inclusão e pela soberania. Desta vez, ele foi mais específico e propôs formas para financiar um movimento mais articulado e sistemático para o uso da internet. Como? A utilização dos fundos dos partidos e dos sindicatos para que adquiram um maior domínio das ferramentas de comunicação como forma de se contrapor à mídia convencional.
E pediu muita atenção para a juventude, que, no seu entender, deu uma lição à velha política nas manifestações de rua por todo o Brasil, em junho último: “Não podemos continuar funcionando na forma de organização tradicional. Esses movimentos que aconteceram aqui no Brasil pegaram de surpresa todos os partidos de esquerda, todos os partidos de direita, pegaram de surpresa todo o movimento sindical e todo o movimento social — disse ele, que completou: — Nós, na verdade, estamos ficando velhos.
Lula defende que América Latina seja o farol de uma nova esquerda:
— Pelo fato de a esquerda estar enfraquecida na maioria dos países do mundo, a América Latina pode, neste momento, ser o grande farol para a nova esquerda que queremos criar para o mundo. A esquerda europeia perdeu o discurso porque ficou muito semelhante ao discurso da direita — disse o ex-presidente Lula.
A seguir, trechos do discursos destacados pelo site Rede Democrática:
No começo do discurso, usando palavras em espanhol e português, Lula ironizou o governo americano, alvo das denúncias sobre espionagem internacional feitas pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden:
— Estou preocupado. Tenho que hablar poquito e de espacio porque si no o Departamento de Estado americano está gravando ou está filmando. E isso não é uma coisa boa porque tenho que tomar cuidado — disse Lula, arrancando risadas da plateia.
Para Lula, tanto na Venezuela quanto no Paraguai, Argentina, El Salvador, Uruguai, Guatemala e Honduras, “uma grande parte da elite” não aceitou os governos de esquerda:
— Como não aceitam o Lula no Brasil, ou a Dilma no Brasil — disse Lula, creditando ao Foro de São Paulo a vitórias dos partidos de esquerda na América Latina: — Os companheiros cubanos nos ensinaram que o exercício da tolerância entre nós, a convivência pacífica da diversidade, de vários setores de esquerda, era a única possibilidade que permitia que tivéssemos avanço aqui neste continente.
O ex-presidente disse que o governo e os partidos de esquerda não devem encarar os críticos como inimigos.
— Às vezes a gente encontra um companheiro xingando a gente na rua e a gente acha que é inimigo. A gente se esquece de que nas últimas eleições ele votou na gente. Seria melhor perguntar para ele: por que agora você está bravo comigo? Por que você está protestando? Se a gente não fizer assim, não interessa chegar ao governo. Estou convencido de que nós poderemos ter um novo governo de esquerda. Respeitando cada país. Mas, sinceramente, nós temos condições de apresentar as coisas novas.
Lula afirmou que os partidos devem tomar cuidado ao chegar ao poder:
— Aqui no Brasil, nós sabemos também que um partido de esquerda que chega ao poder precisa tomar cuidado para não cometer os erros que já foram cometidos. Só tem uma coisa que garante a um partido como o meu: não perder a sua relação com o povo.
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