quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Voto Facultativo e Voto Obrigatório



Em política, nem tudo que aparenta ser é.

Fiz uma enquete neste blog sobre a opção de voto, e a maioria esmagadora (80%) opinou a favor da adoção do voto facultativo, contra o voto obrigatório que vem sendo adotado no Brasil desde 1932 (Código Eleitoral) e 1934 (Constituição). Assis Brasil foi um dos seus mais ardorosos defensores.

Um dos argumentos utilizados pelos defensores do voto facultativo é que 205 países, a maioria desenvolvidos, adotam esse modelo, e apenas 25, entre os quais o Brasil, adotam o voto obrigatório.

Essa diferença entre números de países que adotam e que não adotam o voto facultativo é sintomática e sinaliza que os novos tempos trazem o espírito do voto facultativo, ainda mais no mundo globalizado e virtual, onde a float information aguça o sentimento de liberdade em todos os sentidos, em detrimento de todos os conceitos e atos restritivos a esse processo irreversível. Mas a liberdade,quando embriaga, se transforma em prisão...

Indago a razão de haver tamanha diferença entre o número dos que adotam e dos que não adotam o voto facultativo. Por que esses países que adotam o voto obrigatório, entre os quais o Brasil, não cederam à corrente mundial quase unânime pelo voto facultativo?

Há muitas análises de cientistas políticos, sociólogos, juristas, acadêmicos, políticos, filósofos, etc. sobre esses dois modelos de votos, e, na própria Associação Brasileira de Ciência Política, da qual sou membro, há muitos adeptos dos dois modelos.

O cerne da discussão parece ser a contraposição entre o ideal e o racional. Se sou livre e vivo numa democracia,por que meu direito de votar se transforma num dever, numa obrigação? Mas, a liberdade de participar não pode se transformar numa liberdade de se omitir, quando a realidade do país (as suas grandes assimetrias econômicas e sociais) recomenda medidas tutelares do Estado, mais ou menos ao estilo hobbesiano.

O Estado intervem com a obrigatoriedade do voto para forçar a cidadania, elevar a condição dos mais frágeis. E sabemos que, no Brasil, país que ostenta o título de maior escravista do mundo, por sua história, a cidadania está muito longe daquela tipologia preconizada por T.H.Marshall e adotada pela Organização das Nações Unidas.

O voto obrigatório tem dado certo no Brasil, cuja população é um cadinho de raças, a maior civilização lusófona do mundo. O voto facultativo tenderia a abrir clivagens étnicas, sociais e políticas nesse mosaico de diversidade cultural relativamente bem sucedido. Nos Estados Unidos, onde o voto é facultativo, os negros, por condições culturais, históricas, sociais e econômicas, estão se ausentando das urnas e ensejando aos brancos que façam maior número de representantes seus no Parlamento. É um problema crescente.

Acho que essa discussão não terá fim. Se um dia vier o voto facultativo, os defensores do voto obrigatório encontrarão muitos argumentos empíricos para provar o erro da mudança do modelo. Não me cabe aqui tomar partido de fulano ou ciclano, mas farei algumas considerações  sobre os dois modelos:


1.O voto obrigatório no Brasil é um instrumento de justiça social.Ele proporciona ao eleitor do hinterlândia  e dos grotões  uma oportunidade de participação política que,com o voto facultativo, se restringiria mais aos grandes centros. Mesmo sendo impositivo, o voto garante uma democracia plural, ajudando a combater os elevados desníveis sociais e econômicos do país. O político é obrigado a ir ao interior atrás dos eleitores, mesmo que isso resulte em algumas distorções como o “coronelismo” e o “voto de cabresto”, os denominados “currais eleitorais”.

2.. O Brasil ainda vive um processo de interação social, o que seria, em Política Comparada, considerado a quarta e última etapa do processo de modernização do país.
É preciso aguardar mais um tempo pela “decantação” da sua cultura política. Com 80% da população na cidade, creio que a tendência é, nas próximas décadas, surgirem mais pressões pela adoção do voto facultativo, à medida que o país vai se institucionalizando nos grotões.

2.Há um processo de  migrações internas, decorrente da própria dinâmica de integração nacional,  que  dificultaria o mapeamento do eleitorado facultativo –um problema muito sério  que ocorre nos Estados Unidos, onde há redutos eleitorais que desaparecem em curto período de tempo, fazendo com que o  deputado (state representative) às vezes tenha dificuldades de se reeleger em decorrência da  perda de eleitorado.

3_ O Brasil tem hoje o melhor sistema eletrônico de votação do mundo, eu creio, com a ajuda do voto obrigatório.,que permite um planejamento homogêneo e consistente das votações, apesar de falhas que ainda  persistem nas urnas eletrônicas.A imprevisibilidade do voto facultativo poderia ser um problema para o sistema atual de votação e apuração dos resultados,pois os indicadores eleitorais  estariam sujeitos a mudanças de última hora, ocasionados por fatores climáticos, ambientais, psicossociais,etc.

5.De certa forma, a obrigatoriedade do voto atualmente reside unicamente na sua comprovação perante a Justiça Eleitoral e aos órgãos empregadores,porque, na prática, ao eleitor é facultado votar em branco,votar em trânsito,justificar ou  usar de recursos para anulação de seu voto. A sua quota de liberdade individual é preservada.

6. Os partidos no Brasil ainda são instáveis e o sistema representativo se ressentiria de uma queda muito grande no contingente de eleitores, como ocorreu em alguns países que adotaram o modelo facultativo (Venezuela e Holanda).A vantagem do voto facultativo é que os partidos teriam que se esforçar e se estruturar melhor para buscar os eleitores, diferentemente da forma acomodada com que se comportam hoje, ainda que subsidiados pelos fundos partidários.

Em suma, os dois modelos apresentam prós e contras, e só o tempo dirá qual o modelo ideal para o Brasil.

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