sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Que futuro,com este passado?



Adriano Benayon *

No clássico samba Chão de Estrelas, de Orestes Barbosa, o verso fala em “palhaço de perdidas ilusões”. No tango  Mano a Mano, de Carlos Gardel, este diz à que o deixa por um ricaço: “tenés el mate lleno (a cabeça cheia) de infelices ilusiones” .

2. Mais infelizes são as ilusões em que o sistema de poder concentrador enreda o nosso povo, depois de montar bombas-relógio que têm causado enormes estragos antes mesmo de detonarem.

3. Entre outras, a dívida interna federal, que atingiu, no final de 2011, R$ 2.536.065.586.017,68 (mais de dois trilhões e meio de reais), e a dívida externa, US$ 402.385.102.828,23 (mais de quatrocentos bilhões de dólares). Esta, em parte privada, acaba virando toda pública em situações como a de 1982.

4.A soma passa de três trilhões e seiscentos bilhões de reais e corresponde a 83% do PIB: o valor da produção interna de bens e serviços nos doze meses do ano.

5. Cerca de 30% dos títulos da dívida interna figuram como “em poder do Banco Central”, mas este os repassa aos bancos nas "Operações de Mercado Aberto". Aplicadores do exterior vendem dólares para comprar desses títulos.
6.O Banco Central fica com parte dos títulos para cobrir, com o rendimento, o prejuízo de R$ 100 bilhões anuais (2011), diferença entre os juros pagos pelos títulos do Tesouro  e os juros auferidos com as reservas brasileiras no exterior.

7.E a tragédia da dívida pública não está só no tamanho dela e no gasto que causa:  R$ 708 bilhões de juros e amortizações em 2011.

8.O pior é que mais de 90% provêm de juros, taxas e comissões incorporados ao principal (capitalizados), ao longo do tempo, desde antes de grande parte da dívida externa se ter convertido em interna, nos anos 80, mesmo após o Brasil ter feito enormes desembolsos em dólar.

9. Há mais.  Conforme dados da Auditoria Cidadã da Dívida, as despesas de juros e amortizações (serviço da dívida) totalizaram R$ 2 trilhões durante os mandatos de FHC (1995-2002) e R$ 4,7 trilhões, durante os de Lula (2003-2010).

10.Com as taxas de juros mais altas do mundo e a dinâmica dos juros compostos, a dívida cresce através da emissão de novos títulos em valor maior que os liquidados, porquanto os juros e encargos estipulados ultrapassam o que a União consegue saldar.

11.Nos últimos 17 anos, o serviço da dívida custou R$ 7,4 trilhões. Nos 7 anos anteriores, de 1988 a 1994, ele somou R$ 2,84 trilhões, já aproveitando o dispositivo inserido na Constituição, através de fraude, o qual privilegia o serviço da dívida no Orçamento

12.O montante da dívida não equivalia então nem a 10% do presente, mas o “governo brasileiro”, aceitando o vergonhoso Plano Baker, emitiu títulos e fez pagamentos em volume espantoso, para cobrir dívidas atrasadas e abusivamente infladas.

13.De fato, em 1989 e 1990 o serviço da dívida custou R$ 1,57 trilhão. Essa média anual, R$ 785 bilhões, em cifras atualizadas a preços de 2011, supera o custo atual, embora o principal fosse naquela época dez vezes menor que hoje .

14.O serviço da dívida, correspondendo atualmente a 45% do total das despesas federais, equivale a 
17% do PIB. Nem tudo isso é desembolsado, mas o que não o é vai elevando o montante da dívida.

15.Seria bem melhor criar moeda e crédito em bancos próprios, para investir produtivamente, que endividar-se para rolar dívidas financeiras e, de resto, nunca auditadas. Portanto, o Brasil poderia quase dobrar os investimentos (19% do PIB), chegando ao patamar dos países de maior poupança, como China, Taiwan e Coreia.

16. Imagine-se o progresso, se não se despendessem -  há mais de 35 anos - verbas absurdas com a dívida.  Mormente, se se investisse certo, em vez de subsidiar as transnacionais, como o Brasil faz há 58 anos, desde 24 de agosto de 1954.

17. Os países citados, com potencial menor que o do Brasil, tiveram resultados incomparavelmente melhores, porque fizeram investimentos estatais, com crescente autonomia tecnológica, e ajudaram as empresas nacionais, não as transnacionais. Essa política econômica levou-os a tornarem-se credores, enquanto o Brasil ficou refém da dívida.

18.Chegamos aqui à verdadeira origem da dívida. Esta resulta da acumulação dos déficits nas transações correntes com o exterior, os quais, por sua vez, decorrem das remessas oficiais e disfarçadas dos lucros que as empresas transnacionais auferem no mercado brasileiro, que lhes foi entregue a partir de 1954.

19.Além da ocupação do mercado por cartéis transnacionais, contribuíram para a explosão da dívida:
a) o financiamento externo dos investimentos na infra-estrutura e nas indústrias de base, realizados em apoio à indústria “nacional”, cada vez menos nacional;
b) os choques dos preços de petróleo (1973 e 1979), quando o Brasil era importador;
 c) a elevação dos juros em dólar pelo FED, em agosto de 1979, de menos de 10% para mais de 20% aa.

20. A desnacionalização da economia - causa primordial da dívida e da desestruturação do País - ganhou corpo a partir de 1954,  quando agentes da oligarquia, Eugênio Gudin e Otávio Gouvêa de Bulhões, assumiram o comando da política econômica.

21.Baixaram a Instrução nº 113 da SUMOC, que permitiu às transnacionais (ETNs) importar máquinas e equipamentos usados, registrando-os como se fosse investimento em moeda.Assim,  as ETNs puderam produzir a custo zero de capital e tecnologia, pois tais bens de capital estavam mais que amortizados com as vendas no exterior.

22.Evidentemente, as transnacionais não declaravam valor zero.  De 1957 a 1960, sob JK -  que manteve os subsídios e ainda lhes deu maiores facilidades – as montadoras e outras transnacionais registraram quase US$ 400 milhões (US$ 3,3 bilhões, atualizando, conforme a variação, brutalmente subestimada, do IPC dos EUA).

23. Não bastasse, as transnacionais favorecidas por aquela Instrução contabilizavam à taxa de câmbio livre o equivalente, em moeda nacional, ao investimento registrado  e convertiam lucros e repatriações de capital à taxa preferencial, quando das remessas ao exterior. Isso significava mais que dobrar o valor transferido.

24.Florescentes indústrias de capital nacional surgiram em grande número, na primeira metade do Século XX, principalmente na Era Vargas.  Depois de 1954, em vez de serem protegidas, foram prejudicadas pela política econômica.

25.Em 1964, Roberto Campos tornou-se czar da economia. Bulhões, ministro da Fazenda. Que fizeram? Pretextando combater a inflação,  em alta com a desestabilização anterior ao golpe patrocinado pelos serviços secretos estrangeiros, reduziram os investimentos, elevaram os juros e restringiram o crédito: o suficiente para eliminar do mercado grande número de empresas nacionais.

26.Costa e Silva e Médici reeditaram o falso milagre de JK, e   Geisel tentou o mesmo.  A ressaca foi ainda mais dolorida. Em 1960, o endividamento externo quase levou à  inadimplência. No final dos anos 70, ela já era inevitável e aconteceu em 1982, juntamente com a moratória do México e a da Argentina.

27.Delfim Neto, em 1969-1970, instituíra vultosos subsídios às exportações industriais, mais um maná para as transnacionais.  Em 1982, de volta ao governo,  sob Figueiredo,  mostrou-se arredio a qualquer atitude que lembrasse soberania, e desprezou a tentativa argentina de formar o cartel dos devedores.

28.Daí por diante, não cessaram as capitulações, em notável continuidade entre o governo militar e os governos instalados após a Constituição de 1988.

29.Advêm nesse ponto os colossais dispêndios com o serviço da dívida de 1989/1990, ditados pela mágica dos banqueiros mundiais: não deixar acabar a dívida externa – apesar dos vultosos pagamentos – e ainda extrair dela a dívida interna, que cresceu exponencialmente a partir dos anos 80.

30.Entretanto, a coisa não parou aí.  Num processo de retroalimentação perene: a estrutura de mercado, em poder de empresas estrangeiras, causando  déficits externos e endividamento, e este gerando ocupação ainda maior do mercado por essas empresas.

31.Isso culminou, a partir de 1990, com:
1) as  “privatizações”: entrega de estatais, de valor incalculável, em troca de títulos sem valor (moedas podres), com  desnacionalização imediata ou a médio prazo, em razão da dinâmica do modelo concentrador;

2) a desestruturação do próprio Estado, tornando-o desprovido de instituições capazes de guiar o desenvolvimento econômico e social, e fazendo-o substituir servidores comprometidos com o País por agentes externos. 

32.Com a estagnação, acentuada após a crise de 1982,  a taxa de investimento ficou baixa, e os investimentos continuaram mal direcionados. 

33. Mesmo sem crescimento econômico, os fatores do endividamento continuaram operando, até, em 1999, final do primeiro mandato de FHC, eclodir outra crise externa, ocultada até o desenlace, após a reeleição viabilizada pela corrupção para a emenda à Constituição.

34. Nos mandatos de Lula e no de Dilma, elevaram-se as taxas de crescimento do PIB, com a expansão do crédito, especialmente público, e navegando sobre preços mais altos nas exportações primárias.

35.Então se formaram bolhas e, a cada sinal de exaustão, o governo reage com pacotes que intensificam a deterioração estrutural da economia, em curso desde 1954 e agravada desde 1990. De fato, em 1970 oligopólios de transnacionais já controlavam o grosso da indústria, e depois foi quase todo o restante.

36.Os expedientes para o “crescimento” subordinam-se aos dogmas do Consenso de Washington, tais como parcerias público-privadas, nas quais o dinheiro público financia os empreendimentos e assume o risco, cabendo a gestão e lucro garantido a concentradores privados. Na mesma linha, os créditos subsidiados do BNDES às transnacionais -  e novas isenções fiscais e doações em favor destas -  refletem o estado patológico das relações de poder.

37. FHC fez desnacionalizar como ninguém, mas, segundo a Consultoria KPMG, de 2004 a junho de 2012, mais 1.167 empresas brasileiras passaram para controle estrangeiro.

38.Mais do que as fusões e aquisições, os  investimentos estrangeiros diretos (IEDs) – onde se computa também o reinvestimento de lucros -  são o principal mecanismo da desnacionalização

39.O estoque de IEDs acumulado de 1947 a 2005 montou a US$ 180 bilhões, e só os de 2006 a 2011 superam esse montante, com US$ 192,7 bilhões.
40. No mesmo período, os déficits de “serviços” e “rendas” aumentaram 114%. Somaram US$ 345,4 bilhões nesses seis anos, quantia equivalente a  93% do estoque de IEDs até 2011. 

41.Os IEDs e outras modalidades de capital estrangeiro têm equilibrado o Balanço de Pagamentos, como o uso acrescido de drogas alivia o toxicômano, i.e., agravando a doença estrutural da economia.

42.Assim, se não forem revertidas as regras que o Brasil vem obedecendo cegamente,  as transferências das transnacionais  levarão a uma crise externa incontornável, a qual, se tratada como as anteriores, fará elevar os juros e tornará a dívida pública ainda menos suportável.

43.Está presente também, em função da provável desvalorização do real, a perspectiva de avultar ainda mais a já desbragada venda  – por nada -  de empresas, títulos públicos e terras brasileiras. 

44.De fato, por imposição imperial, acatada por países submissos, o dólar continua valendo como moeda internacional, não obstante ser moeda falsa, aviltada por emissões às dezenas de trilhões, passados aos bancos da oligarquia. O Brasil entrega tudo para ficar com depósitos em dólares, fadados não só a perder valor, mas também a sumir de repente quando se desencadear a fuga de capitais.

* - Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento, editora Escrituras SP.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Reeleição e o "iceberg" do continuísmo


A campanha que o governo de Cristina Kirchner vem fazendo na Argentina pela adoção da reelegibilidade ilimitada aos cargos executivos, vista como um mau exemplo para a democracia na América Latina, por alguns setores liberais, não é tão destoante do continuísmo imperante nos países da América Latina, entre os quais o Brasil.

As elites dominantes na região dispõem de um arsenal de truques ideológicos e dispositivos eleitorais, disfarçados no pluripartidarismo, que, por si mesmos, são deletérios para os princípios da impessoalidade e do pluralismo político e para a renovação de lideranças.

O assistencialismo, a massificação do discurso político com base no populismo, as alianças partidárias entre legendas díspares em pleitos eleitorais, a formação de bases congressuais governistas com a virtual supressão da oposição, o sindicalismo pragmático, os controles orçamentário e das concessões de emissoras de rádio e televisão, e o domínio das oligarquias em quase todos os países da América do Sul e da América Central são alguns exemplos de estratégias de dominação eficazes, que garantem mecanismos de perpetuação aos donos do poder sob o manto democrático.

O instituto da reelegibilidade, instaurado no Brasil pela Emenda Constitucional n° 16/1997, alterando a redação do art.14 da Constituição e permitindo a reelegibilidade do presidente da república, vice—presidente, governador, vice-governador, e prefeito e vice-prefeito, “para um único período subsequente”, não veda a reelegibilidade para o candidato ao retorno ao cargo, depois de cumprido o referido período.

Mas, isto não é reelegibilidade ilimitada, como a consideram alguns autores. Reelegibilidade ilimitada seria a mesma pessoa reeleita por períodos subsequentes sem limites, como foi o caso do Presidente Franklin Roosevelt, que governou os Estados Unidos durante 12 anos (1933-1945), motivo para que a oposição republicana promovesse mudança na Constituição limitando a reeelegibilidade a um período subsequente e vedando o retorno da mesma pessoa ao cargo mesmo que anos depois.

Os republicanos, em 1891, trataram de impedir o continuísmo típico da forma monárquica de governo aprovando uma Constituição com sistema presidencialista no molde da Constituição dos Estados Unidos.  Mas, aquela Carta não permitia a reeleição do Presidente da República, mas respeitava o princípio federativo e admitia que, por exemplo, a constituição do Rio Grande do Sul adotasse a reelegibilidade, o que ensejou a reeleição do presidente Borges de Medeiros, positivista que presidiu o estado durante 25 anos. Esse dispositivo foi alterado, em 1923, após o Tratado de Pedras Altas.

O exemplo de continuísmo de Borges de Medeiros, típico do caudilhismo, passou a assombrar os constituintes republicanos desde então, o que não impediu que surgisse, em pleno regime militar, com o Presidente João Figueiredo (1979-1985), tentativa de alteração da Constituição permitindo-se a reelegibilidade presidencial. O então deputado José Camargo (ARENA-SP) liderou movimento nesse sentido, pelo que consta, à revelia da vontade do Presidente, mas, discretamente estimulado pelo ministro Leitão de Abreu, chefe do gabinete civil de Figueiredo.

Algumas questões semânticas são frequentes nas reflexões sobre esse tema da reeleição:

A primeira: “Reelegibilidade”. Neologismo cunhado pelo ex-governador mineiro Rondon Pacheco, significa a possibilidade de ser reeleito, e não necessariamente a reeleição, pois esta depende do crivo eleitoral. Mas, os republicanos fazem questão de considerar que “reelegibilidade” e “reeleição” têm o mesmo significado, pois acreditam que o presidente e demais executivos, com a máquina do poder, não perdem eleição (uma implícita alusão à fragilidade da democracia nos trópicos...).

A segunda, elaborada por um jurista, cujo nome me escapa à memória: Eleição (elegibilidade) tem caráter propositivo, e reeleição (reelegibilidade) caráter retrospectivo... No primeiro caso, o eleitor vota como uma proposta de confiança no executivo; no segundo caso, reafirma sua confiança por causa do desempenho satisfatório do executivo no seu mandato, permitindo-lhe dar continuidade à sua obra.

Concluindo: O "iceberg" do continuísmo é amplo e profundo.Adotar o instituto da reelegibilidade (reeleição) significa somente dar maior visibilidade à ponta do fenômeno ...

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Lula vê precedência da democracia sobre a política



Transcrevo artigo do ex-presidente Lula sobre o tema “Eleições Municipais e Políticas Públicas“, publicado pela revista “Linha Direta do PT de São Paulo”, em que afirma: “Nessas eleições, vamos discutir política, pois a política é a alma da democracia. Mas vamos também debater políticas públicas, que são instrumentos para transformar um projeto político em realidade”.

Confesso que, como cientista político, é a primeira vez que vejo alguém afirmando que a política é a alma da democracia, numa espécie de metonímia (figura gramatical), em que o continente é inferior ao conteúdo, o efeito (democracia) é gerador da causa (política). Por analogia, seria como a carroça puxando o cavalo...

Infere-se, pela afirmativa do ex-presidente, que não há democracia sem política, ou que não há esse modelo de regime de governo sem política, afirmativa acaciana, a menos que consideremos, inversamente, por absurdo, que o regime democrático, por geração espontânea, precede à instituição política e, por analogia, o mesmo raciocínio para os regimes autocráticos e totalitários.

A Política é intrínseca às relações humanas mais primitivas, não se registrando nenhum grupo social, tribo, comunidade, sociedade e civilização sem relações de poder entre seus membros. Qualquer sistema político, antes e depois do Constitucionalismo, tem a Política como variável independente e suas formas, seus sistemas e regimes como elementos heurísticos, daí o uso de terminologias como “arquitetura política” e “engenharia política”... A própria Constituição tem caráter heurístico.

Ao inverter a equação, Lula, visando ressaltar a democracia, subordina esta e os demais regimes ao humor do político (elite detentora do poder), deixando implícitas as possibilidades de alternativas não-democráticas. Contradição, intencional ou não...

Segue o texto integral do artigo:

“O PT tem princípios, projeto de poder e vontade política. A cada nova eleição, o que está em jogo para nós não é uma simples vitória partidária, mas continuidade e consolidação de um projeto político que consegue conciliar crescimento e distribuição de renda, incluir pessoas, alimentar famintos e inserir o Brasil de forma soberana no cenário internacional.

O Brasil que emergiu do projeto político do PT se configura para o mundo como alternativa à política neoliberal que foi dominante até a eclosão da crise financeira internacional, em 2008.

O princípio fundamental é não jogar para os mais pobres a conta do prejuízo causado por um capital financeiro que dominou o mundo, especulou com as economias dos países e ganhou muito dinheiro. Os pobres não lucraram com a especulação e não devem pagar por ela.

A construção de um país mais justo não é apenas o resultado de medidas tomadas pelo governo federal, mas de concepção de articulação de políticas públicas que tem como executor primeiro o município. A descentralização dos recursos da Educação, da Saúde, e dos programas de transferência de renda; a articulação das ações de infraestrutura entre os entes federativos, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); a democratização do acesso de todos os municípios a obras de infraestrutura e aos programas sociais do governo; tudo é parte do projeto petista e de seus aliados.

A conquista de prefeituras é passo importante para a consolidação de modo de governar justo, inclusivo e transparente. Por isso, é importante levamos para as ruas não simplesmente um pedido de voto. O eleitor deve entender que, com sua escolha, vai referendar um conjunto de políticas públicas que tem melhorado, e pode melhorar ainda mais, as condições de vida da população.

Nessas eleições, vamos discutir política, pois a política é a alma da democracia. Mas vamos também debater políticas publicas, que são instrumentos para transformar um projeto político em realidade.

Os governos petistas avançaram na universalização da saúde, mas um país continental como o Brasil tem de enfrentar sempre novos desafios. O momento eleitoral é ideal para analisar o passado e aprimorar o que fizemos. É a ocasião em que todas as forças da sociedade se mobilizam num grande e democrático debate nacional.”

FONTE: escrito por Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República e presidente de honra do PT.Texto publicado originalmente na revista “Linha Direta do PT de São Paulo” e transcrito no portal do PT

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Eleições revelarão donos do poder no Brasil para próximas décadas


Com o início, nesta terça-feira, dia 21 de agosto, da transmissão da propaganda eleitoral gratuita pelas emissoras de rádio e televisão, os candidatos às eleições municipais de outubro ganharão maior visibilidade e mostrarão o potencial verdadeiro dos partidos, não somente para esse pleito, mas para as eleições presidenciais de 2014.

Dentre os 135,8 milhões de eleitores brasileiros, os mais de 200 mil eleitores residentes no exterior poderão acompanhar pela internet e suas redes sociais os programas, ou gravações dos mesmos em vídeos, o que mostra o poder da comunicação global em relação aos processos políticos em todos os países, onde é garantida a liberdade de expressão.

No Brasil, a justiça eleitoral baixou normas regulamentadoras da participação de 448.495 candidatos a 57 mil vagas de vereador, 15.443 candidatos a 5.563 prefeituras, 15.701 candidatos a vice-prefeito (registros do Tribunal Superior Eleitoral, com base nos pedidos efetuados pelos partidos), e dos mais de 80 milhões de internautas estimados, assegurando a liberdade de expressão e procurando coibir abusos de ambas as partes.

Creio que a fiscalização, embora complexe, não será difícil, inclusive na utilização das urnas eletrônicas e na fiscalização na apuração dos votos, porque não há nada na legislação que esteja fora do alcance dos programas de monitoramento da internet montados sob orientação do Tribunal Superior Eleitoral.

Bizarrices à parte na propaganda eleitoral, ela é, sem dúvida, o mais completo e fascinante retrato sem retoques da sociedade brasileira, produto da cultura política de um país detentor de imensos recursos naturais e cheio de contrastes políticos, econômicos e sociais, aparados pela unidade linguística quase que miraculosa, diante da miscigenação, das idiossincrasias regionais e da influência (positiva ou negativa) cultural exercida sobre o Brasil por potências capitalistas, empresas transnacionais e centros internacionais de poder: Influência ampliada pela globalização.

Uma questão que se coloca? Em quais aspectos os resultados das eleições municipais servirão de referência para as eleições presidenciais de 2014?

Penso que, basicamente, em dois aspectos, embora outros pudessem ser identificados (por exemplos,o agravamento da crise  financeira internacional provocando desdobramentos indesejáveis no âmago da população para os atuais detentores do poder, com  eventual emergência de uma força de oposição capaz de alterar as  condições de governabilidade ou até as opções de alternância do poder).

O primeiro diz respeito ao poder em si. Evidente que os partidos que mais conquistarem prefeituras e cadeiras, solidificando e ampliando suas bases, terão maior potencial eleitoral para disputar vagas para a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e a presidência da república em 2014, perfilando-se para a sua permanência no poder nas próximas décadas.

O segundo aspecto desta eleição municipal diz respeito a uma provável renovação dos quadros políticos brasileiros, com a revelação de novos talentos e novas lideranças nacionais e regionais, ainda que já se mencionem, em recentes pesquisas, os altos índices de aceitação de Lula (69,8%) e Dilma (59%) junto à opinião pública, muito à frente de lideranças como Eduardo Campos, atual governador de Pernambuco, e Aécio Neves, senador de Minas Gerais.

De concreto, nessas pesquisas, pode ser considerada a tendência irreversível de crescimento do Partido Socialista Brasileiro - PSB-, de Eduardo Campos, talvez como opção confiável para a alternância de poder, ao lado do PT, PSDB e PMDB.

Mas, o imponderável em política não pode ser desprezado, principalmente diante da velocidade crescente com que as transformações no país e no mundo vêm ocorrendo. As mudanças previstas pelo calendário maia até 21 de dezembro de 2012 são interpretadas com exagero, a ponto de se falar em fim do mundo... Mas, é certo também que, até 2014, muita água passará sob a ponte...

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Mensalão e corrupção


Adriano Benayon * 

Os principais jornais, revistas e  TVs, sempre alinhados com os interesses imperiais,  dão grande destaque ao julgamento, no Supremo Tribunal Federal, do mensalão, levado adiante nas instâncias do Estado, porque atinge principalmente José Dirceu, um líder centralizador de poder, e tido por ser de esquerda.  Além disso, pode abalar a popularidade de Lula.

2. Em todo o mundo, os oligarcas estrangeiros e seus agentes e laranjas locais tratam de minar quaisquer lideranças que aspirem a voos próprios e se tornem, assim, menos dependentes dos dinheiros daqueles.

3. O sistema de poder mundial trata de fazer alternar no Executivo partidos que cumpram suas determinações. No Brasil, conquanto tenha como agentes preferenciais o PSDB e aliados, a oligarquia anglo-americana -  para dar espaço a Lula – se valera, em 1994, das fraudes que alijaram Brizola do segundo turno.

4. E ela não fez virar a mesa, quando, em 2002, Lula derrotou o candidato de FHC,  desgastadíssimo pelos efeitos sobre a  população dos desastres causados pelo governo do PSDB.  Lula foi logo anunciando nomeações de agentes da oligarquia, como Meirelles para presidir o Banco Centra,l e Marina Silva, ministra do Meio-Ambiente.

5. Por outro lado, embora o PSDB não seja palatável para a maioria dos eleitores, a oligarquia conta com o tempo decorrido desde 2002 e com a amnésia ministrada pela grande mídia para fazer esquecer a devastação tucana.

6. E, para ajudar nisso, nada melhor que expor a responsabilidade do PT num grande esquema de corrupção, não  porque o PT não esteja atendendo os interesses do poder mundial,  mas porque os concentradores preferem manter viva sua alternativa mais segura, o PSDB.

7. Ademais, a corrupção está entre os temas que têm suscitado maior preocupação ao povo brasileiro, e não apenas no seio da classe média, tradicionalmente moralista.

8. Alguns blogs independentes ou patrocinados pelo atual governo lembraram que os tucanos cometeram, nos oito anos de FHC, atos de corrupção causadores  de danos muito mais profundos para o País, e nisso esses blogs têm razão.

9. Falta, porém, razão aos que negam o mensalão. Mais relevante que isso: deixam de observar que a corrupção do mensalão comprou parlamentares de partidos menores, não para aprovar propostas favoráveis à sociedade brasileira, mas para aprovar emendas constitucionais e leis que deram continuidade à agenda do império, a do Consenso de Washington e do FMI.

10. Isso parece até contraditório, já que, para esse tipo de coisa, o PT poderia ter o apoio da “oposição”, PSDB, DEM, PPS e outros, fieis à agenda entreguista, embora houvesse a possibilidade de se oporem, como fez o PT, no período FHC, sabendo que ela seria adotada de qualquer modo.

11. Mais que isso: o PT julgou necessário garantir maioria estável no Congresso, ameaçada pela flutuação dos votos de grande parte dos parlamentares do PMDB e de outros partidos cujo apoio depende de cargos e vantagens.

12. De qualquer forma, o mensalão não passa de um caso da corrupção de varejo. Mas esse teve grande repercussão, ao contrário do mensalão tucano em Minas Gerais e da ainda mais grave compra de deputados para votarem a favor da emenda constitucional que permitiu a reeleição de FHC.

13. E que dizer dos casos de mega-corrupção tucana com as privatizações,  evasão de divisas no escândalo do BANESTADO etc.?

14. O que o povo brasileiro precisa saber, para agir em consequência, é que a corrupção no País é sistêmica. Que quer dizer isso? Que ela decorre da estrutura econômica, social e política existente.

15. E o que caracteriza essa estrutura? A concentração da propriedade dos meios de produção em mãos de grupos econômicos, hoje, basicamente estrangeiros ou desnacionalizados.

16. Provém desses grupos a corrupção ativa, os abusos do poder sobre o mercado, as fraudes em prejuízo dos consumidores e outras formas de corrupção. Corrompem não só políticos e agentes públicos, mas gente do setor privado dentro desses próprios grupos e em outras empresas.

17. Tudo isso resulta no empobrecimento da grande maioria dos brasileiros, apesar de o País ser extremamente rico em terras férteis, água, minérios preciosos e estratégicos.

18. Passa, em geral, despercebido  que a corrupção no setor público parte, amiúde, do setor privado. Concorre para essa falta de percepção a atitude seletiva da grande mídia, a qual  enfatiza a corrupção no âmbito do Estado. Embora aponte também casos com empresários no pólo ativo da corrupção, trata de acobertar grandes transnacionais e bancos.

19. O aspecto social da estrutura econômica mostra-se na concentração da renda, com 60% da população sem renda ou ganhando menos de dois salários mínimos. O quadro é tão deplorável, que os “especialistas” da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República definem como de classe média as famílias com renda, por pessoa, entre R$ 291 e R$ 1.019 mensais.

20. Do outro lado, são colossais os ganhos das transnacionais e dos bancos, que comandam a economia e a política. As transferências das transnacionais ao exterior descapitalizam o País de forma aguda, inviabilizando que os ganhos do mercado sejam reinvestidos na economia produtiva. 

21. Até mesmo os brasileiros ricos, que têm muito menos poder e incluem servidores oficiais e extra-oficiais dos concentradores, já detinham, no final de 2010, recursos financeiros em paraísos fiscais no exterior de US$ 520  bilhões.

22. Claro está que os partidos políticos e os resultados das eleições são controlados pelos grupos concentradores, os quais determinam, ademais, o acesso das pessoas aos meios de comunicação e o que, através destes, se “informa” e desinforma aos cidadãos.

23. É de concluir, pois, que a estrutura política é incompatível com o Estado democrático de direito e decorre da estrutura econômica concentrada e desnacionalizada.

24. As normas democráticas da Constituição permaneceram letra morta, como a que limita os juros reais a 12% aa., enquanto as favoráveis aos concentradores são rigorosamente aplicadas e foram acrescidas das reformas de FHC, instituídas conforme as receitas do Consenso de Washington, FMI e  Banco Mundial e mantidas e prorrogadas nos governos petistas.

25. Deveria também ser conhecido de todos que a Constituição de 1988 foi fraudada para privilegiar o “serviço da dívida” no Orçamento Federal e realizar descomunal sangria, que já passa de R$ 7 trilhões,  esvaziando do País os seus recursos.

26. Ninguém, entre os constituintes, reparou na fraude. Será? Se alguém notou, fingiu que não notou. Nem o  relator nem o presidente da Assembléia Constituinte, nem seus assessores, nem líder de partido algum.

27. O estelionato foi cometido através de requerimento de fusão de emendas  de redação aos atuais artigos 165/167, inserindo no 166 o dispositivo fraudulentamente acrescentado ao texto aprovado no primeiro turno, ao submetê-lo para aprovação em segundo turno.

28. Na página do requerimento em que o texto foi adulterado, está a rubrica de Nelson Jobim, agora nomeado por Sarney, presidente do Senado, para liderar o grupo de “notáveis” que elabora revisão do pacto federativo. Constituição cidadã? Não, demagogia!  

29. A concentração e a desnacionalização da economia intensificaram-se desde 1954, e, desde 1988, esse processo acelerou-se.  Daí vem a inviabilidade de ser praticado no País qualquer sistema de governo democrático.

30.  Está arraigada, nas universidades e nos demais meios de comunicação social a falsa ideia de que pluralismo de partidos, “liberdade” de imprensa e de informação e eleições periódicas são suficientes para caracterizar a democracia.

31. Que essas condições não garantem democracia alguma está sendo mais percebido nos países “desenvolvidos” abalados pelo colapso financeiro e pela depressão (recessão é eufemismo, mal fundamentado através da manipulação de dados estatísticos).

32. Naquelas “democracias”, como no Brasil,  os partidos e as eleições são controlados pelos concentradores financeiros “privados”, os grandes bancos e transnacionais, que são de propriedade privada, mas exercem poder público.

33. Isso está na raiz dos colapsos econômicos e não só impediu de moderar a natural tendência à concentração do sistema capitalista, mas a agravou através da legislação e da política econômica.

34. Desde a crise de 2007, os concentradores privados ganharam recursos e vantagens governamentais da ordem de US$ 30 trilhões, enquanto as condições sociais se agravavam.

35. Portanto, é a oligarquia financeira que origina a corrupção sistêmica e dela se beneficia. Ademais as “formas democráticas” não evitaram sequer que fosse instituído nos EUA o Estado policial, principalmente a partir do golpe de 11 setembro de 2001.

36. Só os menos informados ignoram ter havido, nesse dia, um golpe da oligarquia para facilitar novas guerras e agressões imperiais e eliminar as garantias constitucionais, a pretexto de combater um terrorismo inexistente ou facilmente contível.

37. A “democracia” brasileira  é calcada nesses modelos nada exemplares, e a iniquidade social é maior que nos países “desenvolvidos”. E, como se isso tudo não bastasse,  há, ainda,  a urna eletrônica sem a possibilidade de conferir o voto.
38. Mas como erguer um sistema realmente democrático, com maior espaço para a democracia direta e capaz de assegurar que  a democracia representativa não mais seja a farsa que tem sido?

39. Como instituir sistema democrático sem transformação profunda na estrutura econômica e social? Ou será que teríamos de, antes, transformar as instituições políticas subordinadas aos concentradores da estrutura econômica?

42. Que fazer, então, diante do fato de que não há como sequer modificar superficialmente essas instituições enquanto elas estiverem de pé?

* - Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento, editora Escrituras, SP.