No momento em que o ministro da
Fazenda, Guido Mantega, verdadeira encarnação de primeiro-ministro e o líder eficaz
da economia dos governos Lula e Dilma, anuncia que o Brasil será a quinta
economia mundial antes de 2015, superando a França, com base em indicadores do
Fundo Monetário Internacional, volta a questão da reforma do Estado brasileiro.
O assunto é muito debatido, mas
as conclusões aproveitadas são escassas. A modernização do Estado no Brasil
passa pela reformulação dos processos de gerenciamento do aparato
administrativo e dos seus quadros funcionais, sem o que a condição de
desenvolvimento do País e sua projeção no contexto mundial, como protagonista
político e econômico, seriam inviáveis.
Será mesmo necessário redefinir o
tamanho do Estado brasileiro e partir para a sua reestruturação geral, ou o que
há, em todas as expressões do Poder Nacional (Política, Econômica,
Psicossocial, Militar e Científica e Tecnológica), já é de bom tamanho?
Estarão, na atualidade,
preservados os Objetivos Nacionais Permanentes, que devem nortear o
desenvolvimento integral (e não apenas crescimentos setoriais) do Brasil:
Democracia, Soberania, Paz Social, Integração Nacional e Integridade do
Patrimônio Nacional?
Reformar o Estado seria uma
estratégia de ajuste aos interesses globais do capitalismo neoliberal, ou o
ente estatal, por si só, é mutante à revelia dos planejadores e teleologistas, que não teriam poder além de
apenas tentar acompanhar sua
“metamorfose ambulante” (expressão que tomo emprestada do cantor Raul Seixas)?
Uma reforma política sistêmica; a
recuperação do setor industrial e expansão do setor terciário (serviços); a
redução das desigualdades sociais e ampliação da cidadania; o fortalecimento e
a modernização das Forças Aramadas e maiores investimentos na ciência e na
tecnologia, em especial a digital, são algumas das medidas sempre mencionadas,
quando se fala das vulnerabilidades do Brasil como Estado.
O Governo Fernando Henrique
Cardoso criou,em 1995, o Ministério da Administração e Reforma do Estado-MARE-,
cujo objetivo foi uma reforma gerencial do Estado. Ele foi extinto em 1999 e
suas atribuições foram absorvidas pelo atual Ministério do Planejamento. O MARE
teve quatro titulares, sendo o principal o ministro Luís Carlos Bresser
Pereira.
Inspirada nos modelos de reforma
empreendidos na Inglaterra e nos Estados Unidos, o Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado de então adotou forte viés de reformas voltadas para o
mercado, de acordo com os ventos do Neoliberalismo e as diretivas do “Consenso
de Washington”.
Alguns analistas acreditam que a
tentativa do Governo de Fernando Henrique gerou bons resultados, mas, e hoje,
quando impera a racionalidade do capital, que levou ao empobrecimento de vários
países que optaram abertamente pelo modelo neoliberal de globalização,
tornando-se exceção os “tigres asiáticos” que adotaram o Minarquismo (Hong-Kong,
Cingapura, Malásia, etc.).
Quando leio que uma empresa de consultoria
de Cingapura foi contratada pelo governador do Distrito Federal, Agnelo
Queiroz, para elaborar o planejamento urbano do Distrito Federal, no horizonte
de 2050, indago se não se trata de um mero surto de soberba, uma jogada de
efeito político ou apologia do Minarquismo no coração político de um país que
tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, sem a correspondente
contrapartida em bem-estar social...
Com 36 ministérios, atualmente, 123
empresas estatais, no âmbito da administração federal direta, além de
sociedades de economia mista, autarquias e fundações, na administração indireta,
o Brasil tem cerca dois milhões de servidores públicos federais, segundo dados
do Ministério do Planejamento. Dentre os 2,01 milhões de servidores federais, a maioria, 91%, é do
poder executivo, e os demais 9% são dos poderes Legislativo e judiciário,
demonstrando uma concentração significativa dos servidores federais no Poder Executivo.
É expressivo o gigantismo do Estado brasileiro,
em contraponto com a economia informal, conforme pesquisa divulgada neste ano
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada- IPEA-. O emprego público
representa, segundo apurou esse órgão, nada menos que 21% das ocupações formais
no Brasil. Para um país com a população em torno de 193 milhões de habitantes,
8,2 milhões compõem esse percentual apontado, número que contrasta com a
estrutura desigual da distribuição de renda, da informalidade e da pobreza.
Dos 8,2 milhões, 7,5 milhões são
funcionários do Poder Executivo. O milhão restante é distribuído entre os dois
outros poderes, o Legislativo e o Judiciário. De acordo com o IPEA, está no
Sudeste o maior número de funcionários, 3,207 milhões; 2,298 milhões no
Nordeste; 1,030 no Sul; 944 mil no Centro-Oeste; e 794 mil no Norte.
A pesquisa, denominada “Presença do
Estado no Brasil: Federação, Suas Unidades e Municipalidades”, traça um cenário
em que atuam as três esferas de governo pelo Brasil em temas como previdência,
assistência social, saúde, educação, trabalho, bancos, infraestrutura,
segurança e cultura.
Estimativas mais recentes e
extraoficiais apontam que o total de servidores (federais, estaduais e
municipais) já chega a 9,83 milhões, dos quais 34 % são inativos e
pensionistas.
Somadas as estruturas das
administrações federal, estadual e municipal e seus servidores, o Estado geral
e a sua burocracia tornam-se base concreta e insubstituível de sustentação do
crescimento do mercado, sendo esse o principal atrativo de investimentos
externos, embora o Brasil esteja vergonhosamente situado em 160º lugar entre os
países que oferecem melhores condições de crescimento econômico, segundo
especialistas. Essa posição aponta, em tese, para a necessidade de reforma do
Estado e levanta as questões supramencionadas no início deste artigo, ainda
mais quando se analisa a China e a índia.
No ano passado, a revista
“´Época” publicou notável reportagem constatando que, no Brasil, prevalece o
capitalismo de Estado. De acordo com o levantamento, existem hoje no País pelo
menos 675 empresas de todos os setores com algum tipo de participação ou
influência do governo federal. São participações diretas ou indiretas do
Tesouro, dos bancos e das empresas estatais ou dos fundos de pensão (entidades
híbridas, inegavelmente na órbita do governo). Dessas o governo controla 276,
se somados todos os tipos de participação. Levando em conta apenas as 628
empresas não financeiras, o faturamento soma algo como 30% do Produto Interno
Bruto (PIB). Nas 247 empresas não financeiras controladas pelo governo, as
vendas somam perto de 13% do PIB.
O controle e a fiscalização - com
focos na eficiência dos órgãos, no combate à corrupção e na transparência dos
gastos para a sociedade - são basicamente sustentados por três mecanismos
operacionais.
Essa massa de recursos
financeiros é apurada, em termos de liquidez e créditos de qualquer natureza,
pela Procuradoria-Geral da República, que tem a competência para exercer a
representação judicial, extrajudicial, a consultoria e assessoramento jurídicos
de 155 autarquias e fundações públicas federais. O órgão tem competência também
para inscrevê-las em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial.
O Tribunal de Contas da União
–TCU- é o órgão encarregado da fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial da União e das Administrações, quanto à legalidade,
legitimidade e economicidade.
Outro dispositivo de controle dos
recursos públicos, por iniciativa dos cidadãos, é a Lei de Acesso à Informação
(Lei 12.527/2011), que, além dos órgãos da Administração Direta e Indireta, se
estende às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos
diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais e outros instrumentos.
Cabe, no entanto, destacar as
Comissões Parlamentares de Inquérito –CPIs- como mecanismos de fiscalização à
disposição do Congresso Nacional, em especial para o controle democrático do
processo político e das coisas de interesse público, assim como para
contrabalançar a força do Poder Executivo
como responsável principal pelo Orçamento.
Mesmo esses instrumentos não têm
impedido que o Brasil registre casos rumorosos de corrupção em quase todos os
seus governos, transitando entre o fisiologismo político e a cleptocracia, que
sociólogos e cientistas políticos associam a raízes culturais e práticas
elitistas do poder (coronelismo,
patrimonialismo,cartorialismo,clientelismo,caudilhismo,etc.) fincadas na vinda da Família
Real, à frente Dom João VI, em 1808, evento que motivou a frase do jurista,
politólogo e senador Afonso Arinos de Mello Franco: “O Estado antecedeu à
formação da sociedade no Brasil.”
Dom João VI construiu a Ordem, na concepção do
sociólogo, historiador e cientista político José Murilo de Carvalho, mas coube
também a José Bonifácio de Andrada e Silva, o “Patriarca da
Independência”, o reconhecimento de
alguns biógrafos como o “fundador do Estado brasileiro”, com direito a busto de
bronze em Nova Iorque (no Bryant Park, em Manhattan).
Dom João VI, José Bonifácio, Dom
Pedro I, Dom Pedro II, Getúlio Vargas, figuras notáveis, lançaram as bases de
um Brasil com DNA estatista, que hoje caminha para a posição de quinta economia
mundial, mas ainda atrelado economicamente ao setor primário. O setor
industrial, como observa Fábio Konder Comparato, nunca se sensibilizou com o
aperfeiçoamento do serviço público, e o setor financeiro muito menos, pois quer
lucros rápidos.
Quem patrocinaria o
aperfeiçoamento do serviço público brasileiro, senão o exercício da soberania
popular, a maior participação política dos cidadãos, ávidos pelo
desenvolvimento do Brasil com a melhoria das condições de vida da população?
Conforme observa o jurista Dalmo
de Abreu Dallari:
“Aí estão os pressupostos fundamentais do Estado
Democrático possíveis. Dotando-se o Estado de uma organização flexível, que
assegure a permanente supremacia da vontade popular, buscando-se a preservação
da igualdade de possibilidades, com liberdade, a democracia deixa de ser um
ideal utópico para se converter na expressão concreta de uma ordem social justa.”
(Teoria Geral do Estado, 1995).
Jovens brasileiros começam a se
interessar pelo serviço público e se preparam para disputar empregos, dentro
dos princípios da meritocracia, não apenas nos poderes Legislativo e Judiciário,
mas também no Executivo, nos Estados e nos Municípios. Atestam esse interesse
crescente pelo serviço público, que oferece estabilidade e boa remuneração, o
número de vagas oferecidas pelo governo
federal (mais de 300 mil) e de pessoas que estudam para os concursos em todo o
País (cerca de cinco milhões), segundo dados publicados na internet.
Brasília consolida-se,
irreversivelmente, como capital da república, lócus da política e uma das grandes metrópoles brasileiras,
transformando-se em polo irradiador de desenvolvimento, principalmente para a
região mediterrânea. Cumpre, assim, seu papel de interiorização do
desenvolvimento, conforme a visão antecipada de José Bonifácio, que defendia a
transferência da capital do litoral para o interior, a denominada “Brasílis”, que o Presidente Juscelino
Kubitscheck transformou em Brasília.
São Paulo segue liderando a
federação, como locomotiva do desenvolvimento, e adequa-se muito bem à presença
do Estado na economia; o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul
travam uma disputa silenciosa pela vice-liderança, enquanto os estados do Norte,
Nordeste e Centro-Oeste se transformam em atores decisivos no jogo da decisão
política, em especial na garantia da governabilidade.Mas, ninguém fala em diminuir o tamanho do Estado.
O processo do “Mensalão’ serviu
para comprovar o vigor das instituições jurídicas brasileiras. Bobbio afirma
que pode haver Direito sem Democracia, mas não há Democracia sem Direito...E o
que tem isso em comum com o debate sobre o Estado? Muito, no momento em que a
globalização e a tecnologia virtual colocam em cheque a própria identidade dos
Estados Nacionais.
O denominado “crime organizado”,
que se infiltra nos aparatos estatais de muitos países, conquistando cargos e constituindo “Estados
bandidos”, através da formação dos seus próprios quadros, desde os primeiros
bancos escolares até os cursos superiores, é gerador de focos de corrupção e
requer atenção redobrada dos juristas, políticos e legisladores, com vistas a
escoimar sua influência deletéria às instituições democráticas.