Por
FC Leite Filho, de Paris*
O
governo caiu,depois de menos de cinco meses de
existência. Não, não estamos falando da IV República (1947-1958), quando a
queda de 25 gabinetes provocou o golpe branco do general Charles De Gaulle. Herói
da guerra e refratário ao domínio da Inglaterra e Estados Unidos, De Gaulle
restaurou a dignidade, a soberania e a grandeur da França. Estamos falando dos
últimos governos, de esquerda ou de direita, que sucederam o grand général, a
partir de 1969, quando uma derrota plebiscitária levou-o à renúncia, em 1969.
Pode-se
dizer que De Gaulle morreu de desgosto um ano e meio depois da renúncia de 28
de abril de 1969, aos 80 anos, mas ninguém pode negar que a França começou a
desandar a partir de então. Governos fracos, patrocinados, inclusive os de
gauche, pelas velhas oligarquias, aderiram sem o menor pejo ao mais sauvagedos
neoliberalismos. Privatizaram quase tudo e submeteram o país à hegemonia não
mais apenas dos Estados Unidos, mas da Alemanha e do Banco Central Europeu.
O
resultado foi o desemprego que não para de crescer, o crescimento negativo e,
agora, a deflação. Esta segunda-feira, 25 de agosto, também marcou o fim do
verão e a rentrée, a célebre volta das férias para a dura realidade do
cotidiano. Os franceses, conhecidos mundialmente pelo seu mau humor, logicamente,
não gostaram do que viram e, sem muita opção, passaram a relembrar os tempos
gaullistas. Brigitte Bardot, símbolo sexy e rebelde da época, ardente
admiradora do général, vira capa de revista, um mês antes de completar 80 anos.
Neste ano, também se comemoram os 70 anos da libertação de Paris das garras de
Hitler, a primeira grande façanha do velho soldado.
Mas,
como nem sempre de nostalgia vive um povo, os franceses começam a cogitar de um
homem forte para governá-los, quem sabe um tipo Putin, o ex-agente da KGB, que
restaurou a Rússia da debâcle que a levou o fim do comunismo, em 1989. Putin,
no momento, reconstitui a influência de seu país, não mais como império, mas
como parte de um bloco de poder, junto com a China e os BRICS (Brasil incluído), para fazer face à
dominação americana e européia.
A
ideia inclusive partiu de um membro da aristocracia, Phillippe de Villiers,
político e empresário, depois de uma entrevista com Vladimir Putin, na Crimeia,
quando afirmou: “A gente está precisando de um tipo como o Putin, no lugar de
Hollande”. A mídia francesa, compreensivelmente, recebeu com estupor a
declaração de Villiers, numa entrevista ao jornal conservador Le Figaro. De
todas maneiras, Phillippe de Villiers não é um qualquer e suas posições coincidem
com o atual espírito nacional de procurar uma solução para o país fora da velha
política. Ele é líder do partido nacionalista Movimento pela França, pelo qual
já concorreu duas vezes à presidência e dirige o parque de diversões temáticos
de história Puy du Fou, que agora exporta para a Rússia.
Atualmente,
o receio maior é que a França entre na mesma depressão da Grécia, Portugal e
ultimamente a Itália, nações sufocadas pelas políticas fiscais ditadas pela
Alemanha, através do Banco Central Europeu, instrumento dominado não pelos 28
países da União Europeia, mas pelos grandes bancos privados e o FMI. Tais
políticas já custaram a esses países a diminuição dos salários, a revogação dos
planos sociais e os despejos maciços por causa da bolha imobiliária, enquanto o
desemprego se situa acima de 25%.
O
descontentamento aumentou depois da guinada do presidente socialista para a
direita. Quando foi eleito, em maio de 2012 com uma mensagem em favor da
produção e do emprego, François Miterrand despertou algum entusiasmo quanto ao
futuro. Dois anos deste novo governo de gauche, após cinco anos da ( direitala
droite), de Nicholas Sarcozy, porém, os franceses se sentiram decepcionados,
por terem comprado gato por lebre. Hollande, apesar de suas boas intenções e de
ter tentado uma política social mais ampla, foi sufocado pelo sistema de
mercados que lhe fizeram engolir um homem de sua confiança para chefiar o
governo.
Trata-se
de Manuel Valls, membro da ala direita do PS e provável candidato à presidência
em 2017. Bem falante, autoritário e ex-diretor de comunicação do PS, Valls é um
espanhol de alta linhagem (filho de um grande pintor de Barcelona e de mãe
suiça, neta de banqueiros, que mudou-se para Paris aos 17 anos, idade com a
qual ingressou no partido. Dizendo-se social liberal, o que nos lembra os
Democratas brasileiros, envergonhados de se declararem de direita, ele prega
uma política fiscal parecida com a adotada pelo tecnocrata banqueiro Mário
Monti, na Itália.
Com
o apoio generalizado da mídia e do poder econômico, Manuel Valls, de 52 anos,
tem massacrado os socialistas mais coerentes que pedem uma linha mais
socialista e menos mercadista. Ele foi aliás o grande vencedor da disputa com
os chamados frondeurs (rebeldes), quando anunciou a demissão coletiva do
gabinete, no dia 26. Com isso, livrou-se de seu principal rival, o ministro da
Economia, Arnaud Montebourgh, líder dos rebeldes, e outros três ministros
inclusive um do partido verde, impondo no seu lugar um ex-banqueiro da casa de
Rotschilde, Emmanuel Macron, de apenas 36 anos de idade. Num encontro com
empresários, neste domingo, Manuel Valls, já confirmado como primeiro ministro
do novo governo, parecia se sentir em casa naquele evento de negócios: “A
França precisa dos empresários e eu amo as empresas, eu amo as empresas
(repetido)”, disse ele em tom de desafio.
A
busca por um novo De Gaulle ou um tipo Putin parece difícil nas atuais
circunstâncias, dada a pobreza das lideranças francesas, um mal que invade todo
o velho continente. A esquerda dita mais coerente tem apresentado algumas
opções, como Jean-Luc Mélenchon, ex-ministro da Educação de Lionel Jospin. Ele
brigou com o PS e formou o Partido de Esquerda, pelo qual concorreu a
presidência, ficando em quarto lugar, com 11% dos votos, em 2012. Mas os
franceses temem que, eleito, Mélenchon dê marcha-à-ré, como o fizeram
Mitterand, Jospin e agora François Hollande. Talvez Dominique de Villepin, de
61 anos, grande chanceler de Jacques Chirac, um dos últimos gaullistas
autênticos corresponda ao anseio nacionalista. Admirador confesso de Napoleão,
sobre quem escreveu um livro biográfico, em que o considera o vencedor moral da
Batalha de Waterloo, a qual “resplandece com uma aura digna da vitória”.
Diplomata
de carreira, Villepin, contudo, não tem conseguido se impor na volátil política
francesa, tendo sido derrotado pelo furacão Sarkozy entre os gaullistas
oficiais, em 2007. Tampouco obteve apoio suficiente para candidatar-se pelo
partido que criou, o Movimento República Solidária. Seu nome continua, no entanto
a correr a França e o mundo. Seu discurso na ONU, em 2003 se opondo à invasão do Iraque, pelos
Estados Unidos, tornou-se uma das peças oratórias que marcaram os primeiros dez
anos do século 2000, a ponto de ter aumentado o interesse pela língua francesa
em muitos países (reprodução no Youtube). Villepin foi também premier de
Chirac, quando apresentou algumas inovações como o programa de primeiro
emprego, depois boicotado por Nicolás Sarkozy, então ministro todo poderoso do
interior. Como a política dá muitas voltas, nunca se sabe, sobretudo se os
políticos de ocasião continuarem a empurrar a França par o abismo (O autor esteve em Paris entre os dias 21 e
27 de agosto de 2014).
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