sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Complementariedade econômica é chave para superação da crise

Já classificado como sexta economia mundial, pelo Centro de Economia e Pesquisa de Negócios - CEBR, em inglês-, o Brasil deverá ocupar a mesma posição em 2020, ultrapassando a França e a Alemanha, mas sendo ultrapassado pela Rússia e Índia, atualmente em nona e décima colocações.
O mesmo órgão projeta a seguinte classificação por Produto Interno Bruto - PIB-: Estados Unidos - 21,278 trilhões de dólares; China - 17,888 trilhões; Japão - 7,630 trilhões; Rússia - 4,584 trilhões; Índia – 4,501 trilhões, e Brasil – 4,262 trilhões.
A gangorra da economia mundial começa a pender para os produtores de alimentos e matérias-primas, como o Brasil, muito beneficiado pelo crescimento da economia da China e suas importações.
 Mas, a desindustrialização é um fantasma que assusta o Brasil, por causa da elevada carga tributária, que tira a competitividade dos produtos brasileiros, segundo avaliação de um dos principais empresários brasileiros, Jorge Gerdau Johannpeter.
O Brasil vem atraindo investimentos globais de grande porte, que totalizaram 65 bilhões de dólares em 2011(informação do Banco Central); há um evidente interesse dos governos europeus pelo fortalecimento das suas relações com o país, e as riquezas naturais brasileiras começam a ser alvo da cobiça das maiores empresas do mundo. Os chineses e japoneses continuam em febril demanda de terras nas regiões norte e centro-oeste.
A chanceler Angela Merkel, da Alemanha, deu insólita entrevista concitando os países da América Latina, que vivem essa boa fase, a participar mais ativamente da solução dos problemas globais, entre os quais o endividamento dos países europeus, enquanto a Espanha anuncia um déficit para este ano de 8% no Produto Interno Bruto.
Em Washington, o Tesouro dos Estados Unidos avisa o Presidente Barack Obama que o limite de endividamento do país, 15,2 trilhões de dólares, será alcançado nos primeiros dias de janeiro. Obama pedirá incremento de 1,2 trilhões ao Congresso, para evitar cair em moratória e levar tranquilidade aos mercados.
Há um ponto de estabilidade em toda gangorra, e, no atual quadro mundial, esse ponto é o equilíbrio, a complementariedade  entre as economias. Países europeus detentores de tecnologia avançada em determinadores setores e países (como o Brasil) com muitos recursos naturais têm condições de se unir em busca de uma cooperação efetiva para o desenvolvimento econômico não apenas bilateral, mas das nações mais pobres. Seriam operações triangulares envolvendo até organismos internacionais.
Ou o mundo entende que a cooperação competitiva é melhor do que a guerra econômica e tecnológica, ou a gangorra reterá no alto os países que não perceberem a regra. Em se tratando de gangorra, o poder está com aquele que tem os pés no chão...




quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Espírito de Jung-gun garante poder militar na Coréia do Norte

Os funerais do presidente da Coréia do Norte, Kim-Jong-il, traduzem um responsório, se forem autênticas as imagens das lágrimas vertidas e das expressões de dor do povo pela perda do seu líder. Rituais de velório e sepultamento que deixariam perplexo Fustel de Coulanges, o mestre da análise do culto e da divinização dos mortos, em sua formidável obra “A Cidade Antiga” (1864).

Falo em autenticidade, porque a Coréia do Norte tem o regime comunista mais fechado do mundo, baseado numa suposta dinastia ditatorial, e as informações e imagens saem de Pyongyang sob censura do governo ou pelas vias alternativas de Seul e Pequim.

Transcorreram 12 dias- entre a morte e o sepultamento do ditador- de mistério, expectativa e apreensão mundiais sobre o rumo que aquela pequena potência nuclear tomará nas mãos do filho e provável sucessor, Kin-Jong-un, de 29 anos de idade, alçado à condição de comandante supremo das Forças Armadas.

O acontecimento em si comporta as mais variadas análises e especulações no Oriente e no Ocidente, mas o farto noticiário a respeito, tendente a se multiplicar por alguns meses, é alimentado pelo receio, por parte de grandes potências, de um desequilíbrio político-militar naquela região, com repercussões mundiais.

Não seria, obviamente, receio de que o novo e jovem governante passe a instilar seus ímpetos guerreiros, que esses ele não os tem ou foram escoimados pelos seus estudos na Suíça. O receio é do aparatik militar e partidário, repleto de espiões infiltrados no povo e que controla não apenas os governados, mas também os governantes. Eis o efeito sinérgico de uma ditadura militar de esquerda.

Stalin centralizava em torno de si a sua equipe, o mesmo acontecendo com Hitler e Mussolini, os três encarnando o estado totalitário, em forma piramidal. No caso coreano, a pirâmide é invertida: Simula-se uma dinastia ditatorial, uma encarnação do poder transmitido de pai para filho e neto, mas não é crível que a família seja a chave do poder.

Quando se menciona o “Presidente Eterno” Kim-Il-sung, pai de Kim-Jong-il, se presta homenagem ao fundador da Coréia do Norte, em 1948, mas os verdadeiros donos do país são as Forças Armadas, altamente profissionalizadas, com mais de um milhão de efetivos e um poderoso arsenal, controladoras do próprio sistema partidário (Partido dos Trabalhadores, amplamente hegemônico,  Partido Chondoísta e Partido Social-Democrata, coligados.)

A alma das Forças Armadas é o Exército Revolucionário da Coréia do Norte, cujo espírito é o mártir e herói da libertação, Ahn-Jung-gun, executado pelos japoneses em 26 de março de 1910. É esse o espírito que rege o corpo e a alma da Coréia do Norte, e ele não fará nada que a China e a Rússia não permitam.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Incursões artísticas na política: Havel,Neimar e Roberto Carlos


A cultura, o lazer e o entretenimento são poderosos instrumentos de projeção do poder nacional, elementos básicos de qualquer projeto de propaganda política e ideológica, sem as quais nenhum governante obtém o consentimento dos governados (ou das massas).

O homem político de Robert Dahl não é necessariamente o político profissional, alguém imbuído da vontade de conquistar e manter o poder; pode ser, em sua origem, um artista, um artesão, um escritor, um circense, unindo o seu talento profissional ao objetivo político em si.

É o caso do ex-presidente da Tchecoslováquia (1989-1992) Václav Havel, dramaturgo e escritor, recém-falecido, que liderou a “Revolução de Veludo”, que desmantelou o regime comunista no seu país, após a queda do Muro de Berlim, levando à divisão da Tchecoslováquia em Eslováquia e República Tcheca e vindo a presidir essa última (1993-2003).

Lembro-me de ter ouvido pessoalmente e lido de Roberto Campos, quando parlamentar, ardoroso admirador de Václav Havel, ser este figura instigante e certa para o governo de seu país naquele momento de desmantelamento do império soviético, de fragmentação das nações do Leste Europeu e busca, pelas mesmas, de fortalecimento da opção pela economia de mercado.

O exemplo de Havel me inspira a falar de dois ícones brasileiros, um mais recente, Neimar, jogador de futebol, e outro mais antigo, o “rei” Roberto Carlos. Dois extraordinários artistas, do futebol e da música.

Depois do fiasco mal explicado do Santos, que jogou como um time com complexo de inferioridade contra a equipe do Barcelona, na disputa do título mundial de futebol, Neimar teria declarado que os brasileiros tiveram uma aula de futebol do professor Messi e seus companheiros.

Nesse caso do Santos, houve a projeção negativa do poder nacional, com desgaste para a imagem do Brasil, que é pentacampeão do mundo e só tem a ensinar, e não a aprender, com os espanhóis. E o futebol, junto com a música, é o maior promotor do Brasil perante o mundo.

O show de Roberto Carlos, diretamente de Jerusalém, transmitido pela TV Globo, no último dia 25, pode ser considerado como o maior evento de projeção do poder nacional de 2011. Foi um espetáculo artístico-cultural (e até religioso) de repercussão no mundo inteiro.

O mundo árabe, conturbado pela “primavera árabe”; israelenses e palestinos, em frequentes e infindáveis escaramuças; a Europa em depressão econômica e os Estados Unidos, engolfados em volumosa dívida, viram um ícone do Brasil, agora a sexta economia do mundo, um mercado atraente para os investidores, cantar para o mundo diretamente do berço do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. É um fato de suma importância no “mercado político”.

A cultura é componente da expressão psicossocial do poder nacional, com pertinência em relação às demais expressões política e econômica. Tanto pode somar quanto subtrair...


sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Uma proposta de Filosofia de Defesa Nacional


(Ensaio de minha autoria publicado recentemente pela “Revista Filosofia”, edição nº 33, Editora Escala, São Paulo)                                                                               

Desenvolver uma Filosofia de Defesa Nacional para os tempos atuais é um desafio ousado, considerando-se que são muitos os empreendimentos teóricos, doutrinários, científicos, e ideológicos a respeito desse tema, os quais apresentam a Paz como objetivo e variável independente.

Como escapar do esforço feito por Imannuel Kant –um moderno divisor de águas- de uma tentativa de abordagem metafísica sobre o tema da paz universal, espécie de utopia que a História, desde os seus primórdios, desfaz em sucessivos e incontáveis relatos de conflitos entre grupos, tribos, aldeias, cidades, comunidades, nações, Estados-nações e a atual sociedade global?

Será possível, pelo método dialético que o grego Zênon nos legou, o enquadramento do tema Defesa na Filosofia, cuja essência consiste em indagar, levando-se em consideração que qualquer inquirição estaria sendo formulada sobre hipotética ausência da Paz –(espécie de tese ou uma antítese da guerra,embora  Raymond Aron considere que “ausência de paz não é a guerra”)? E qual seria a síntese dessa dialética Guerra e Paz?

Farei essa tentativa, sabendo, de antemão, dos meus riscos incalculáveis de ferir a lógica e a razão e incidir no campo meramente conjectural, ainda que eu tenha o método conjectural como poderosa ferramenta filosófica.

Ainda que se a variável independente a ser considerada fosse a Guerra, a mesma dificuldade permaneceria, porque ainda não se encontrou a referida síntese, mas a escolha da Paz como variável é de minha preferência em decorrência dos estudos mais sistematizados sobre o tema Paz, visto isoladamente, realizados nas academias e centros especializados internacionais, um dos quais o Instituto Internacional da Paz.

Relatório divulgado, no ano passado, pelo Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo (Sipri) revela que as compras de armas pela América do Sul cresceram 150% nos últimos cinco anos na comparação com o período entre 2000 e 2004, enquanto no mundo o aumento foi de 22%.

Estadistas, militares e diplomatas do mundo inteiro se debruçam sobre a arte da guerra, inspirados em Sun-tzu, Heródoto, Tucídides, Políbios, Flávio Josefo, Arquimedes, Anibal, Alexandre, Maquiavel, Moltke, Clausewitz, Jomini, Napoleão, Rommel, Donitz, etc. e tantos outros generais, estudiosos, doutrinadores, teólogos, teóricos, filósofos, ideólogos, cientistas, profetas, historiadores, escritores, sociólogos, politólogos e até autores bíblicos (pois a Bíblia, no Antigo Testamento, é pródiga em relatos de guerras).

Adotando, abstratamente, a Paz como variável independente, desprovida de seu caráter dialético em função da Guerra, acredito que possa trabalhar a idéia de formulação de uma hipotética síntese à dialética Guerra versus Paz, colocando a Defesa como variável dependente dessa hipotética síntese.

Vamos à tal síntese. Não há Guerra ou Paz sem a presença do elemento racional, o Homem. Isoladamente, o Homem é objeto dos estudos da Antropologia. Quando se reúnem dois ou mais homens, se tornam objetos de estudos da Sociologia - a expressão de Augusto Comte para a sua “física social”.

Independentemente de seus traços étnicos, raciais, culturais, o Homem apresenta características básicas universais, que se projetam no seu comportamento em vida coletiva: Os sentidos (paladar, tato, olfato, audição, visão), instinto de vida ou morte, sensações ou percepções extrasensoriais e (por que não?!) a kantiana Razão Pura.

Vivendo em grupo, comunidade ou sociedade, os homens se interrelacionam e interagem entre si, material e imaterialmente, com essas características, acentuadas ou minimizadas pela influência de fatores exógenos do ambiente que os cerca (clima, topografia, reprodução, bebidas, comidas, símbolos, vestuário, abrigo, crenças, mitos, etc.)

Os produtos dessa interação se projetam na estrutura e na conjuntura de vida. Em termos estruturais, resultam na composição das instituições (conjunto de normas de conduta caracterizadas, ao longo do tempo e do espaço, pelo ânimo da permanência, que regulam o processo de organização política e, consequentemente, de hierarquização do poder). Daí resultam também os órgãos institucionais, que corporificam simbolicamente as instituições e com estas, conjuntamente, o próprio sistema político.

Esse sistema político é a nossa síntese hipotética da dialética guerra e paz, porque sempre existirá, na presença ou na ausência de uma das duas variáveis, e, como toda síntese, comporá nova tese.

Considerando-se a paz como variável independente, as possibilidades de conflito entre nações dependem de, pelo menos, oito variáveis dependentes, positivas e negativas, geradas pelo sistema político, pois, como afirma a Filosofia, “de duas coisas, uma é sempre diferente da outra”... As positivas são: 1.Fundamentos do Poder;2.Constituição (Carta Magna) Pacífica; 3. Democracia; 4.Universalidade. As negativas são: Baixa potencialidade; 2 Constituição agressiva; 3.Autocracia; 4.Isolacionismo.

Poderíamos resumir tais possibilidades em: Sistema Político (Poder Nacional, Vontade Política; modelo federativo, sistema de governo, regime político e sistema representativo (subsistemas eleitoral e partidário) e cultura (formas idiossincráticas de pensar, sentir e agir) nacional.

O poder nacional pode ser de alta ou baixa capacidade; a vontade política se define no modelo constitucional de cada país, que tanto pode prescrever o preparo para a defesa (Constituição do Brasil, por exemplo) quanto para o ataque (Constituição dos Estados Unidos); o regime político pode ser democrático ou autocrático, e a cultura nacional pode ser universalista ou isolacionista. Essa cultura é tão característica, que rejeita importações de outros modelos de sociedade, aceitando apenas “sugestões” adaptáveis a qualquer nação ou país (como, por exemplo, as idéias de necessidade vital de suprimento de água e de comida e de perpetuação da espécie).

Confrontadas as variáveis positivas e negativas, tendo a paz como variável independente, elas se constituem potencialmente em fatores de guerra expansionista (conquista do mais fraco pelo mais forte); de beligerância, por disputa do poder político interno; de guerra por motivos religiosos e culturais; guerra por motivos terroristas; submissão ativa (ou rendição) por absoluta dependência; dependência sem submissão (guerrilhas e guerras de libertação); submissão por dependência imprevisível (retração); submissão passiva ou resignada ao mais forte; submissão estratégica para política pendular; guerra-relâmpago e conspiração permanente para guerra oportunista (estratégia do lobo e do leão quando a caça apresenta sinais de fraqueza); composição para neutralidade ou alinhamento conveniente.

A essa síntese transformada em nova tese, o Sistema Político, surge o Caráter Nacional como antítese. O Caráter Nacional é a “intuição” desse sistema político, espécie de mão invisível do Espírito regente da Alma e do Corpo dessa nação – talvez o que Kant denominaria “Razão Autônoma”. Um fator, portanto, metafísico, que pode tanto enfraquecer o poderoso dominador quanto fortalecer subitamente o oponente frágil ( caso do  Vietnã do Norte enfrentando os Estados Unidos).  Eis o novo embate dialético, cuja síntese será a Defesa.

Minha proposta de uma Filosofia de Defesa consiste, portanto, na seguinte questão:
Em situação de paz, qual é a possibilidade de se elaborar uma Política de Defesa Nacional que concilie em sua plenitude o Sistema Político e o Caráter Nacional, considerando-se a Paz como variável independente, em face da necessidade de o poderoso se prevenir contra um súbito enfraquecimento e do frágil oponente se preparar para a situação de seu súbito fortalecimento?  


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Dois leões da política, sob o signo da serpente

O artigo “Bancos Apossam-se da Europa”, de autoria do professor Adriano Benayon, da Universidade de Brasília, que este blog publica, merece ser lido com lupa, tantas são as observações percucientes do autor sobre o quadro no Velho Continente.

Quando fala em “oligarquia financeira” tentando capturar os estados europeus, sob a liderança do banco Goldman Sachs, de Nova Iorque, observa que os bancos não querem saber de consultas populares - plebiscito e referendo-, depois de suas propostas serem rejeitadas em duas consultas realizadas na pequena Islândia. Não posso deixar de conjecturar que tais mecanismos da democracia direta contrariam o poder financeiro também no Brasil.

O resultado do plebiscito no Pará é um exemplo. Contraria a estratégia das oligarquias no sentido de dominar o País, via redivisão territorial, centralizando as principais decisões no Senado Federal e jogando a Câmara dos Deputados, que representa o povo, para escanteio.

A retaliação já começa a ser feita, com os “separatistas” paraenses pleiteando a mudança da capital do Pará, de Belém para outra cidade. Os mudancistas não vão descansar, e, talvez, isso explique a liberação da “ficha-suja” Jader Barbalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral, para assumir cadeira no Senado Federal - mais um lance no sentido de se promover a criação do Estado de Carajás, em virtude das riquezas minerais existentes na região.

Jader Barbalho ainda tem muito poder e liderança naquele estado, remanescente de sua gestão no Ministério de Assuntos Fundiários. Independentemente de fatores morais e éticos, é um político talentoso e que sabe jogar pesado. Pode vir a ser a liderança que os separatistas não tiveram no último plebiscito. Em resumo, soltaram o leão da jaula, e ele está faminto...

Outra observação de Benayon é que a periferia européia está entrando no Terceiro Mundo, e com ela outros países sujeitos à receita prescrita pelo FMI, e a atual depressão “se desenha como a mais profunda e longa da História, se não for interrompida pela terceira guerra mundial, planejada pelo complexo financeiro-militar dos EUA”.

A propósito, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou ontem o projeto de lei para o orçamento de Defesa, no valor de 662 bilhões de dólares para o ano 2012, e o Senado ratificará a decisão.É  um orçamento pouco menor do que o de 2011, mas é bem indicativo do clima armamentista mundial, pois os EUA já estão reduzindo sua presença no Afeganistão e no Iraque.

Depressões profundas na Europa, historicamente, redundam em grandes conflitos mundiais, e a própria Rússia, com a nova composição de sua Duma, parece articular com certa ansiedade a recondução de Vladimir Putin à Presidência, em março,aproveitando a sua experiência de enfrentamento dos Estados Unidos na “guerra-fria”.

O ano escatológico de 2012, regido pelo “signo da serpente”, já está se desenhando...


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A França,o Cruzeiro e a verdade proustiana

A visita que o primeiro-ministro da França, François Fillon, empreende ao Brasil nesta semana, para trazer aos brasileiros uma mensagem de confiança sobre seu país e a União Européia, faz parte de uma estratégia francesa de resgate do tempo perdido nas relações históricas entre as duas nações, e me faz lembrar uma frase de Marcel Proust: ”O tempo passa, e um pouco de tudo aquilo que nós chamávamos de falsidade se transforma em verdade.”

A França atual, à semelhança da equipe de futebol do Cruzeiro, de Belo Horizonte, vive o drama da ameaça de rebaixamento para a segunda divisão das potências, pelo simples fato de que ambos acreditaram ser falsa a possibilidade de que um dia, por negligência de sua política, viessem a perder o status de potências de primeira grandeza, o Cruzeiro no futebol brasileiro, e a França na política.

Acreditaram ser falsa a teoria de que tudo que sobe desce, preferindo pensar  que nasceram predestinados à grandeza, sendo desnecessário o esforço permanente de cultivo e provimento das estratégias indispensáveis para a manutenção da sua gloriosa trajetória até algumas décadas passadas.

Por ironia, a Copa do Mundo de 2014 e os jogos olímpicos de 2016 foram incluídos como itens da agenda de conversações entre a Presidente Dilma Roussef e François Fillon, com vistas a uma parceria estratégica entre os dois países.

As especulações sobre a venda de aviões –caças “Rafale”  diminuíram, em face da decisão brasileira de não tratar agora desse assunto. Mas, a França, diante da crise européia, necessita urgentemente de reequilibrar suas finanças exportando mais.

No caso dos aviões “Rafale”, que são caros demais, tais aeronaves não encontram compradores além das Forças Armadas francesas, e correm rumores de que a fábrica talvez seja obrigada a encerrar sua produção desse modelo de aeronave.

Sobre a visita do primeiro-ministro Fillon à base de submarinos de Itaguaí, acredito que até possa abrir caminho para alguma negociação sobre a venda ou construção de submarinos, pois o Brasil está disposto a aparelhar cada vez mais sua frota em função da importância cada vez mais estratégica que os submarinos, em especial os de propulsão nuclear, adquirem como armas decisivas para o controle dos mares no mundo inteiro. Já há um acordo de cooperação bilateral entre os dois países nessa área, onde a Alemanha, a Itália, os Estados Unidos e a Inglaterra são fortes concorrentes.

O sólido lugar de destaque que a França detinha, no Brasil, em vários campos de cooperação, até a eclosão da Segunda Guerra, foi se desmanchando no ar, pois a França acreditou na sua falsa posição consolidada, principalmente na área econômica, perdendo sua dinâmica diplomática e permitindo que outros países ocupassem seu lugar.

Amigo e experiente diplomata, conhecedor profundo dos franceses, resumiu a atual situação:
“A Europa não indo bem, o Euro não indo bem, a situação da França torna-se ainda mais difícil, pois, sem ambos os pilares, ela cairá para o grupo das simplesmente “potências médias”. Para quem, não faz muito tempo, em termos históricos, era uma das grandes potências do mundo, ver-se obrigada a ter de aceitar essa condição não é nada fácil.”



Bancos apossam-se da Europa

Abrigo  neste blog cabeças pensantes, independentemente de matiz ideológico.É o caso do professor Benayon, da Universidade de Brasília, cujo instigante artigo publico na íntegra:

Adriano Benayon * - 13.12.2011       

"A oligarquia financeira está empurrando, goela abaixo da União Européia (UE), um “acordo” que estabelece regras rígidas para que a Europa seja governada (ou desgovernada), de forma absoluta, por bancos, liderados pelo Goldman Sachs, de Nova York.

2. Embora as modificações desse acordo aos Tratados da UE dependam  de aprovação legal em cada país membro -  processo que poderia durar anos - os manipuladores financeiros assumiram o poder na marra e irão em frente, a menos que o impeça a resistência dos povos, ainda sem organização.

3. Com a experiência da pequena Islândia, em duas consultas ao povo, a última em abril de 2011, os predadores perceberam que qualquer outra, em qualquer país, implica a derrota de suas proposições. Bastou o ex-primeiro-ministro da Grécia falar em referendo  para ser demitido.

4. Mesmo antes de 09.12.2011 - quando foi encenada “reunião de cúpula”, e Sarkozy (França) e Angela Merkel (Alemanha) anunciaram o tal “acordo” -  o Goldman Sachs (GS) já havia posto três de seus prepostos em posições-chave: Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu; Mario Monti, primeiro-ministro da Itália; Lucas Papademos, primeiro-ministro da Grécia, envolvido em operações do Goldman Sachs com a dívida grega resultantes em sua elevação.

5. Os países da Zona Euro (os 17 membros da UE cuja moeda é o euro) serão obrigados a aceitar o “acordo”. Sarkozy e Merkel dizem que os dirigentes dos outros 15 países foram consultados, mera formalidade. Nove outros Estados participam da União Europeia, mas não adotam o euro: Reino Unido e Dinamarca (isentos), e mais sete que poderiam ainda aderir à Zona.

6. Aqueles portavozes apresentaram o pacote envolto neste rótulo: “salvar o euro”; “reforçar e harmonizar” a integração fiscal e orçamentária da Europa. Na realidade, trata-se de destruir a Europa econômica e politicamente, sem garantir a sobrevida do euro, além de aprofundar a depressão, com o arrasamento das políticas de bem-estar social, instituindo uma espécie de “lei de responsabilidade fiscal”, como a que manieta o Brasil.

7. O “acordo” impõe duras sanções aos países que não o cumpram, ademais de ser  fiscalizados pelo Tribunal Europeu de Justiça. Os Chefes de Estado e de governo passam a reunir-se mensalmente durante a crise. Com isso, reduz-se o poder dos burocratas da Comissão Europeia, mas essa mudança nada altera, dado que estes também executam fielmente os desejos oligarquia anglo-americana.

8. Sarkozy é cópia piorada de Mussolini, pois este pôs os bancos sob  controle do Estado – e não o contrário, como se faz agora com a Europa, EUA etc. Submisso às diretivas da oligarquia financeira, o presidente da França declara que os benefícios sociais não são sustentáveis, na hora em que eles são mais necessários que nunca, dado o desemprego grassante.

9. O pacote quer obrigar, punindo os que não o cumpram, que os países da Zona Euro reduzam seus déficits orçamentários para 0,5% do PIB, ou seja, seis vezes menos que o limite de 3%, prescrito no Tratado de Maastricht.

10. Isso significa que Grécia, Itália, Espanha, Portugal e outros terão de cortar ainda mais despesas, depois de já as terem cortado, fazendo, assim, a depressão aprofundar-se. A depressão já causou queda nas receitas fiscais. Combinada a queda das receitas fiscais com o crescimento do serviço da dívida pública, decorrente da alta das taxas de juros, temos, juntos, dois fatores de elevação do déficit orçamentário.

11. Que fazer? Cortar toda despesa que não as da dívida, desmantelando as políticas sociais e deixando de investir na infra-estrutura econômica e na social.  Isso trará, entre outros danos irreparáveis, o aumento da disparidade entre membros mais e menos desenvolvidos, inviabilizando a permanência destes na Zona Euro, o que implica sua desintegração.

12.  A periferia europeia está, pois, ingressando no Terceiro Mundo, caminho aberto também ao restante da Europa, já que acaba de lhe ser prescrita a receita usual do FMI, a qual ajudou a manter o Brasil e outros no subdesenvolvimento.

13. A dupla franco-alemã infla seus egos brincando de diretório europeu, mas Merkel, obedecendo aos bancos alemães, rejeitou a possibilidade de o  Banco Central Europeu (BCE) emitir títulos para substituir os dos países devedores. Os bancos querem continuar emprestando aos governos, para faturar os juros.

14. Essa rejeição deve levar ao fim do euro, se este já não está perto do fim mesmo sem ela. Traz consequências danosas para a própria Alemanha e para a França, pois obriga os devedores mais problemáticos a continuar pagando taxas de juros demasiado elevadas nos seus títulos.

15. Isso promove crise ainda maior de suas dívidas, com o que credores - bancos alemães, franceses e norte-americanos -  chegarão mais rápido ao colapso. Mostra-se, portanto, quimérica outra pretensão do “acordo”: a de enquadrar os países no limite de 60% do PIB para suas dívidas.

16. Não é para a União Europeia que os países europeus  estão perdendo a soberania.  É em favor da oligarquia financeira que renunciam formalmente, através de atos irresponsáveis de seus chefes de governo.

17. A perda de soberania não se restringe às regras draconianas citadas, por si sós conducentes à ruína financeira e econômica. Inclui também que os países devedores liquidem – a preço de salvados do incêndio – inalienáveis patrimônios do Estado, como já foi determinado à Grécia e a outros. É a privatização, objeto das mais colossais corrupções vistas na história do Brasil.

18. Os analistas ligados ao sistema de poder atribuem a crise dos países europeus mais pobres a terem estes gastado acima de suas possibilidades, e mesmo economistas mais sérios oferecem explicações para a débâcleeuropeia que omitem sua causa principal.

19. Essa causa é a depressão econômica mundial, resultante do colapso financeiro armado pela finança oligárquica centrada em Nova York e Londres. Ele eclodiu em 2007, iniciando a depressão que se desenha como a mais profunda e longa da História, se não for interrompida pela terceira guerra mundial, planejada pelo complexo financeiro-militar dos EUA.

20. Martin Feldstein, professor de Harvard, aponta diferenças institucionais e nas políticas monetária e fiscal entre os EUA e a UE. Ele e muitos, como Delfim Neto, atribuem grande importância à taxa de câmbio. Argumentam que os europeus em crise não têm como desvalorizar a moeda para se tornarem mais competitivos, uma vez que adotaram o euro.
21. Robert Solow, prêmio Nobel, salienta que a UE transfere recursos de pequena monta aos membros menos avançados, pois o orçamento unificado da UE equivale a só 1% de seu PIB. Já nos EUA governo federal fez vultosas transferências de recursos aos Estados e para regiões críticas.
22. Ainda assim, Itália, Espanha, Grécia, Portugal suportaram a situação até surgir a depressão mundial.  Tendo exportações de menor conteúdo tecnológico que Alemanha, Holanda, França, e dependendo do turismo, foram duramente atingidos até pela queda da produção e do emprego nos países ditos ricos, inclusive extra-continentais, como EUA e Japão.

23. A depressão, por sua vez, adveio das bandalheiras financeiras geradas a partir de Wall Street e bases off-shore, sem regulamentação, atuantes no esquema da City de Londres, desembocando no colapso financeiro que eclodiu em 2007 e se direciona para novo estágio, mais destrutivo.

24. Os europeus envolveram-se na onda dos derivativos, quando bancos suíços e alemães adquiriram alguns bancos de investimento de Wall Street. Mesmo assim, os bancos dos EUA estão tão ou mais encalacrados que os europeus nos títulos podres resultantes da abusiva criação dos derivativos.

25. Ademais, Grécia, Espanha, Itália e outros foram enrolados pela engenharia financeira de Wall Street, Goldman Sachs à frente, que lesou investidores, camuflando os riscos, além de proporcionar créditos àqueles países, ao mesmo tempo em que fazia hedge, jogando contra seus devedores, com o resultado de elevar os juros das dívidas.

26. O assaltante está tendo por prêmio ficar com a casa do assaltado. Mas, antes da ocupação dos governos pelos bancos, agora ostensiva, as pretensas democracias ocidentais já não tinham autonomia, mesmo com parlamentos eleitos escolhendo o primeiro-ministro.

27. Como os principais partidos políticos são controlados pela oligarquia financeira – na Europa, nos EUA etc. - e se diferenciam apenas por ideologias pró-forma, acomodáveis a qualquer prática, pode-se dizer que a escolha eleitoral se limita à marca do azeite com o qual os eleitores serão fritados.

28.  O “acordo” agora imposto à Europa surge como culminação de uma guerra financeira que completa o trabalho realizado nas duas primeiras Guerras Mundiais. Estas destruíram a Alemanha e a França como grandes potências. O império anglo-americano só não conseguira retirar esse “status” da Rússia, mas o logrou, ao final da Guerra Fria (1989), conquanto a  Rússia busque agora recuperá-lo.

29. Para que a Europa não afunde, terá de tomar rumo radicalmente diferente daquele em que foi colocada e no qual segue em aceleração impulsionada pelo  “acordo” a ser celebrado, a pretexto de salvar a moeda única.

30. O General De Gaulle, nos anos 60, insurgiu-se contra o privilégio dos EUA, de cobrir seus enormes déficits externos, simplesmente emitindo dólares, e exigiu a conversão para o ouro das reservas da França. Profeticamente advertiu que a entrada da Inglaterra na UE seria uma operação “cavalo de Troia”.

31. Hoje o dólar continua sendo sustentado pela condição de divisa internacional, instituída em 1944 (acordos de Bretton Woods), e mais ainda pelo poder militar.  Os EUA forçam, por exemplo, que  seja liquidado em dólares o petróleo comerciado entre terceiros países.

32. Percebe-se o móvel de desviar para a Europa o foco da crise econômica e financeira, que deveria estar nos EUA e do Reino Unido. Ele foi posto na Eurolândia, através de jogadas dos bancos de Wall Street com suas subsidiárias baseadas no grande paraíso fiscal que é a City de Londres.

33. Os mercados financeiros parecem teatro do absurdo. Se não, como explicar que os títulos de longo prazo norte-americanos paguem juros de menos de 2% aa., enquanto os da Itália, de dois anos de prazo, subiram para 8% aa.? E como explicar que a cotação do risco de crédito da Alemanha e da França esteja sendo rebaixada, enquanto isso não se dá com os títulos norte-americanos?

34. Deveria ser o contrário, pois: 1) as emissões de dólares em moeda  e em títulos públicos são muito maiores que as de euros; 2) a dívida pública dos EUA atinge 120% do PIB (muito mais que os países da Zona Euro), e seria muitíssimo maior sem as enormes compras de títulos do Tesouro dos EUA pelo FED e as emissões desbragadas do FED; 3) o déficit orçamentário dos EUA supera 10% do PIB, enquanto a média europeia é 4%. 4) o déficit nas transações com o exterior dos EUA, em 2010, correspondeu a 3,9% do PIB, enquanto a Alemanha teve superávit de 5,7% do PIB, e os déficits da França e da Itália foram 2% e 3% do PIB.

35. Não bastasse, os grandes bancos americanos têm vultosas  carteiras de títulos podres (sobre tudo derivativos), mesmo depois de grande parte deles ter sido comprada pelo FED e por agências do governo dos EUA, em operações caracterizadas por grau incrível de corrupção.

36. Como aponta o Prof. Michael Hudson, um quarto dos imóveis nos EUA vale menos que suas hipotecas. Cidades e Estados estão em insolvência, grandes companhias falindo, fundos de pensão com pagamentos atrasados.

37. A economia britânica também cambaleia, mas os títulos governamentais pagam juros de só 2% aa., enquanto os membros da Zona Euro enfrentam juros acima de 7% aa, porque não têm a opção “pública” de criar dinheiro.

38. O artigo 123 do Tratado de Lisboa proíbe o BCE fazer o que os bancos centrais devem fazer: criar dinheiro para financiar déficits do orçamento público e rolar as dívidas do governo.  Tampouco o pode o banco central alemão, por força da Constituição da Alemanha (país ocupado).

39. Conclui Hudson: “se o euro quebrar será porque os governos da UE pagam juros aos banqueiros, em vez de se financiar através de seus próprios bancos centrais.”  Dois poderes caracterizam o Estado-Nação: criar dinheiro e governar a política fiscal. O primeiro já não existia para os europeus, e o segundo está sendo cassado com o presente “acordo”.


*  Adriano Benayon é Doutor em Economia e autor de “Globalização versus Desenvolvimento” - abenayon.df@gmail.com


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Pará votou como "cantão suíço"

A população do Pará disse um “não” às oligarquias e um “sim” à democracia, ao rejeitar, por 67% dos votos, no plebiscito do último domingo, a divisão do estado em três: Pará, Carajás e Tapajós. Pesquisa da Datafolha, na véspera do plebiscito, antecipara o resultado de apenas 33% de aprovação e 58% de rejeição, sendo que esse último número subiu para 67% na apuração final.

Se a divisão fosse aprovada, seria o início de um processo de redivisão territorial do Brasil que culminaria no controle do Senado Federal pelas oligarquias do Norte/Nordeste/Centro-Oeste, criando um novo pólo de poder administrativo unicameral de fato, pois os próximos presidentes praticamente governariam por intermédio do Senado, que representa as unidades federativas, e não da Câmara dos Deputados, que representa o povo.

Essa divisão do Pará, contudo, é um teste importante, um “balão-de-ensaio”, para a votação de projetos no Congresso Nacional criando mais seis estados e três territórios. Afirma-se que a estratégia de unificação da campanha, adotada pelo publicitário Duda Mendonça, é a causa da rejeição da divisão paraense pela população. Ou seja, se a campanha para criação do Carajás e do Tapajós fosse separada, o resultado seria outro.

Evidentemente, os erros cometidos agora não se repetirão em possíveis novos plebiscitos sobre a redivisão territorial, ainda mais estando em jogo interesses do poder central do País, que, no momento, passa por um processo de concentração – o que Golbery denominava “sístole”, metáfora com o processo cardíaco, quando o coração se contrai para liberar o sangue.

Essa “diástole” aparente (quando o coração se descontrai), que á a criação de novos estados, abriria caminho para a maior concentração de poder político já vista na história do Brasil, no período republicano, pois o bicameralismo atual passaria a ser de fachada, com o Senado dando as cartas e o povo (a Câmara dos Deputados) endossando.

Algum anjo da democracia andou sobrevoando o estado do Pará e iluminando a população sobre a conseqüência de aprovação da proposta. Não tenho dúvidas, as cartas estavam lançadas e, a qualquer momento, voltarão à mesa, porque a tentação pelo poder é grande...

Na área acadêmica, no estudo dos mecanismos da democracia direta – plebiscito, referendo, voto destituinte, “recall”, etc., impera certo ceticismo quanto à eficácia democrática do emprego desses mecanismos em países sem tradição democrática, como o Brasil, onde a manipulação pelos donos do poder é mais atrativa.

Na enquete que esse blog realizou, a democracia brasileira chegou a ser qualificada de relativa, mínima e até periclitante. Nos cantões suíços, onde tais mecanismos são empregados com rigor, o risco de manipulação é o mínimo, até mesmo em prol da memória do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, o defensor original da democracia direta que se praticava na Grécia e Roma antigas.

Se os paraenses votaram conscientes ou não das conseqüências da divisão para a democracia brasileira, ou se votaram por instinto de defesa contra o pauperismo a que ficariam relegados o Pará e o Tapajós,são “outros trezentos” - como se diz na linguagem vulgar -, mas o fato é que votaram como cidadãos suíços.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Dilma precisa do elmo de Odin

A Presidente Dilma Roussef está fornecendo à oposição, com sua “faxina ministerial”, que já defenestrou sete ministros, em menos de um ano de mandato presidencial, uma excelente munição, que poderá ser utilizada contra sua imagem, na próxima campanha presidencial, caso ela venha a disputar a reeleição.

Se eu fosse um senador ou deputado da oposição, colocaria essa “faxina” na minha metralhadora “Browning” ponto 50 e acionaria o gatilho para aniquilar qualquer candidato do governo que tomasse como bandeira eleitoral a austeridade de Dilma e a sua disposição de combater a corrupção.

Diria que um governante competente começa na escolha de sua equipe, o ponto crítico da governabilidade com base no planejamento estratégico e nas regras republicanas do estadismo, fincadas na transparência, impessoalidade, legalidade, legitimidade, etc. Não saber formar uma equipe à altura das responsabilidades de governar um país tão imenso como o Brasil constitui pecado capital.

Qual o critério que norteou a Presidente Dilma Roussef na escolha de sua equipe? Mesmo que tenha sido o do “spoil system” (a divisão do espólio eleitoral entre os partidos vencedores, para formação da base parlamentar de apoio ao governo), não se justifica que tantos ministros sem credenciais técnicas, morais ou éticas tenham sido alçados ao poder para administração da res pública.

Comenta-se que a maior parte do ministério foi imposta pelo ex-presidente Lula e o PT. Caso seja verdade, Dilma aceitou cumprir papel secundário, apesar da força dos votos que recebeu de milhões de brasileiros e brasileiros, ávidos por definir uma concepção nova de poder de natureza matriarcal, concepção esta que agora se revela fantasiosa...

Jogo de cintura formidável de Dilma nessa dança dos ministros? Não vejo, pois até os passistas carnavalescos têm o molejo na dosagem compatível com a harmonia e o ritmo do samba, para não atravessarem... Vejo Dilma estática nesse quesito governamental, e o pior é que já está em curso a articulação da reforma ministerial para o início do ano, pelo que tudo indica uma espécie de novo loteamento do poder com vistas às eleições municipais vindouras.

Terá Dilma condição de portar seu tamanco, do alto dos seus milhões de eleitores, bater na mesa (como fez Nikita Krutchev, com seu sapato, na tribuna da ONU) com seu tacape (ou cacife) eleitoral e escolher uma nova equipe à altura dos mais relevantes interesses e aspirações da Nação e do Estado? Não acredito, a menos que lhe dê coceira no pé, como aconteceu com o pitoresco e astuto líder ucraniano...

Tal é a posição de um estadista: Encarar de frente o poder, domá-lo e tomar as decisões a ferro-e-fogo, sem se deixar influenciar por picuinhas partidárias. Ou se usa, ou não se usa o poder conferido pelas urnas ou mesmo pelo cano de um fuzil - como era do gosto de Mao-tsé-Tung.

Sem um estadista enérgico, dentro de mais dois governos, o Brasil voltará a patinar na instabilidade política e econômica, perdendo essa excelente oportunidade oferecida pela alta do valor das commodities diante da crise econômica européia.

Antigo general chinês, daqueles samurais, disse que “é na vitória que precisamos apertar nossos capacetes”. Dilma venceu e afrouxou seu capacete e agora necessita do elmo de Odin. Nesse caso da “faxina ministerial”, contrariou o que recomendava o grande Napoleão Bonaparte:

“É preciso administrar para as massas, sem se preocupar se isso agrada a tal senhor ou cidadão. Se nos comportarmos de maneira a não melindrar nenhuma facção, nos mantemos num equilíbrio absurdo, descontentamos a universalidade, os indivíduos entre os quais sempre se encontra o senso do direito; é o consentimento da massa que torna a opinião pública soberana.” (Manual do Líder, L&PM Pocket, 2010, pg.74).

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Jogador Sócrates, um "intelectual orgânico" do futebol

Este blog não tem preconceito contra nenhum tema vinculado à política, independentemente de aspectos ideológicos, razão pela qual considero interessante a análise da “democracia corintiana” em si, a propósito do falecimento de Sócrates, seu idealizador em 1982, no clube de futebol Corinthians, de São Paulo, que acaba de conquistar o título de campeão nacional.

Médico por formação acadêmica,nascido no Pará, genial jogador de futebol e intelectual orgânico da classe futebolística, na verdadeira concepção gramsciniana, Sócrates liderou um movimento de autogestão democrática no Corinthians, em 1982, ao lado de jogadores como Vladimir (sindicalista), Zenon e Casagrande (atual comentarista esportivo).

Tudo era decidido na base do voto, desde a contratação de jogadores e técnicos, demissões, locais de concentração, e esse voto era igualitário entre dirigentes, funcionários e jogadores. O resultado é que esse modelo levou o Corinthians, que vinha de campanhas ruins, a dois títulos do campeonato paulista, além de restaurar as finanças do clube.

Em 1984, com as mudanças no futebol do mundo inteiro e a exportação desmedida de jogadores para o exterior, que resultaram em vertiginosa queda na qualidade do futebol não só do Brasil, mas dos demais países sul-americanos (Argentina e Uruguai em destaque), o modelo da “democracia corintiana” se exauriu.

Alguns críticos dizem que a "democracia corintiana" fracassou.São os mesmos que vituperam contra a democracia como regime de governo em qualquer país.Há modelos históricos cujo valor maior não consiste no prazo de validade, mas no simbolismo que carregam e que perdura como experiência válida, ainda mais na política, onde,contraditoriamente,  não se admitem experiências sem impunidade.

Acho importante focalizar a experiência corintiana com base numa entrevista de Sócrates poucos dias antes de sua morte, quando ele afirmou que não acompanhava muito a vida do clube, mas, em nenhum momento, se desprendeu da sintonia com o seu principal patrimônio, os milhões de torcedores corintianos. “Ser corintiano –disse- é um estado de espírito”.

Sócrates construiu na política mais do que muitos políticos profissionais, e poderia ser classificado perfeitamente como um teórico da política, pois a teoria em si é reveladora, e Sócrates contribuiu muito para revelar ao Brasil a oportunidade de restauração da força popular pelo voto.

Demonstrava, em diversas entrevistas, que era intrinsecamente apaixonado pelas massas e não gostava de ser enquadrado como um homem de esquerda. Tanto que seu treinador preferido era o extremo conservador Telê Santana, da Seleção Brasileira, e mantinha excelentes relações com a republicana  cidade de Ribeirão Preto, reduto das oligarquias dominadoras de um dos maiores pólos de produção de açúcar e álcool do País.

Quem freqüenta o “Pingüim”, um dos locais preferidos de Sócrates e até hoje templo do chope em Ribeirão Preto, pode colher junto aos garçons inúmeras e pitorescas estórias do “Magrão”. São turistas de boa capacidade aquisitiva e cidadãos da elite da cidade que reverenciam o local.

Não só pelo futebol que praticou, mas pelo seu idealismo político, Sócrates se tornou a figura mais conhecida e unânime de Ribeirão Preto (que o revelou) e uma das maiores da nova geração brasileira. Ele construiu com a cabeça e os pés seu discurso existencial.