quinta-feira, 19 de abril de 2012

O "papel legislador" do STF


Por mais ousada que tenha sido a defesa do papel legislador do Supremo Tribunal Federal, feita pelo ministro Carlos Ayres Britto, em seu discurso de posse como presidente da Corte, acredito que a idéia é controversa, à luz do princípio da tripartição de poderes, base do Constitucionalismo.

Montesquieu foi visionário e sábio, propondo um sistema que permite ao Poder Legislativo legislar, ao Poder Executivo cumprir as leis e ao Poder Judiciário julgar como espécie de guardião da Constituição, numa distribuição de papéis que iniba a assimetria entre os poderes e que impeça que algum dos poderes recrudesça despoticamente contra os demais.

Já se tem, nos tempos atuais, o viés de subtração pelo Executivo do papel legislador do Legislativo, tão bem caracterizado pelas medidas provisórias, que tem reduzido o Congresso Nacional à condição de quase mero homologador da ação legisferante do Executivo.

O que propõe o novo Presidente do STF,creio que movido pelo sincero empenho em agilizar o Judiciário, pode significar maior enfraquecimento das atribuições do Poder Legislativo, que, atualmente, fica à mercê dos fatos consumados pelas normas geradas no “laboratório” do Planalto numa velocidade e dinâmica espantosas, que fere princípios normativos tais como anterioridade, universalidade, imparcialidade e publicidade da norma.

Medidas provisórias são aprovadas sem o ritual necessário, votadas às vezes em bloco, sem que a Câmara ou o Senado tenham condições de alterá-las, e muitas gerando novas leis que compõem verdadeiro cipoal jurídico de interpretação e aplicação complexas até mesmo para advogados e juízes.

O Brasil dispõe de mais de 70 mil normas e ainda não conseguiu fazer a “clarificação” ou consolidação necessária das leis, um processo obstaculizado pela falta de vontade política das principais lideranças dos três poderes e pela própria cultura política cartorial e burocrática brasileira.

O processo legislativo – a produção de leis – envolve todo o sistema político, inclusa a participação popular, e aí caberia a contribuição de todos os poderes, desde que seja preservada a prerrogativa do Congresso Nacional de comandar o procedimento legislativo, na elaboração de leis. Eis porque o processo legislativo é o grande equilibrador político-institucional e atua preventivamente para evitar grandes crises.

O Poder Legislativo contemporâneo, com a massificação política e o extraordinário desenvolvimento dos meios de comunicação, tem perdido espaço na formulação de leis e relegado às funções tribunícia e de fiscalização, assim mesmo esta última, instrumentada pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, vem sendo paulatinamente esvaziada, seja pela banalização, seja pela ineficácia de resultados ultimamente apresentados pelas comissões.

A adoção da súmula vinculante seria o balizamento ideal para os trabalhos do Legislativo e da iniciativa das leis tomada hoje, majoritariamente, pelo Poder Executivo. É nesse aspecto doutrinário que o STF talvez tenha a sua maior oportunidade de exercer o “papel legislador” a que se refere o ministro.

O sistema político brasileiro ainda é representativo e o enfraquecimento da representação política pode significar restrições à democracia e estímulo a tentações hegemônicas do Executivo que redundem em regime discricionário. Não sou jurista. Penso como cientista político.

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