quarta-feira, 9 de julho de 2014

O futebol se joga hoje fora dos estádios


Há três ou quatro décadas, o futebol tinha características bem diferentes do futebol que se joga na Copa de 2014. O futebol era expressão da cultura de cada povo, cultivado como arte por alguns países, entre os quais o Brasil, e praticado como modalidade esportiva terciária ou quaternária por outros, como os Estados Unidos e o Japão, dois países que hoje se entregam de corpo e alma a desenvolver esse esporte. Da várzea e da pelada  no campo de terra, até mesmo com bola de pano ou de borracha, o jovem se fazia profissional com arte, vendo ressaltado seu talento individual pelo coletivo profissional bem composto.
Veio a Federação Internacional de Futebol Associado - FIFA-, criada em 1904, em Zurique, e atualmente composta por 209 federações nacionais, com o objetivo de melhorar continuamente o futebol. Seu presidente de maior expressão foi o brasileiro João Havelange, que transformou a entidade num centro poderoso de influência política no mundo inteiro.

E o futebol virou teatro, encenação nos gramados, passando  a ser jogado  num escantilhão politico e econômico  fora dos estádios, e  modelado pelas empresas, pela mídia e pelos demais fabricantes de mitos como produto de indústria cultural de massa (na verdadeira conceituação da escola estruturalista de Frankfurt). Um produto, portanto, de fabricação em série, de linha de montagem, para vender de tudo, desde bandeiras e bolas a ideias.

Não seria exagero afirmar que a FIFA tem um poder paralelo ao da Organização das Nações Unidas - ONU-, tamanha é a audiência mundial nos jogos da Copa do Mundo e as implicações do futebol como legitimador de regimes políticos, por mais que a entidade se mantenha fora dos processos eleitorais e das decisões governamentais.

A capilaridade da FIFA via futebol, em qualquer regime do mundo, inclusive os sistemas políticos mais fechados, como alguns orientais, asiáticos e sul-americanos, e o seu poder financeiro, oriundo de fontes de diversos matizes, desde grupos empresariais a políticos, religiosos e ideológicos,  conduziu esse polvo  ao estabelecimento do já propalado “padrão FIFA”, que, no período de Copa do Mundo, tem poder quase paralelo ao do governo do país  que sedia a Copa.

E qual país não aspira a sediar uma Copa do Mundo? Por mais que haja protestos de grupos contrários aos gastos, como no caso do Brasil (32 bilhões de reais), é uma disputa acirrada entre os candidatos, porque se converte numa oportunidade rara de mobilização de capitais e interesses, desde os mais legítimos aos mais escusos, por parte das  classes dominantes.

A FIFA impôs condições ao governo brasileiro para realizar aqui a Copa, se estabelecendo com poder paralelo de monitorar a vida nacional pelas expressões do poder político, econômico e psicossocial, além de moldar, pela orientação de arbitragem com poucos cartões amarelos e mais gols, uma competição violenta, no país do futebol-arte, e de péssimo exemplo às crianças do mundo inteiro. Mesmo assim, vai faturar25 bilhões de dólares, segundo cálculos de alguns órgãos da imprensa.

O que vimos na derrota vergonhosa do Brasil perante a Alemanha, por 7 a 1,  pelas semifinais da Copa de 2014, foi a máquina alemã ajustada ao padrão industrial da cultura de massa frankfurtiana, mostrando de um lado a eficiências e a precisão, que resultaram na produção de quatro gols  em seis minutos, e de outro um time apático  em seu futebol romântico em busca de um gol de honra, que só veio –creio – por piedade do time alemão.

A entrevista do técnico Luiz Felipe Scolari, presente toda a Comissão Técnica da Seleção Brasileira, para justificar a goleada imposta pela Alemanha, teve instantes de indignação dos próprios jornalistas. Prestei muita atenção, e até considero que, para o potencial apresentado pelo Brasil, seria muito bom um terceiro lugar, que é o próximo objetivo da Confederação Brasileira de Futebol CBF-.

Mas, se eu estivesse presente, perguntaria se alguém da comissão técnica considera ser digno de capitanear a seleção brasileira algum jogador que chore em campo, se recuse a bater pênalti e atrapalhe o goleiro adversário na reposição de bola, no lance ingênuo de receber cartão amarelo e ficar de fora da semifinal contra a Alemanha.

Jogado como está sendo fora dos estádios, com influência política e econômica dos poderosos do capitalismo internacional, creio que vai ficando cada vez mais difícil para o Brasil, que não tem o mesmo cacife, chegar ao hexacampeonato mundial de futebol. As seleções da produção industrial de gols estão ficando cada vez mais iguais, e, neste mundial, já vemos que o que resta de talento e gênio na disputa é apenas o argentino Lionel Messi, depois da joelhada de luta livre sofrida pelo brasileiro Neymar.

Como dizia Nelson Rodrigues, a bola é uma ínfimo detalhe no futebol; o mais importante são o drama, a paixão, todas as emoções que  se envolvem. Como que profetizando a arbitragem da Copa de 2014, ele escreveu:

“Sempre digo, nas minhas crônicas, que a arbitragem normal e honesta confere às partidas um tédio profundo, uma mediocridade irremediável. Só o juiz gatuno, o juiz larápio dá ao futebol uma dimensão nova e, se me permitem, shakespeariana. O espetáculo deixa de se resolver em termos chatamente técnicos, táticos e esportivos. Passa a ter uma grandeza específica e terrível. Eis a verdade: - o juiz ladrão revolve, no time prejudicado e respectiva torcida, esse fundo de crueldade, de insânia, de ódio que existe, adormecido, no mais íntegro dos seres. O mínimo que nos ocorre é beber-lhe o sangue. ("Um gol cravado no peito inimigo", 21/4/1956).
Esta copa  foi montada debaixo de protestos nas ruas e vaias à Presidente Dilma, rodando no mesmo trilho das eleições  presidenciais e parlamentares de outubro vindouro. A goleada sofrida pela seleção brasileira prejudicará eleitoralmente a Presidente Dilma Rousseff, e não há pesquisa eleitoral que consiga amenizar essa tendência. A menos que os brasileiros se satisfaçam com o terceiro lugar... 

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