segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Corporativismo blinda políticos



Alguém acredita que um tribunal superior, cujos juízes são nomeados pelo Presidente da República, possa algum dia julgar ou permitir o julgamento e a condenação de quem os nomeou, como é o caso do Supremo Tribunal Federal –STF- no Brasil?

A questão se coloca desta vez com base na solicitação feita pela Polícia Federal ao Supremo Tribunal Federal para ouvir o ex-presidente Lula no âmbito da “Operação Lava-Jato”, como ”informante”, poupado de ser considerado “depoente”.

Em princípio, haveria restrições a essa convocação, com base na Constituição Federal, que estabelece: “§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

Este artigo, a meu ver, não inibe a convocação de Lula, mas, também, não torna explícita a vedação do ato. Creio que Lula vem sendo blindado mesmo por razões políticas, e mais ainda: O Corporativismo político, que é muito forte no Brasil.

O impeachment do presidente Fernando Collor, em 1994, mostrou que o STF inocentou com voto da maioria (cinco contra três) o Presidente, mas até quem tinha sido nomeado por ele, como o ministro Carlos Velloso, votou pela condenação. Muito se critica a nomeação dos membros do STF pelo Presidente da República - que é o Supremo Magistrado do País -, mas não se tem comprovado que o ministro nomeado deixe de atuar com a isenção que se exige de um juiz.

A situação atual de composição do STF revela que só três dos onze ministros não foram nomeados pelos presidentes Lula e Dilma Rousseff: José Celso de Mello Filho (Sarney), Marco Aurélio Mendes de Farias Mello (Collor) e Gilmar Ferreira Mendes (Fernando Henrique). Em tese, os ex-presidentes Sarney, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, e a Presidenta Dilma Rousseff, são os compositores do atual STF.

Lula e Dilma são visceralmente unidos politicamente; FHC e Collor compactuaram com muita coisa que a coalizão governamental PMDB/PT praticou, em nome da governabilidade. A oposição do tucano Aécio foi milimetricamente combinada com a manutenção do status quo na última disputa presidencial, porque há consenso entre Situação e Oposição de que o Brasil não resistiria a uma ruptura político-institucional que afugentasse os investidores, da mesma forma como ainda há importantes bolsões do sistema político brasileiro que não admitem o impeachment de Dilma, embora a atual Presidenta disponha de pouco apoio popular. Ocupando a cimeira do condomínio político em que se transformou o Brasil, o PMDB não quer saber de contrariar interesses econômicos e financeiros nacionais e internacionais.

Lula já teria que ser interrogado sobre o processo do Mensalão, que foi a compra de votos do Congresso Nacional através de um esquema de propinas articulado pelo seu chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, também um dos mentores do esquema de corrupção na Petrobrás apurado pela “Operação Lava Jato”.

Lula segue ileso, assim como Dilma, que foi naquele período ministra das Minas e Energia e presidiu o conselho da estatal. Mas a Oposição sabia de tudo que estava acontecendo, e, de certa forma, foi conivente, porque não há nada no céu  e na terra da política que não esteja sob a percepção de quem participa direta ou indiretamente do poder. E os políticos mais poderosos, com raras exceções, jogam corporativamente, acreditando, nesses tempos de miscelânea ideológica, que a ética de resultados e a única que existe na política.

Não é só no Brasil, mas no mundo inteiro, que acontece esse declínio da valorização do bem comum. Ouvi uma entrevista do ex-ministro Delfim Netto, na TV BANDEIRANTES, em que ele louva o aperfeiçoamento das instituições policiais e de fiscalização do Estado (Polícia Federal, Procuradoria Geral da República, Procuradorias Estaduais, etc.) em benefício do aperfeiçoamento democrático e atribui esse fenômeno hodierno ao sufrágio universal.

Segundo o ex-ministro, com esse aperfeiçoamento democrático, os mecanismos de combate à corrupção se tornam mais eficazes e, evidentemente, muitos criminosos são descobertos e punidos.

Penso contrariamente ao Ministro. O sufrágio universal realmente aprimora a democracia, mas o bem comum a ser visado sofre com a precariedade do planejamento estatal, em muito condicionado à aprovação de um povo, como no Brasil, com baixa educação política e sem condição de maior participação na formulação e execução das políticas públicas. Assim, as elites reforçam cada vez mais seu papel de protagonismo com exclusão da não- elite do processo de decisão e execução políticas.

Stanislaw Ponte Preta dizia: “Restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos”. No Brasil atual, percebe-se o valor de tal proposta, no sentido negativo de locupletacão geral na política, com a prevalência da ética de resultados. O Corporativismo na política é um fato comum e até natural no Brasil. Conheço diversos trabalhos acadêmicos sobre o assunto e pude observar de perto e constatar , durante décadas, essa realidade.

O Corporativismo é uma instituição sólida e universal, que rege de fato os poderes no Brasil e em muitos países de democracia em consolidação. Como doutrina, segundo consta na Wikipédia, “considera os agrupamentos profissionais como uma estrutura fundamental da organização política, econômica e social e preconiza a concentração das classes produtoras em forma de corporações tuteladas pelo Estado.”Como prática desta doutrina, consiste na defesa dos próprios interesses profissionais por parte de uma categoria funcional; espírito de corpo ou de grupo.”

O regime Salazarista que vigorou em Portugal de 1933 até à revolução de 25 de Abril de 1974 era expressamente corporativista. Também no Brasil, entre os anos de 1930-45, sob a liderança do presidente Getúlio Vargas implantou-se um modelo corporativo de Estado, o chamado Estado Novo, sendo a sua legislação trabalhista claramente calcada na "Carta del Lavoro" de Mussolini. De igual forma, muitos outros países, tais como a França sob o governo do Marechal Pétain (1940-1945), a Argentina sob Juan Domingo Perón (1943-1952), o México sob Lázaro Cárdenas (1934-1940) e a Espanha do Generalíssimo Franco (1939-1973) estabeleceram uma imensa quantidade de leis e organizações inspiradas do ideário corporativista.

Como doutrina, ideologia ou ciência, o Corporativismo ganhou força no Brasil por influência das características políticas autoritárias ibéricas, tais como o Patrimonialismo, o Cartorialismo e o Autoritarismo. Democracia nunca foi mais importante do que o Liberalismo para a Monarquia e o Império do Brasil, que determinava Liberalismo, ainda que sem Democracia.

Hoje, no Congresso Nacional, é visível o fatiamento do poder legislativo em “bancadas” de ordem religiosa, econômica, financeira, etc. Assim, os ruralistas são numerosos, como os evangélicos, os profissionais da saúde, os juristas, os militares e forças auxiliares (policiais civis e militares e bombeiros). Todos se unem dentro dos seus interesses acima dos ideais partidários para garantir verbas orçamentárias e a aprovação de projetos em favor das respectivas classes.

Esse Corporativismo está acima dos programas partidários e das ideologias, podendo entrar em choque com o Capitalismo e o próprio Socialismo, pois é útil ao Estado, com este servindo-se e manipulando as classes profissionais e representativas, inclusive os sindicatos, como se pode constatar facilmente pela tutela exercida abertamente pelo Governo sobre os movimentos sindicais, proporcionando a estes polpudas verbas que podem ser gastas sem prestação legal de contas. É sólido também para os grupos que conquistam e mantém o poder, seja pela via autoritária, seja pela via democrática.

O PMDB é o partido das empreiteiras, que dominam as rédeas políticas do Brasil moderno. O PT, partido da coalizão de governo, representa os interesses da classe trabalhadora privada; o PSDB representa o socialismo democrático; o PDT a democracia trabalhista; o PP o empresariado de direita; o PTB a vertente de centro do trabalhismo, o Democratas as correntes liberais, etc. Assim, as próprias bandeiras partidárias se confundem no Brasil  com os interesses das classes, o que não ocorre em países de democracia madura, com poucos partidos, como  a Inglaterra  e a Alemanha Federal.

Unidos visceralmente na política, Sarney, Lula e Dilma, Fernando Henrique e Collor, e seus  apaniguados representam o Corporativismo reinante na política brasileira e que se impõe  acima das leis e dos tribunais.

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