sexta-feira, 20 de maio de 2016

Socialismo brasileiro: um marxismo de terceira geração

            
 
Aylê-Salassié F. Quintão*
 
              “A esquerda envelheceu”. A afirmação é  do senador Cristovam Buarque, ao justificar o voto em favor do impeachment da presidente Dilma.      Envelheceram militantes  e idéias. No Brasil, poucos, como a presidente brasileira e algumas lideranças do MST insistem, nostálgicos, em exaltar  ainda as virtudes da luta armada. Desprezam  “evidências empíricas”  das violências explícitas que se acumularam  nas tentativas de construção de um mundo socialista .Nem Lula, nem Mujica, nem Fidel fazem isso hoje.
 
             A derrocada  dos regimes comunistas e a perda de prestígio do Partido Comunista  Brasileiro não destruíram, contudo, a força messiânica da doutrina marxista. Ela encontrou abrigo na chamada “Nova Esquerda”,  um conjunto de pensadores pós-modernos  que alimentaram as gerações com novos preceitos. A  transformação  veio após a revolução russa, em que o marxismo-engeliano passou a ser conhecido por marxismo-leninismo, devido ao caráter imprimido por Lênin às ações revolucionárias, marcando, senão um aperfeiçoamento, o início dos desvios dos rumos originais. Stálin deu sequência às mudanças.
 
         No seu livro  “Pensadores da Nova Esquerda (2014), Roger Scruton chama de “ delírio poético “  o ódio da militância livresca  `a sociedade burguesa. Diz que ela é integrada por uma camada de intelectuais, aparentemente descompromissados com as bases do marxismo-leninismo. Com raras exceções, ofereceram às gerações jovens dos anos 70 e 80 um cardápio variado de idéias e concepções de mundo,  desenvolvidas no espaço do imaginário, resultantes de revisões autônomas dos ensinamentos de Marx-Engels-Lênin. Com a memória comunista  em baixa e a adrenalina em alta, aquela juventude  teve acesso, por vias transversas, ao pensamento marxista, incorporando dele variáveis próximas,  similares e, às vezes, distantes. Nesse quadro  de visões e interpretações multifacetadas beberam os novos revolucionários. Surgiram dezenas de grupos independentes organizados para  a contestação dos valores burgueses de várias maneiras, entre as quais a luta armada, que ceifou a vida de milhares de jovens no Brasil.
           
          Erich Fromm, com seu Conceito Humanista de Homem (1962) e o Medo da Liberdade (1983), foi um dos primeiros a abrir o caminho para uma reflexão sobre a autonomia do indivíduo, como sujeito. Quando veio a derrocada comunista, os intelectuais neo-marxistas não tiveram forças para reagir . Lamentaram , contemporizando, alegando  que o comunismo precisava funcionar, no mínimo, como uma “alternativa ao capitalismo” , mesmo que viesse a se comportar de maneira autoritária. Os últimos grandes bastiões do comunismo: a Albânia, fracassou; Cuba,   fraqueja; e a Venezuela está confusa.    Mesmo assim, “[...} um bom punhado das ideias e autores esquerdistas ainda anima um estilo de pensamento anêmico de conteúdo e vitaminado de doutrina, que segue dominante nas áreas de humanidades da academia e na vida intelectual”, diz Scruton.
 
           Sem negar as virtudes das obras, Scruton analisa autores de origem diversas, entre os quais o inglês   E.P. Thompson (A Formação da Classe Operaria Inglesa (1960); o francês Jean Paul Sartre, - leitura obrigatória da juventude da década de 60/70; o crítico húngaro  Gyorgy Lukács, responsável pela perseguição a intelectuais não-comunistas nas universidades do seu país; o italiano Antônio Gramsci, inspirador da juventude e da classe trabalhadora revolucionária no Brasil, para quem - Scruton reproduz  - “ o intelectual de esquerda , verdadeiro agente da revolução, tem o direito  de legislar sobre o homem comum”. Isso explicaria o comportamento autoritário de grupos de intelectuais de esquerda no Brasil. O inglês cita também os norte-americanos Galbraith e Dworkin (um constitucionalista), não comprometidos especificamente com qualquer revolução ;  o francês argelino Michel Foucault e o alemão Junger Habermas, McLuhan, todos considerados por ele de conteúdo marxista anêmicos.
      
           Dependente  associada (Cepal, 1960), conivente ou fascinada pela violência revolucionária, a  intelectualidade brasileira   sobreviverá  em torno do alarde  das ideias desses pensadores, dos quais  as contribuições marxistas foram, aos poucos, desaparecendo, para dar luz [...]  às ideias autoritárias contra a democracia burguesa, as liberdades individuais, e o sistema capitalista . O que sobrou seriam, para Scruton, {...} ruínas e soberba moral fornecida pela ideologia e um conteúdo  apenas vitaminado pelas ideias marxistas no campo das humanidades. Cristovam tem, portanto, razão.Retrocesso ou não, convive-se hoje por aqui com um ente que eu chamo de “marxismo de terceira geração” , que espera ainda por um messias, nem que ele saia de dentro do tubo de imagem da televisão ou da tela do computador.
*Jornalista, professor. Doutor em História Cultural

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