sexta-feira, 22 de julho de 2016

Os médicos cubanos estão indo embora


Aylê-Salassié F. Quintão*
            
              O susto foi geral quando os dez mil cubanos desembarcaram no Brasil , há três anos, para atuar no atendimento à saúde das populações do interior. A surpresa agora é o retorno dos cubanos a Havana. O prazo deles no programa Mais Médicos está terminando. A previsão é a de que daqui para novembro todos terão ido embora. Considerado hoje como uma das melhores iniciativas do governo Dilma, o programa foi recebido, entretanto,  com desconfiança.  Atitudes simbólicas da Presidente, sem vínculos direto com a saúde,  como o estreitamento formal de relações  com lideranças revolucionárias na América e na África e a omissão diante de tragédias de grandes proporções promovidas por grupos de esquerda armada  em todo o mundo, contribuíram para  aprofundar as suspeitas sobre as intenções do seu  governo.  Os médicos cubanos era vistos com uma tropa de choque do regime castrista.
              
                Lançado em 8 de julho de 2013, pelo Governo Federal, o objetivo do Mais Médicos era , contudo, suprir a carência de pessoal de saúde nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades do Brasil. Centenas de municípios do interior, sobretudo da Amazônia, recebiam - ainda hoje - a visita de equipes de saúde, em barcos que transitavam pelos rios e por meio dos mutirões sazonais de saúde . Outros, nem isso.  A malária, a leishmaniose  e um sem número de epidemias  crônicas  na região ficavam sem o atendimento médico adequado, o que ocorria somente quando ameaçavam  chegar às populações dos grandes centros.Os poucos postos de saúde espalhados entre as centenas de  municípios sempre viveram tão cheios quanto os hospitais nas grandes cidades . No alto rio Negro, surgiam casos de doenças tropicais que ninguem conhecia. No interior da Amazônia e no sertão do Nordeste, presenciei episódios dramáticos relacionados com  ausência de assistência médica regular às populações que, certamente, nunca engrossaram as estatísticas da atenção básica à saúde das autoridades e governos.
           
             No Brasil, a distribuição de médicos por mil habitantes nunca correspondeu a um balanço justo entre as cidades maiores e os municípios do interior. Dados do Ministério da Saúde indicam 1,8 profissional para cada grupo de mil habitantes, quantitativo menor que o registrado em países como a Argentina (3,2) e Uruguai (3,7). A desigualdade torna-se  ainda mais expressiva, se tomado,  na Europa, apenas Portugal, com 3,9 médicos por mil habitantes, e a Espanha, com quatro. Há carências de profissionais de saúde no Brasil? . Não. Esse é um indicador nacional. Milhares de especialistas são formados anualmente nas escolas de Medicina e Saúde, com dinheiro público, mas insistem em se instalar  nas cidades maiores e nas capitais.
           
            Portanto, foi no vácuo da insuficiente e precária assistência à saúde do brasileiro do interior e das periferias das grandes cidades que entraram os médicos cubanos. Eram eles, em sua maioria, especializados em Medicina Familiar e Geriatria, alguns dos quais com mais de 20 anos de experiência e atuação em vários países.    Mesmo consciente disso e  das dificuldades da interiorização do pessoal da saúde, as associações de profissionais e o próprio Conselho Nacional de Medicina condenou a vinda dos médicos cubanos. Chegaram a promover atos hostis contra os visitantes.
             
             Os médicos cubanos foram instalados, sobretudo,  em municípios ignorados pelos  profissionais brasileiros, aos quais cabia a prioridade da escolha. A maioria desses municípios tem ainda hoje 20% ou mais dos habitantes vivendo em extrema pobreza, com as populações assoladas por doenças endêmicas. O programa revelara que 63 milhões de brasileiros não possuíam atendimento médico.Agora contavam com os técnicos cubanos, incluindo 34 distritos indígenas.
          
          Eles começaram a trabalhar com  coisas básicas, saúde primária, e a redução da incidência de doenças regrediu muito. Os casos mais comuns  e que poderiam se agravar passaram a ser tratados no local. Avaliações recentes mostram que os médicos cubanos foram uma redenção para aquelas populações do interior e das periferias, e até para eles mesmos. Alguns já estão totalmente integrados com as comunidades e começaram a criar raízes por aqui.
     
        A vinda dos médicos cubanos funcionou não apenas como uma provocação mas, acima de tudo, como um desafio aos profissionais de saúde brasileiros. Espera-se que, com o exemplo dos cubanos, pelo menos as novas gerações das carreiras de saúde descolem-se das zonas de conforto das profissões  , e passem a enxergar um outro País.   Agora os cubanos se vão. Com eles ou sem eles, o governo pretende manter o Mais Médicos. Pode até mudar de nome . Anuncia-se que já tem  selecionados 18.240 médicos – brasileiros e estrangeiros  para serem distribuídos entre 4.058 municípios, o que significaria  uma cobertura de 73% do território brasileiro. No mínimo, uma última lição de Fidel.
*Jornalista e professor. Doutor em História Cultural

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