terça-feira, 8 de novembro de 2016

Eleições,um paradigma ultrapassado?

José Everaldo Ramalho
Para muito além da derrota do PT nas eleições municipais de 2016, que evidenciou o acerto do impeachment da presidente Dilma Vana Rousseff e retirou-lhe trinta e dois dos cinquenta e quatro milhões de votos que a elegeram em 2014, incluindo-se até o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva que alegou a condição de septuagenário para não registrar seu voto neste pleito e ela própria, que declarou também não ter votado, emergiu das urnas a maior abstenção já vista em participações eleitorais brasileiras, cuja principal marca é a obrigatoriedade de comparecimento da cidadania para votar, acompanhada da ameaça de sofrer punições variadas, começando pelo pagamento de multas, que podem tornar mais difícil o seu cotidiano no país de bruzundangas.
Somados os números de abstenções, votos brancos e votos nulos, o resultado superou o número de votos que elegeram os prefeitos, primeiro de São Paulo, depois do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, ao final das apurações nestas capitais, no primeiro e no segundo turnos das eleições, comprovando-se, assim, o descrédito dos políticos e o desencanto do eleitorado com o desempenho descomprometido dos partidos políticos e seus dirigentes para com as verdadeiras demandas de necessidades afligindo as populações brasileiras.
No universo das abstenções, votos em branco e votos nulos destaca-se o Rio de Janeiro, com um volume de mais de quarenta por cento de cidadãos eleitores que rejeitam e desdenham da fórmula secular do sistema eleitoral como via democrática na escolha de seus representantes para comporem os Poderes Executivo e Legislativo, instituições expostas nos jornais, revistas semanais e televisões como antros de indivíduos corruptos, venais e defensores de legislação que os perdoa, seguidamente, do cometimento comprovado de ilicitudes destinadas a esvaziarem os cofres públicos em seu próprio proveito.
Os políticos, em expressiva maioria, parecem não enxergar o óbvio: vivenciamos uma Síndrome da Fadiga Eleitoral, que o crescente número de partidos políticos jamais resolverá, pois esses senhores e essas instituições se apropriam dos poderes Legislativo e Executivo e apenas se preocupam em tentar salvar um modelo esgotado, e nem mesmo a luta incessante e cotidiana do Poder Judiciário será capaz de reformar ou devolver aos trilhos do caminho responsável e justo, como esperam os cidadãos.
Um parênteses:  o que denominamos de Síndrome da Fadiga Eleitoral afeta o mundo inteiro, e é acompanhada de reações enraivecidas dos cidadãos em todo o espaço geográfico dos cinco continentes, basta prestar atenção no Brexit inglês, que apesar da importância da economia do Continente para as finanças inglesas abandonou a União Europeia, balizou o caminho de um Reino Unido desintegrado e cada vez mais dividido entre cidadãos empobrecidos e banqueiros muito ricos, e, por ironia, como diria Shakespeare: “Quem mais sofrerá,  senão a maioria que votou pela saída?”; no surgimento da candidatura vitoriosa do xenófobo Donald Trump nos EUA, mesmo que ele tenha confessado ser um hábil sonegador de impostos; nos dez meses sem governo, graças à indecisão do parlamento espanhol para eleger Mariano Rajoy primeiro-ministro; na indecisão de François Holande em buscar uma solução para abrigar a revoada, quem imaginaria, dos antigos povos colonizados sobre o território francês; no inaceitável drama venezuelano do desrespeito à Constituição pelo presidente Nicolás  Maduro, que se recusa em aceitar a convocação de um plebiscito revogatório inventado por Hugo Chaves e inserido no texto constitucional como pétrea cláusula democrática!; e, no caso brasileiro, além da enxurrada de abstenções de hoje, a enxurrada de cidadãos que ocuparam as ruas em 2013 para protestar contra as decisões políticas que lhes afetam o dia-a-dia sofrido, escudando-se no aumento de 20 centavos nas tarifas dos transportes coletivos, na verdade descontente com a  incapacidade política para encontrar soluções administrativas democráticas e enquadradas nos limites das finanças públicas, e tudo foi feito em meio ao anarquismo dos black blocs que acompanhavam a movimentação das ruas e aproveitavam, como sempre, para vandalizar vitrines bancárias, carros estacionados e latas de lixo.
Em 1762, Jean-Jacques Rousseau, na conhecida obra O Contrato Social, já denunciava: “O povo da Inglaterra engana a si mesmo quando imagina que é livre; de fato, ele é livre somente durante o período para a eleição dos Membros do Parlamento, porque, logo em seguida, tão logo um novo Parlamento é eleito, o povo é novamente acorrentado, e se transforma em nada”.
Em seguida, para comprovar o acerto da análise de Rousseau, surgiu Edmund Burke, filósofo e político britânico, famoso entre os estudiosos de Ciência Política, que se tornou célebre, entre tantos outros feitos pelo ensaio Reflexões sobre a Revolução Francesa, de 1790, por argumentar que, depois de eleito, os eleitores não podiam moldar-lhe a consciência política para o enfrentamento dos debates parlamentares, ou seja, tão logo empossado como representante dos cidadãos eleitores, ele exigia o devido respeito democrático à sua condição de aristocrata político que tomava decisões políticas de acordo com a posição que ocupava na hierarquia das classes sociais.
Aliás, da obra acima referida, podemos citar o pensamento aristocrático de Burke, traduzido do original em língua inglesa: “A ocupação de um cabeleireiro ou de um operário que produz velas não pode ser motivo de orgulho para ninguém – isto para não nos referirmos a outras profissões mais subservientes. Tais descrições de profissões humanas não devem sofrer discriminação da parte do Estado; mas o Estado sofrerá discriminação se a estes profissionais, individual ou coletivamente, for permitido legislar... Tudo deve estar aberto, mas não indiscriminadamente para qualquer homem. Nenhuma rotatividade, nenhuma indicação por sorteio: nenhuma espécie de eleição que funcione de acordo com o espírito de sorteio ou de rotatividade pode ser boa em um governo que tem que entender de assuntos múltiplos e tão variados”. Neste instante da história da política moderna se deu início ao descarte do modelo Ateniense bi-representativo de participação política, de se adotar a eleição e o sorteio para o preenchimento de cargos e funções públicas.
Ora, a raiva dos cidadãos de hoje comprova o argumento rousseauniano de outrora: depois das eleições, os eleitores passam a nada significar para os eleitos, que, na sua imensa maioria, tão logo empossados nas novas funções políticas, tratam de cuidar e de defender seus próprios interesses pessoais, como no recente exemplo da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, cujos integrantes estão tentando aprovar o direito de se aposentarem após três mandatos, recebendo vencimentos no total de R$ 15.000,00, e somarem a esta mais uma aposentadoria de R$ 12.000,00, no caso de desempenharem função pública por uma única vez, por mais uma legislatura, por exemplo, como secretários municipais, o que, para alguns deles, não seria muito difícil no contexto de negociações políticas com os ocupantes do cargo de prefeito. No caso de Brasília, este tipo de negociação espúria também acontece, pois o Tribunal de Contas local está infestado de ex-sindicalistas,  ex-políticos envolvidos em falcatruas e ex- administradores regionais todos buscando usufruir dos altos salários e aposentadorias oferecidos pelos tribunais de contas estatais, um porto seguro do qual não dispõem os eleitores que os fizeram seus representantes. E no Congresso Nacional, parlamentares apavorados com possíveis desdobramentos da redentora Operação Lava Jato, circula, sem que se possa identificar o pai, ou a mãe, uma proposta de perdão dos crimes de caixa-dois, desde que tenham sido cometidos antes da vigência da nova lei sobre crimes de corrupção política, prestes a ser aprovada por imposição da sociedade.
Um pouco antes de Rousseau, com a adoção do sistema dos três poderes pela Inglaterra, Charles de Secondat, Barão de Montesquieu, deixou como legado triunfal O Espírito das Leis, de 1748, ensaio que consagra e registra a vitória do modelo de separação dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, associado a um sistema eleitoral ungido como democrático porque fundado no conceito do sufrágio universal, em poucas palavras, no direito de cada cidadão representar um voto legítimo e intransferível. Bania-se, assim, o justíssimo modelo bi-representativo das cidades- Estado da antiga Grécia, pelo qual cargos e funções públicas se efetivavam por eleição e também por sorteio.
Eleições por sorteio? Isso deve ser coisa de mentes enlouquecidas que querem destruir o democrático sistema eleitoral vigente há pelo menos dois séculos. Sim, como denunciou Jean-Jacque Rousseau, há dois séculos e meio, um sistema eleitoral cada vez mais influenciado pelos modernos meios de comunicação de massas que se rende prazerosamente ao poder do dinheiro que flui aos borbotões dos bolsos e dos Departamentos de Corrupção dos conglomerados empresariais da Dona Zelite, que, por sua vez, se associa aos políticos para o assalto aos cofres públicos em nome da inclusão social, uma galinha-dos-ovos-de-ouro que não se pretende matar, pelo menos no Brasil e nos demais países do cinturão bolivariano que respira o ar enganador da democracia ungida pelas urnas, que se esgota no próprio instante da deposição do voto na urna ou do registro eletrônico da vontade popular.
Mas, como era mesmo que funcionava o sistema bi-representativo das calendas gregas, misturando eleições e sorteio para a ocupação de cargos públicos?
No decorrer do quinto e do quarto séculos antes de Cristo, na antiga cidade grega de Atenas, de 30.00 a 60.000 cidadãos atenienses disputavam, na ágora, cargos e funções no Conselho dos 500, na Corte do Povo, nas Assembleias do Povo e nas Magistraturas, os mais importantes órgãos de governo, e validavam ocupações públicas preenchidas por meio de sorteio e de eleições.
Vale a pena descobrir, por exemplo, que o Conselho dos 500 era formado por quinhentos cidadãos escolhidos por sorteio, e esse órgão constituía o corpo central de governo da democracia ateniense, sendo responsabilizado pela criação da legislação, pela organização da agenda das Assembleias do Povo, pelo controle das Magistraturas, pelos negócios estrangeiros ou diplomacia, e, finalmente, pela fiscalização das finanças e das políticas públicas. E tudo isso sem contar com a parafernália que a telemática põe à disposição dos senhores governantes do mundo moderno.
Nas Assembleias do Povo, abertas a todo cidadão que dela quisesse participar, desde que não fosse criança, escravo, meteco ou mulher, formadas por mais ou menos 6.000 indivíduos, eram votadas as leis propostas pelo Conselho dos 500, observada a sua legalidade, e selecionados os servidores públicos de alto nível que se inscreviam para serem escolhidos por eleição majoritária para cargos públicos.
A Corte do Povo era também composta por mais ou menos 6.000 cidadãos, e escolhia seus membros por sorteio, todas as manhãs, selecionando dentre aqueles cidadãos presentes e inscritos por iniciativa própria quem responderia pelos julgamentos do dia, transformando-os em magistrados que se responsabilizavam pelo pronunciamento de sentenças, mas antes certificando-se da legalidade das decisões, de acordo com as leis aprovadas pelas Assembleias do Povo, e sua imediata implementação de acordo com cada caso. Vale observar que se era juiz apenas por um dia.
As Magistraturas permanentes eram formadas por 700 magistrados, dos quais 600 eram escolhidos por sorteio entre candidaturas que se apresentavam por sua própria iniciativa, e as cem vagas remanescentes eram preenchidas pela via eleitoral.
Os cidadãos eleitos para o Conselho dos 500 e aqueles que se tornavam Magistrados permaneciam no cargo por um ano, e recebiam pagamento pelo serviço prestado. O tempo máximo de permanência no Conselho dos 500 era de dois períodos não consecutivos, e o modelo de participação democrática permitiu que entre 50 a 70% dos cidadãos com idade acima de trinta anos se sentasse pelo menos uma vez no Conselho. Modelo mais democrático nunca mais foi visto, ou melhor, foi reproduzido, com alterações circunstanciais apenas em Veneza (1268 -1797) e em Florença (1328 – 1530), na Itália, e em Aragão (1350-1715), na Espanha.
A fórmula democrática da antiga Atenas, de dois séculos e meio passados, deixa-nos entender que o Conselho dos 500 controlava o Poder Executivo, enquanto a Corte do Povo preenchia o papel de Poder Judiciário. No entanto, nem tudo eram flores na Grécia berço da democracia: não podemos esquecer o julgamento de Sócrates, símbolo maior da miserável condição humana que está sempre sujeita a imperdoáveis conflitos ideológicos, nesse caso, maculando o modelo democrático ateniense.
A experiência da antiga Grécia foi transformada pela burguesia revolucionária do final do século XVIII, graças à ação dos filósofos e rebeldes americanos e franceses, que não queriam admitir a participação popular nas esferas governamentais, uma tradição que permanece até os dias de hoje: James Madison, considerado o pai intelectual da Constituição americana, argumentava estar convencido, como se descobre no seu ensaio número 10 de O Federalista, que as democracias que antecederam o movimento revolucionário contra a Inglaterra tinham sido “espetáculos de turbulência e desentendimento”, e, em geral, “têm vida curta e se mostram violentas pelo número de mortes causadas”.
Argumentos contra a participação popular, extremamente incentivada no nascedouro do que os gregos chamavam de democracia e, a partir dessa ideia, construíram e puseram em funcionamento o modelo ateniense de governo, em outras palavras, as falas de Edmundo Burke e James Madison, entre tantas outras, criaram o contexto para que, dessa vez, fosse fortalecido e escolhido o termo “república” em substituição ao vocábulo “democracia”, e dentre as duas formas básicas de escolha dos representantes daqueles que se multiplicavam em velocidade progressiva, em grande parte graças a uma mais adequada organização da sociedade, deu-se preferência ao sistema de eleições em detrimento do seu par inseparável, o sistema de sorteios.
E assim as lideranças revolucionárias, nos Estados Unidos e na França, contando com o apoio da tipologia da separação tripartite dos poderes anunciada por Montesquieu, adotaram a república democrática de fato e de direito, solução política que tomou conta da maior parte dos espaços geográficos nacionais no mundo inteiro, uma aristocrática escolha de quem empalma o poder, seja ele um ungido da direita ou um revolucionário da esquerda política, e que serve até para justificar o bolivarianismo do ex-presidente Hugo Chávez, o “socialismo do século XXI” que se encontra acossado nas ruas de uma Venezuela à beira de uma guerra civil.
James Adams, no ano da independência norte-americana, 1776, escreveu Thoughts on Government (Reflexões sobre o Governo), ensaio em que afirma que “a América é muito grande e muito populosa para ser governada diretamente, e este fato impede que se adote simplesmente o modelo de Atenas ou o de Florença, porque eles não funcionariam nessa realidade”, uma análise da qual não se pode discordar. Adams, que se elegeu presidente dos Estados Unidos, nessa mesma época, argumentou que o passo mais importante a ser dado, de acordo com a realidade norte-americana, seria “delegar o poder da maioria para uns poucos dos cidadãos mais sábios e melhores”, pois estes representantes “pensariam, sentir-se-iam, raciocinariam e agiriam como o resto da sociedade”, em resumo, constituiriam “uma miniatura, um retrato exato da maioria do povo”. Hoje sabemos que, em qualquer espaço geográfico desse vasto mundo, um banqueiro não entende as necessidades e as reclamações do povo como a esposa de um pobre padeiro, por exemplo. Um banqueiro é um especialista em dinheiros, fabricar lucros e cobrar juros, cada vez mais altos, a esposa do padeiro entende da luta pela sobrevivência cotidiana, cada vez mais difícil.
Na sequência desta toada, em fevereiro de 1788, no Federalista número 57, James Madison escreveu: “O objetivo de qualquer Constituição é - ou deve ser – antes de tudo escolher como dirigentes as pessoas mais capacitadas para discernir e mais eficientes para assegurar o bem-estar da sociedade; depois, tomar as mais seguras precauções no sentido de conservá-las eficientes enquanto desfrutarem a confiança pública. O processo eletivo para escolher dirigentes é a norma característica do governo republicano. Os meios com que conta esta forma de governo para evitar sua degeneração são numerosos e variados. O mais eficaz consiste na limitação do período dos mandatos, visando a manter uma adequada responsabilidade perante o povo”.
E assim, compreendemos que Adams e Madison se entendiam perfeitamente, mas também compreendemos que, para a mente dos gregos dos tempos de Sócrates e Aristóteles, devia haver a mínima distinção possível entre os governantes e os governados, enquanto para o grande líder e pensador James Madison tal distinção era obrigatória.
Além dos pensadores norte-americanos, o francês Alexis de Tocqueville observou, na prática do dia-a-dia, a democracia republicana imaginada pelos pais fundadores, um novo país em funcionamento, e escreveu uma obra fundamental para se tentar entende-la: A Democracia na América, um livro que tem sua primeira parte publicada em 1835 e a segunda apenas em 1840, tendo seu autor permanecido nos Estados Unidos de maio de 1831 a fevereiro de 1832. É impressionante a capacidade de Tocqueville para captar os detalhes da movimentação dos norte-americanos e seu esforço para construir uma nova sociedade, livre do comando da aristocracia que acompanhava a realeza europeia. Além de observador perspicaz da sociedade que se construía na América, Tocqueville também se debruçou sobre os escritos dos grandes líderes norte-americanos, e de Thomas Jefferson, ele cita: “O poder executivo, em nosso governo, não é o único, não é talvez o principal objeto de minha preocupação. A tirania dos legisladores realmente é e será durante muitos anos ainda, o perigo mais temível. A do poder executivo virá por sua vez, mas num período mais remoto.”
Quanto à participação popular, Tocqueville relata como política e religião se misturavam na construção da nova sociedade: “Vivi temporariamente numa das maiores cidades da União, tendo sido convidado a assistir a uma reunião política cuja finalidade era prestar socorro aos poloneses e fazer chegar a eles armas e dinheiro. Assim, encontrei três mil pessoas reunidas numa sala enorme, que fora preparada para recebê-las. Logo depois, um sacerdote, vestindo os hábitos religiosos, adiantou-se à borda do estrado destinado aos oradores. Os assistentes, depois de terem-se descoberto, puseram-se de pé em silêncio, e ele falou nestes termos: Deus Todo-Poderoso! Deus dos exércitos! Vós que destes forças e guiastes o braço de nossos pais quando defendiam os direitos sagrados de sua independência nacional...”.
Porém, o que Tocqueville presenciou em 1831 não era mais a participação popular como na Grécia antiga de antes de Cristo, era o abandono das idealizações primeiras do que significava democracia, fazendo-a repousar no princípio da representação que, por muito tempo, cerca de dois séculos, faria dos Estados Unidos o mais poderoso país do mundo, um republicanismo que o tempo transformou em um modelo eleitoral que se mostra esgotado, que se sustenta em marqueteiros, os novos ilusionistas de multidões, capazes, com sua arte, de eleger um poste para presidente da República.
Aristocracia, em grego, tem o significado de “governo conduzido pelos melhores”, que o mundo moderno mudou, em especial no caso brasileiro, para “governo dos mais espertos e mais cínicos”, de “governo dos caras- de- pau, dos mentirosos”, dos que “conduzem o desvio dos recursos públicos em proveito próprio”, enfim, “dos ladravazes que assaltam as finanças públicas”, sem dó nem piedade, e que se danem os pobres e os eleitores da República Democrática, de fato e de direito. A propósito, os norte-americanos de hoje se referem a Washington, a capital dos Estados Unidos, como “o brejo, a capital que abriga uma elite voraz, corrupta e indiferente à sorte dos humildes”, uma apreciação que não difere do que pensam os brasileiros de sua capital, Brasília.  
Com a adoção do republicanismo, surgem, a partir de 1850, os partidos políticos, a ferramenta ideal para se alcançar o poder através do voto, e no referido início eram temidos pela aristocracia ocupante dos palácios símbolos do governo, basta lembrar a fala de Odilon Barrot, um senador francês, registrada por Karl Marx em passagem do O 18 de Brumário de Luís Bonaparte: “A legalidade nos mata”, porque a luta na época era pelo direito de votar estendido a todas as classes sociais.
Mas, para que servem os partidos políticos, hoje? A lei de ferro das oligarquias, de Robert Michels, o sociólogo alemão, mostra que servem para abrigar e enriquecer seus “donos”, criaturas que se apresentam como Adolf Hitler, com o seu Partido Nacional Socialista, que fez-se milionário com a venda do seu livro Mein Kampf, ou como Luís Inácio Lula da Silva, com o seu Partido dos Trabalhadores, também milionário com a venda de suas empolgantes palestras, políticos populistas que encantam as multidões carentes de rumo ou de comida, e falando de pureza racial ou de inclusão social permanecem por longas temporadas com as rédeas do poder nas mãos, para cujo exercício democrático não estão preparados. Para tais criaturas, vale qualquer desculpa para a tomada do poder político, seja a ocupação do espaço vital defendida pelo líder alemão, ou a necessária Bolsa Família, copiada pelo líder brasileiro.
Em resumo, os partidos políticos servem para qualquer coisa, para tudo ou para nada. Por exemplo, para defenderem um naco do fundo partidário ou ideias como a do orçamento participativo, que de participação popular e democrática tem muito pouco, servindo muito mais como propaganda enganosa de uma forma de democracia direta: põe-se o povo para discutir a alocação de 5% a 10% dos recursos orçamentários à disposição dos governantes e considera-se que tal ilusionismo é a mais pura democracia.
Enfim, cansados estamos todos, os eleitores iludidos pelo republicanismo sem a participação cidadã direta,  que não pode ser copiada exatamente da Atenas grega de quatro mil anos atrás, mas que está reagindo, na Europa e nos Estados Unidos, e buscando formas de democracia direta e indireta que os políticos encastelados nos poderes Executivo e Legislativo repudiam, tanto lá como em nossas plagas, por saberem que a descoberta, invenção e adoção de práticas que lhes coíbam as atitudes ilícitas não permitirão a continuidade descarada do assalto indiscriminado às finanças do Estado, as administrações viciadas em ultrapassadas visões ideológicas que enganam não apenas as multidões de despossuídos, mas, em especial, os líderes políticos, os dirigentes de sua graça, e, por fim, os milhares de militontos que os seguem com fanatismo absoluto.
Para concluir este ensaio sobre o ultrapassado sistema único eleitoral, lembramos que é chegada a hora de resgatarmos a possibilidade de adoção de um sistema bi-representativo, em que o sorteio de cidadãos livres da submissão de vínculos partidários se torne uma realidade, cidadãos que se apresentem voluntariamente para o trabalho político, e, se em tempo integral, um trabalho até remunerado, uma atividade política em paralelo às casas de representantes eleitos.
Que esta não seja uma ideia ignorada, nem ridicularizada, porque o tempo, senhor da razão, mostrará que, com certeza, é uma sábia ideia em tempos tão desmoralizados pela constante malversação dos dinheiros públicos.
José Everaldo Ramalho, 76, graduado em Direito, tem especialização em Parlamento e Direito e em Ciência Política, foi CNE na Comissão do Mercosul e Secretário Parlamentar na Câmara dos Deputados, em Brasília, por duas décadas, além de servidor público concursado por 35 anos.
Telefone para trabalhos: (061) 99199-7131     e-mail: joseeramalho@gmail.com

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