Presumo
que os ministros da Justiça, Eduardo Cardozo, e da Educação, Aloízio
Mercadante, são profundos conhecedores do subsistema eleitoral-partidário e dos
institutos do plebiscito e do referendo, tal o empenho com que eles se dedicam
a convencer políticos, a mídia e a opinião pública de que a reforma política
deve ser feita pela via plebiscitária.
Mais
comedido e realista, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia
(PT-SP), manifestou dúvidas e preocupações sobre a realização de um plebiscito
para a reforma política, proposta pela Presidente Dilma Rousseff.
Chinaglia,
que já foi presidente da Câmara dos Deputados e conhece muito bem os meandros
parlamentares, lembrou que a reforma política vem sendo debatida, há décadas,
por parlamentares experientes, e nunca se chegou a um acordo. Um plebiscito,
segundo aduziu, em entrevista à imprensa, demandaria tempo maior para ser
feito, num prazo difícil de se prever.
Antes de avançar no assunto, quero manifestar meu espanto diante do fato de os parlamentares da Oposição - Partido da Social-Democracia Brasileira -PSDB-, Democratas -DEM - e Partido Popular Socialista -PPS- admitirem que se possa fazer reforma política via referendo. Vejo que também a oposição atira à esmo nesse tema dos mecanismos da democracia direta, ao qual nem os políticos, nem as massas e nem as elites estão acostumados, para desespero de uma das maiores entusiastas desse regime, a ex-prefeita de São Paulo, deputada Luiz Erundina , do Partido Socialista Brasileiro -PSB- de São Paulo.
Tive
a oportunidade de acompanhar de perto o trabalho de eminentes juristas e
parlamentares, empenhados no aprimoramento do Código Eleitoral, entre os quais
Michel Temer, atual vice-presidente da República; deputado Bonifácio de
Andrada, descendente do Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e
Silva; Ibrahim-Abi-Ackel, ex-ministro da Justiça; ex-ministro Bernardo Cabral;
ex-ministro Nelson Jobim; ex-senador Afonso Arinos de Mello Franco, já falecido; o
ex-ministro Oscar Dias Corrêia; o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal,
ex-ministro da Justiça e ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Célio Borja; ex-ministro
Josaphat Marinho, ex-ministro e senador Paulo Brossard; ex-ministro Maurício
Corrêa; ex-deputado Laerte Vieira,etc..., todos cabeças luminares e nomes certos de qualquer lista de notáveis do
Direito Eleitoral.
Serão
oito questões a serem formuladas pelo governo, numa consulta plebiscitária, que
definirão os rumos da representação política no Brasil, ao arrepio do Código
Eleitoral e de toda uma deontologia do subsistema eleitoral e partidário?
Plebiscito
não é enquete, que se faz hoje com regularidade sobre muitos temas, de forma
interativa, pela internet. Plebiscito exige formulações de questões, um processo
que é extremamente complexo na ciência e que atormenta os candidatos aos cursos
de pós-graduação, em sua maioria incapazes de atender com rigor os pressupostos
de uma formulação rigorosamente correta (e não são poucos os professores que
escorregam no mesmo desafio). Einstein dizia que uma questão bem formulada já
traz em si a resposta...
Certamente,
a presidente Dilma e seus ministros entusiastas do plebiscito devem ter
especialistas em marketing político dispostos a empreender essa aventura
bisonha de elaborar oito questões para “matar” o problema da reforma política,
com base no feedback do povo...
Naturalmente,
todos os líderes dos partidos aliados no Congresso Nacional apoiam esse
plebiscito, como garante Mercadante, porque estão inteiramente a par da matéria
e saberão conduzir os debates e as votações com a eficácia que o Planalto
deseja...
Reforma
política não é financiamento de campanha e modalidade de voto (distrital misto e
proporcional). Reforma política não é o subsistema eleitoral-partidário... Reforma
política é a reforma
geral do sistema político, com base nas instituições políticas, nos órgãos
institucionais, nos atores políticos e
nas interações entre todas as unidades desse sistema... Eu diria que é uma tarefa-sem-fim,
porque, se fosse viável, a curto ou médio prazo, não seria reforma, mas, sim,
revolução.
A
intencionalidade do Palácio do Planalto tem o sentido de uma revolução, e não
de uma reforma política, que esta requer muito tempo, pois “o tempo não perdoa
o que se faz sem ele” (uma frase que Ulysses Guimarães apreciava muito). O
risco é elevadíssimo para a Presidente Dilma tentar essa manobra via
plebiscito. Quanto aos apologistas desse plano, não têm muito a perder,
conforme o raciocínio de todos os pescadores de águas turvas...
Na
política, o problema não é o ato em si, mas os seus desdobramentos. Plebiscito
e referendo são mecanismos magníficos, mas não para uma reforma política, que
necessita de muita reflexão, observação da cultura política, análise estrutural
e das conjunturas interna e externa, tempo de maturação...
O
Brasil seria o primeiro país constitucionalista da atualidade a revogar a
representação política, eliminando os partidos políticos e o direito de o
cidadão votar e ser votado, e materializando a utópica visão de Rousseau, na
qual não há intermediário entre governante e governados, na democracia direta.
Democracia participativa o Brasil já tem, mesmo sendo pouco exercitada,
conforme a Constituição estabelece sobre o poder popular de iniciativa das leis.
Ou
o País está diante de uma manobra diversionista, para amenizar o furor das
ruas, ou o Planalto e as lideranças no Congresso estão sendo manipulados por fabricantes
de utopias, com prejuízo para as reais conquistas políticas, sociais e
econômicas até aqui obtidas pela nação. Há ainda uma terceira possibilidade de especulação: Um caso de espionagem política: O Governo detectou esse projeto de plebiscito como arma secreta de algum partido oposicionista (quem sabe o de Eduardo Campos ou de Aécio Neves) e está tentando se apropriar da ideia, como Fernando Collor fez se apropriando de ideias do PT de Lula. Está comendo gato por lebre....