Adriano Benayon *
Por que milhões de pessoas vão às
ruas manifestar-se, mesmo sem ter tido conhecimento dos passos mais recentes
dados pelos poderes do Estado no sentido da destruição do País?
2. Claro que para revoltar-se nem
precisam estar bem informados. Basta sentir os sofrimentos decorrentes de
problemas que continuam agravando-se : 1) transporte público insuportável e,
além disso, nas grandes cidades, transporte particular inviabilizado pelo
excesso de veículos; 2) acesso difícil ou inexistente a serviços
públicos de saúde e de educação, de alguma qualidade, além de, no âmbito
privado, preços absurdos sem qualidade correspondente; 3) salários
baixos; 4) preços elevados, em mercados dominados por empresas e bancos
concentradores; 5) impostos e taxas numerosos e custosos.
3. Credita-se ter desencadeado a
faísca ao Movimento do Passe Livre (MPL), baseado em São Paulo e outras
cidades, organizado há anos e voltado para objetivos justos, embora limitados
4. O momento em que surgiram os
protestos devidos ao aumento das passagens de ônibus em São Paulo, coincidiu
com os jogos da Copa das Confederações, a qual expôs os superfaturamentos e
outros absurdos ligados à construção dos estádios.
5. É compreensível que associem esses
gastos suntuários às carências no atendimento das necessidades da população.
6. Falta, porém, elevar mais o número
dos manifestantes e motivá-los a lutar pela erradicação das verdadeiras causas
das desditas do povo. Para isso é urgente disseminar, para dezenas de
milhões de brasileiros, as informações econômicas e políticas relevantes.
7. Dizer-lhes, por exemplo: Os gastos com a dívida pública absorveram
43,98% dos recursos federais em 2012. Mais de R$ 750 bilhões. Para a
saúde foram destinados somente 4,17% desses recursos;3,34% à educação; 0,7 aos transportes;
0,39% à segurança e 0,01% à habitação.
8. Os R$ 750 bilhões para a
dívida equivalem a quase o total dos investimentos públicos e privados no mesmo
ano. Significa que se esse dinheiro fosse investido produtivamente, em vez de
dilapidado em despesas financeiras, poderiam ser dobrados os gastos
realizados na produção e na geração de empregos.
9. Desde 1988 foram gastos 10
trilhões de reais com a dívida pública. Um trilhão é mil vezes um bilhão, e um
bilhão é mil vezes um milhão, que é mil vezes mil.
10. De onde veio isso: A indústria
e os mercados são controlados por empresas estrangeiras, que remetem dinheiro
ao exterior de mais de quinze modos. Os bens e serviços que vendemos são
subfaturados, e os que compramos são superfaturados.
11. Então se acumulam as dívidas. O
produto de nosso trabalho, os nossos minérios, a produção agrícola, tudo é
mandado para o exterior por quase nada, e o governo ainda premia os exportadores
e os isenta de ICMS e contribuições sociais.
12. Por que é assim? Os
políticos recebem dinheiro das empresas e bancos concentradores para as
eleições e dependem também das TVs comerciais e imprensa, tudo ligado aos
concentradores financeiros.
13. Por isso o problema dos
investimentos produtivos não é só serem poucos, mas serem mal escolhidos e
realizados. Tudo é desenhado, orientado para o ganho dos concentradores:
transportes, educação, saúde, telecomunicações e energia.
14. E também: O transporte está
ruim? Lógico, as ruas estão entulhadas com veículos produzidos por montadoras
estrangeiras, às quais o governo federal, os estaduais e os municipais
dão prêmios e isenções de centenas de bilhões de reais. E não construíram
linhas de metrô. Por isso o trabalhador se desgasta durante cinco horas por dia
dentro das conduções. Não se fazem tampouco hidrovias nem ferrovias para
transportar passageiros e cargas.
15. A corrupção tem efeitos muito
mais graves que os percebidos pela grande maioria dos brasileiros. Esta
se indigna diante dos casos de enriquecimento, na ordem de milhões de
reais, dos políticos e agentes públicos, que a grande mídia resolve expor,
poupando os corruptos mais ligados aos interesses estrangeiros.
16. O povo não protesta, ainda, com a
devida força, contra as lesões praticadas pelo atual governo ao patrimônio
público nos leilões de petróleo - trilhões de dólares entregues
praticamente de graça a petroleiras estrangeiras - nem contra a gradual
destruição da Petrobrás.
17. Ainda por cima Executivo e
Legislativo fazem demagogia decretando que 75% dos royalties do petróleo sejam
carreados para a educação e 25% para a saúde. Ora, esses percentuais
incidem sobre praticamente nada, além de a produção ainda demorar, os royalties
são 10% das receitas subdeclaradas (o governo não controla o que sai).
18. Ainda se manifesta pouco contra
as concessões de ferrovias, portos e aeroportos financiadas pelo BNDES.
Igual com os empréstimos de grande vulto para empresas concentradoras e para as
parcerias público-privadas nos investimentos de infra-estrutura, em que o
setor privado tem lucros garantidos pelo Estado, sem sequer investir.
19. Não se mostra ao povo de que modo
os bancos obtêm ganhos colossais. Apenas três bancos privados - Itaú, Bradesco
e Santander - somam lucros anuais de R$ 30 bilhões, emprestando e
aplicando dinheiro dos depositantes. E o art. 164 da Constituição obriga o
Banco Central a financiar somente os bancos, proibindo-o de financiar o próprio
Tesouro Nacional.
20. Ignoram-se, ainda, os prejuízos
de trilhões de reais que resultaram das privatizações de FHC, como a da Vale, a
do BANESPA, dado ao Santander, e as das siderúrgicas. E as de serviços públicos
extorsivos e deficientes, como a eletricidade e as telecomunicações.
21. Nem falam das antigas estradas
construídas com dinheiro público, mal conservadas e entregues a
concessionárias, que se cevam através de absurdos pedágios. E ninguém constroi
novas.
22. Está, pois, na hora de o povo ser
informado do que precisa saber para exigir instituições que revertam a
lastimável situação do País.
23. Conscientizá-lo de que a luta é
árdua. A mídia condenará as manifestações quando focarem no que interessa, e
recrudescerá a repressão policial, inexistente para vândalos e assaltantes.
24. Mas o povo terá de enfrentar isso
tudo, se não quiser, mais uma vez, servir de massa de manobra para os
interesses que o têm mantido sem perspectivas de se libertar. Libertar-se das
imposições de potências estrangeiras, brutais embora ocultadas.
25. Em suma, ter-se-á de ir ao fundo
da questão: exigir autodeterminação, só possível num sistema político em que os
governantes não sejam escolhidos, cooptados, corrompidos nem acuados pelos
concentradores.
26. Os obstáculos são muitos. Um dos
principais é o tradicional jogo do império anglo-americano, de incitar o ódio
ideológico. Para vencê-lo, os brasileiros têm de se unir em torno de questões
concretas pautadas pelo interesse nacional.
27. Por exemplo, os manipuladores
qualificam o governo de socialista ou neocomunista, quando as políticas dele
privilegiam a oligarquia financeira imperial. Enquanto isso, partidos como o PT
e PCdoB espalham o mito de serem de esquerda.
28. O programa de reconstrução do
Brasil deve priorizar a reindustrialização sob capital nacional e dar ênfase à
defesa do País. O oposto do que acabam de fazer lideranças da Câmara dos
Deputados desengavetando o acordo que cede aos EUA, potência balística,
nuclear e imperial, a base de lançamento de foguetes em Alcântara.
* Adriano
Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento
Nenhum comentário:
Postar um comentário