terça-feira, 16 de setembro de 2014

Transporte urbano, uma questão política


 
Recebi do engenheiro Félix Feichas Cabral, de Belo Horizonte, o seguinte comentário referente ao artigo “Mobilidade Urbana”, de Luiz Flávio Autran Monteiro Gomes,  publicado em Ciência Hoje 317, volume 53, de agosto de 2014:
Sou leitor da revista Ciência Hoje desde meados da década de 80, quando era estudante de graduação de Engenharia. Hoje sou assinante da revista. Parabenizo a “Ciência Hoje” pela grande quantidade de informação confiável, abrangente e acessível.
Gostaria também de manifestar meu apreço pelo artigo publicado pelo Sr. Luiz Flávio Autran (“Mobilidade Urbana”). Sou apenas um cidadão comum, usuário de sistemas de transporte urbano em várias cidades (Belo Horizonte, São Paulo, Brasília, Rio, Curitiba) onde moro e trabalho. Portanto, não tenho a menor pretensão de travar qualquer discussão acadêmica sobre sistemas de transporte, até por que nunca fiz sequer uma disciplina da área. Porém sou também um cidadão urbano. Respiro o monóxido das polis brasileiras, portanto sou um ser político.
Sem dúvida, a questão dos sistemas de transporte está muito além da questão técnica. É de fato, uma questão política. O autor aponta um ponto importante, ao mencionar que “aqui a vasta maioria da classe política sempre usou o poder para perpetuar-se na posse desse mesmo poder” (penúltimo parágrafo do artigo). Escrevo esse e-mail para sugerir ao autor, ou outro qualificado, que tenhamos a coragem, de discutir na Ciência Hoje, o parasitismo estatal, a ineficiência da máquina de governo (seja municipal, estadual e federal). A classe política é parte da colônia parasitária. Em outras palavras, sugiro avançar mais além do subtítulo do artigo: “Tentando sair da inércia” ESTATAL (eu completei o subtítulo com a última palavra).
Entendo que a preguiça (ou inércia) estatal – filha direta da estabilidade no emprego, subproduto da remuneração sem méritos, afilhada do apadrinhamento político, filha bastarda da administração pública paternalista, mais preocupada em agradar seus servidores do que àqueles que pagam seus salários, os contribuintes e cidadãos – essa preguiça é a prostituta que pare a corrupção, seduz a classe média com promessas de concursos públicos fabulosos, e é concubina do político profissional. Este político profissional (classe política) é o mesmo que o autor mencionou, descendente dos capitães hereditários de outrora, e que hoje elegem gerações de políticos sobre gerações de políticos do mesmo clã.
Antes de seguir, faço um parêntese: não estou descartando a democracia representativa, nem o Congresso. Não sou saudosista dos tempos de Garrastazu Medici. A classe política parasita é formada por indivíduos – de direita, de centro, de esquerda – que podem, pela lei, disputar – e se reeleger – infindáveis vezes a um mesmo cargo ou pulando de cargo em cargo sem nada produzir de eficaz. Muitos deles nunca trabalharam na vida. Uma medida simples para erradicar este parasita seria o veto automático a reeleição a um mesmo cargo por mais de duas vezes. Fecho o parêntese. Esse é assunto para outro e-mail.
Voltando ao tema: A classe política é apenas a representante, e faz uso da preguiça estatal. A preguiça estatal é aquela que tem medo da automação dos processos. A preguiça estatal que entra em pânico diante da transparência eletrônica de suas contas. A preguiça estatal que prefere administrar por canetadas (sempre aumentando impostos, é claro), ao invés de transpirar, otimizar, trabalhar, buscar soluções criativas, agregadoras de tecnologia e produtividade.
O transporte urbano é só uma das afiadas pontas desse Iceberg fedorento chamado preguiça estatal. O Estado deveria gerir o crescimento urbano não apenas definindo planos diretores, decretando (“canetando” ) pedágios ou áreas proibidas a circulação de carros particulares. O Estado que fiscaliza e pune precisa gerenciar apresentando resultados concretos e alternativas reais para suas “canetadas”. Para apresentar alternativas, precisa investir, usar eficiente e eficazmente o suado salário do trabalhador – saqueado pelos impostos – para construir meios de transporte rápidos, acessíveis, confortáveis, confiáveis, seguros e de alta capilaridade.
Assim, para ir além do subtítulo do artigo (“Tentando sair da inércia” estatal), sugiro um estudo comparativo dos órgãos gestores do transporte urbano em algumas áreas metropolitanas no mundo. Gostaria de ver nessa revista um artigo corajoso que aponte alguns indicadores (números falam mais e melhor) como por exemplo:
1.     Do compartilhamento (tanto dos alvos estratégicos, quanto do gasto de capital (capex), operacional (opex)) das Municipalidades de uma região metropolitana visando soluções compartilhadas de transporte da área metropolitana;
2.     O volume per capita (em R$/ per capita) arrecadado em impostos e repasses de verbas pelas prefeituras da área metropolitana (Receita bruta);
3.     Deste volume, qual a destinação de recursos:
a.     Para o pagamento da retaguarda administrativa (backoffice);
b.     Para o pagamento dos serviços diretos prestados à comunidade (professores, médicos, segurança pública, etc.)
c.      Para investimentos em melhorias urbanas, dentre elas, redes de metrô, BRTs, ciclovias, etc.
4.     O resultado aferido pelos sistemas de transporte destas mesmas áreas metropolitanas:
a.     % da população atendida por meios rápidos de transporte (definindo meio rápido com pelo menos 50 km/h, na média);
b.     Tempo médio de deslocamento entre local de moradia e local de trabalho;
c.      Valor médio pago pela tarifa deste meio de transporte (em R$/ km);
d.     Taxa média de ocupação destes meios de transporte (passageiros/ m2 de veículo de transporte), no intervalo de 06h00 às 09h00 da manhã, por exemplo.
Para assegurar a isenção do estudo, cidades de diversas regiões (e diferentes tipos de administração pública) poderiam ser incluídas: São Paulo, Rio, Brasília, Buenos Aires, Santiago do Chile, Bogotá, Caracas, Cidade do México, Nova Iorque, Los Angeles, Toronto, Paris, Berlim, Londres, Moscou, Nova Deli, Xangai, Pequim, Tóquio, Islamabad, Jacarta, Nairóbi, Cairo, Lagos, Cidade do Cabo, Sydney. Sei, de antemão, que algumas destas cidades muito certamente não terão dados disponíveis, vencidas também pela sua própria preguiça estatal e falta de transparência.
Sem números para a comparação corremos o risco de ficarmos na esfera da opinião, ou das discussões inócuas. Somente com números e evidências concretas seria possível provar a minha própria ignorância, e de que eu estaria errado. Quem sabe estes números demonstram que a eficiência e eficácia do transporte urbano se dão apenas na razão direta do investimento em educação, mais do que na boa gestão do Estado. Assim eu falarei menos do parasitismo estatal, e terei que aceitar que as mudanças aqui no Brasil serão presenciadas apenas pelos netos de minhas filhas. Lá, quem sabe, o Brasil terá uma população educada.

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