Adriano
Benayon * - 16.10.2015
1.Demonstrando
abissal ignorância sobre o que é, ou não, estratégico, ou então desprezo pela
segurança nacional, os falsos desenvolvimentistas, desde JK (1956-1960),
consideraram que bastava ter sob comando nacional as telecomunicações, a
energia, notadamente o petróleo, e a área nuclear.
2.
Se olhassem com seriedade para a História, teriam percebido que nenhum país foi
capaz de se defender, tendo entregado sua economia e suas finanças a controle
estrangeiro. Isso se tornou cada vez mais nítido, à medida que a capacidade bélica foi ficando
mais dependente da indústria e da tecnologia.
3.
Mas, mesmo antes do século XVIII, quando a sorte nas armas se vinculou à
mecânica pesada e às indústrias básicas -
que lhe fornecem insumos -, as guerras, sempre foram movidas a dinheiro,
tal como a política.
4.
Revela-se, pois, enorme e múltipla a leviandade dos dirigentes do País, uma vez
que o “modelo econômico brasileiro”, de JK aos governos militares, se
caracterizou, não só pela dependência tecnológica, mas também pela dependência
financeira.
5.
Depois, isso continuou a agravar-se, culminando com as manipulações eleitorais
que levaram às presidências de Collor e FHC, nas quais, além de tudo, as Forças
Armadas foram deliberadamente debilitadas.
6.
E por que isso foi possível? Porque quem monopoliza o dinheiro grosso e comanda
a mídia submissa, determina as políticas.
Claro que essas não foram as de interesse do País.
7.
Acaso? Não, mas, sim, algo que se desenhou com o golpe de agosto de 1954, quando as decisões
econômicas foram entregues a “técnicos” do agrado dos centros financeiros
angloamericanos.
8.
Desde o final dos anos 50, o domínio dos carteis multinacionais sobre a
economia resultou em enormes déficits de transações correntes: esses carteis
transferiram ao exterior – principalmente como despesas - lucros de fato,
decorrentes dos preços elevadíssimos, no mercado interno, dos bens aqui
produzidos e dos importados, e preços baixos na exportação.
9. Daí derivou absurda dívida externa, inflada também com os juros e demais despesas
decorrentes do financiamento externo de investimentos públicos e privados
efetuados no País.
10.
Afora os colossais pagamentos do serviço da dívida externa, ao exterior, ainda
maiores nos anos seguintes à
Constituição de 1988, parte dessa dívida foi transformada em interna, a
qual passou a crescer exponencialmente, em função de juros e correção monetária
absurdos - mais um sinal de que o País não tem autonomia política.
11.
Montou-se, assim, a engrenagem viciosa, através da qual a dependência política
alimenta o crescimento da dependência econômica, a qual acentua a submissão
política, e assim por diante.
12.
O conceito adotado por pró-imperiais assumidos e inconscientes, era que se
deveria abrir às grandes transnacionais, com matrizes no exterior, as
indústrias de transformação – consideradas não-estratégicas - como a
de bens de consumo durável, inclusive veículos automotores, o ridículo carro-chefe da arrancada para o
falso desenvolvimento.
13.
Tão grande foi a irresponsabilidade para com o País e seu futuro, que - através
das Instruções da SUMOC, a partir de janeiro de 1955 - propiciaram subsídios desmedidos para que os
carteis industriais estrangeiros se assenhoreassem facilmente do mercado
brasileiro, que nunca lhes esteve fechado.
14.
Ademais, permaneceram abertas as brechas que permitiram crescente penetração do
capital estrangeiro no sistema financeiro do País.
15.
Sessenta anos depois, passados numerosos governos aparentemente diferentes,
deu-se a desnacionalização praticamente completa, a causa da
desindustrialização.
16.
O balanço é o pior possível: a) a dívida interna, que continua crescendo
exponencialmente, por efeito da capitalização de absurdos juros, já atingiu
mais de R$ 3,8 trilhões; b) boa parte
dos títulos pertence a residentes no exterior; c) o passivo externo financeiro
bruto – onde avultam os investimentos estrangeiros diretos (IEDs) - supera US$
1 trilhão.
17. Os IEDs acumularam-se principalmente com
recursos estatais, subsídios
governamentais e reinvestimento de lucros, o que denuncia a natureza
autorretroalimentada do processo de desnacionalização.
18.
Finaliza-se o processo, com o enfraquecimento e maior infiltração da própria
Petrobrás por interesses forâneos, além de preparar-se luz verde a petroleiras
transnacionais para apoderar-se das reservas descobertas pela estatal. Além
disso, deterioraram-se e desnacionalizaram-se infra-estruturas essenciais, como
as de energia, transportes e comunicações.
19.
Não bastasse isso tudo, a engenharia,
último ramo sobrevivente com tecnologia competitiva, está sob fogo interno, teleguiado do
exterior, para que os mercados que
conquistou no Brasil, e fora dele, também caiam sob controle de empresas
estrangeiras.
20.
O Brasil está inerme, com seus recursos terrestres, águas e subsolo, dotado de
minerais preciosos e estratégicos, tudo aberto ao saqueio das corporações
estrangeiras. Grande parte do território
amazônico foi subtraído à jurisdição efetiva do País, sob o pretexto de
demarcar terras supostamente indígenas.
21.
Que aconteceria se mudasse de política? A violência das intervenções imperiais
na Líbia, Iraque e Síria, entre outras, deveria
alertar para reverter as
políticas levianas aqui praticadas, há mais de 60 anos.
22.
Mauro Santayana afirma que o Brasil talvez seja o país mais indefeso do mundo,
e o pouco que ainda tem de empresas nacionais na indústria bélica está
sendo adquirido por grupos estrangeiros, ou controlado por estes mediante associações,
principalmente as firmas que
desenvolveram tecnologia militar, nos últimos anos.
23.
A vulnerabilidade decorre também do baixo conteúdo local das peças do
equipamento de defesa, mesmo no caso de blindados ligeiros. Que dizer das
carências em tecnologia eletrônica, até mesmo chips desenhados e fabricados no
País?
24.
Esse é o resultado da entrega, favorecida pelos governos, do controle do grosso
da economia a empresas e grupos financeiros
transnacionais. Era questão de
tempo a entrega também dos setores ditos estratégicos.
25. Em vez de "lideranças" civis e
militares cuidarem disso, ignoraram que o
desenvolvimento econômico verdadeiro só se faz com capital nacional e
tecnologia nacionais.
26. Além disso,
tiveram a visão ofuscada pela crença que lhes foi inculcada, de que o
inimigo estratégico seria o comunismo, termo em que foi abusivamente englobado
tudo que desagradasse o império e seus adeptos locais.
27.
Nas lideranças e cidadãos, em geral, foram incutidas divergências ideológicas que se tornaram fossos
intransponíveis, geradores de exclusões, perseguições e conflitos envenenados.
28.
Assim, além da economia dominada, o que, mormente após a pseudo-democratização
de 1988, levou os interesses antinacionais a controlarem o sistema e as
decisões políticas, acelerando a desindustrialização e primarização da
economia, a falência estratégica foi
acentuada pela falta de coesão nacional.
29.
Para esta deficiência estratégica contribuiu a abertura ao arrasamento da
cultura e dos valores éticos, através da permissividade das “autoridades” para
com os meios de comunicação mundiais e
locais, acompanhada da deformação dos fatos políticos e econômicos em todo o
mundo.
30.
Se é que o poder emana do povo, que poder emanaria de um povo submetido a
processos de psicologia aplicada e a outras intervenções destinadas a
apassivá-lo?
31.
Machiavello ensinou que “o poder emana
do ouro e das armas.” Nesta vertente, como o
Brasil precisa ter poder para viver com dignidade, e até para
sobreviver, impõe-se entender que:
a)
o desenvolvimento econômico e social é indispensável para a defesa e segurança;
b) ele depende de autonomia, tanto nas decisões governamentais como na das
empresas.
* - Adriano Benayon
é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro
Globalização versus Desenvolvimento.