terça-feira, 3 de maio de 2016

A metamorfose ambulante, seu incrível exército Brancaleone e a ocupação do Palácio do Planalto

 José Everaldo Ramalho
Será que o mito Lula chegou ao fim, ou permanecerá, como Peron na Argentina, depois de morto, governando os vivos? À presidente Dilma Rousseff, pelo menos, ele ainda governa, e com os mesmos comandos que levaram o país ao desastroso cenário econômico em que se encontra.
É muito difícil responder a esse questionamento, mas é possível lembrar alguns passos dessa metamorfose ambulante (apelido que ele mesmo, Lula, se pespegou), nos 36 anos de jornada do partido político criado pela aliança intelectual-sindicalista-religiosa para dar-lhe sustentação e vida perante a maltratada sociedade brasileira.
 
Antes das eleições presidenciais de 2002, Lula e o PT endereçaram uma carta-manifesto ao país comprometendo-se a não promoverem a revolução socialista que colocaria o capitalismo nacional de ponta-cabeça, o que agradou e convenceu os empresários, em especial aos banqueiros.
Eleito, Lula, como bom negociador e líder populista, deu inicio à sua coletânea de frases de efeito para atender a Deus e ao Diabo na terra do sol, afirmando, com certeza encantando facções do PT mais à esquerda, que o governante que o antecedera deixara-lhe “uma herança maldita”, ou seja, condenando e negando um legado de finanças públicas em ordem, uma moeda forte perante as comunidades nacional e internacional, uma inflação sob controle e uma economia pronta para seguir se desenvolvendo.
Naquele tempo Lula tinha o apoio popular, classe média inclusive, para propor ao Poder Legislativo propostas de mudanças que eram consideradas inadiáveis para modernizar as estruturas trabalhista, previdenciária, tributária, do Estado e de governo, eleitoral, partidária, penitenciária, de transporte, educacional, fundiária e tantas outras que, se concretizadas, preparariam o Brasil para melhor enfrentar o tempo globalizado que vivemos.
E o que decidiu a metamorfose ambulante oriunda dos confins esturricados do Nordeste brasileiro aboletado no sindicalismo de resultados do ABC paulista, agora sentado na cadeira imperial da presidência da República? Ora, ao invés de procurar cumprir as promessas de transformação do modelo econômico ultrapassado e das carcomidas estruturas do Estado e das principais instituições de governo, Lula fez de conta que tinha se esquecido do prometido como líder partidário e entregou-se a um delicioso projeto de poder sustentado por mentiras criadas por áulicos e acólitos e transformadas em alegorias coloridas pela telemática da propaganda eleitoral e de governo.
E assim se passaram oito anos, de muita festa e inclusão social, e até Barack Obama acreditou que a metamorfose ambulante “era o cara”, líder de um incrível exército Brancaleone formado, por um lado, pela massa de incluídos que se acreditava, finalmente, “no melhor dos mundos possíveis”, e, por outro lado, pelo entrelaçamento entre banqueiros, amigos do peito com entrada livre a qualquer momento no Palácio do Planalto e pelos dirigentes e tesoureiros partidários que se cevavam nas propinas e pseudo doações das empresas nacionais e internacionais, sócios no maior assalto de todos os tempos às arcas de estatais e do Tesouro Nacional brasileiro, sob as rédeas de iluminados burocratas nomeados pelos dirigentes do Partido dos Trabalhadores e aliados, enquanto Lula passeava seu incrível sucesso político e econômico por outras terras, africanas e americanas.
E chegou a vez da mãe do Brasil, escolha exclusiva da metamorfose ambulante-pai do Brasil, por mais oito anos assentar-se na tal cadeira hiperpresidencialista e dar continuidade ao projeto de poder que acredita ser possível, para manter-se eternamente com as rédeas do poder nas mãos, arrecadar dinheiro e distribui-lo messianicamente aos despossuídos da sociedade, transformando-os em vorazes consumidores, qual gafanhotos que consomem tudo aquilo que não produziram e que jamais irão repor, porque não foram preparados nem educados para tanto.
Em outra de suas reviravoltas, a metamorfose ambulante passou a defender, depois de tê-lo inicialmente relegado ao abandono, seu ex-primeiro-ministro, José Dirceu, “o guerreiro do povo brasileiro”, que faturou cerca de 40 milhões de reais prestando consultorias a grandes empreiteiros e lobistas, mesmo estando condenado no processo do mensalão e aprisionado na penitenciária da Papuda, em Brasília.
O trabalho de corrupção cívica do ex-ministro José Dirceu como consultor, um ex-presidente do PT, lembra a atuação de Joseph Stalin na ex-URSS no inicio da carreira política: assaltante de bancos, como revelou o historiador Simon Sebag Montefiore (“Stálin, A corte do czar vermelho”, 2003), tudo em nome da revolução social.
Noutra defesa de companheiros de jornada já considerada célebre nos anais da política nacional e perante a opinião pública, a metamorfose ambulante considerou o ex-presidente José Sarney um cidadão diferenciado do cidadão comum brasileiro, merecedor de tratamento especial até pelo Poder Judiciário. Em tempo: o ex-primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, foi recentemente condenado a 19 meses de prisão por crimes de recebimento de suborno e obstrução da justiça do país, uma vergonha para a nação judia, mas lá a justiça prevaleceu, e nenhuma tropa de choque foi às ruas para defendê-lo nem ele vociferou que era a alma mais honesta do mundo.
Frei Betto, religioso preso e torturado pela ditadura militar instaurada em 1964, fiel seguidor da metamorfose ambulante, que assessorou o Palácio do Planalto durante dois anos do primeiro mandato petista, queixou-se, em reunião “en petit comité” no Palácio da Alvorada, que, ao longo desse tempo, nunca havia conseguido ser recebido pelo chefe da Casa Civil, José Dirceu, por isso mesmo pediu ao presidente que o exonerasse, conforme relatou em sua obra “O Calendário do Poder”, publicado em janeiro de 2007.
Enfim, no exercício da oposição a governantes eleitos antes dele, a metamorfose ambulante sempre se apresentou como um duro acusador dos malfeitos praticados contra os cofres públicos, como um ilibado e ético guerreiro do povo brasileiro em luta permanente contra administradores incompetentes ou desonestos.
Hoje, porém, seus fanáticos seguidores, os parlamentares e dirigentes do Partido dos Trabalhadores formam uma ativa frente em defesa de sua honorabilidade e de um fracassado projeto de poder, não admitindo o papel denunciador da imprensa livre nem o ativismo judicial contra as criativas formas de corrupção que se apoderaram, comprovadamente, dos recursos financeiros entesourados pelo Estado nacional graças ao suor da cidadania. Formas de corrupção que se abraçam fortemente a dirigentes partidários e empresariais, a burocratas públicos e privados e a parlamentares nacionais, como comprova cada fase da operação Lava Jato.
Aliás, a metamorfose ambulante, no vídeo de aniversário dos 36 anos do Partido dos Trabalhadores, admite: “É certo que cometemos erros, e quem comete erros paga pelos erros que cometeu”; mas o atual presidente do partido afirma, com todas as letras, que o ativismo judicial praticado para punir os delitos cometidos pelos dirigentes, burocratas e parlamentares a serviço da sigla que representa os trabalhadores, na verdade atua destruindo o Estado Democrático de Direito.
Conscientes do desastre econômico-financeiro a que fomos conduzidos por lideranças de uma facção política nacional que sonha ultrapassadas teorias de dominação social, ou, se quisermos ampliar, por uma classe política enroscada nas graves acusações de ocultação de patrimônio e enriquecimento por lavagem de dinheiro, graças às vultosas contribuições de empresas arroladas na Operação Lava Jato, só nos resta fazer um importante questionamento:
Diante do perverso momento político brasileiro que vivenciamos, será que Lula sobreviverá para candidatar-se e eleger-se, nas eleições para mais um mandato presidencial em 2018, quando, então, poderá continuar sua trajetória de metamorfoses, para, mais uma vez, tentar concluir, em definitivo, o desmoralizado projeto de poder petista que a sua eleita não conseguiu?
*José Everaldo Ramalho, 75, graduado em Direito, com especialização em Parlamento e Direito, e em Ciência Política, foi Assessor CNE na Comissão do Mercosul por duas décadas, na Câmara dos Deputados em Brasília.

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