sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Paralimpíadas: encontrando uma razão de viver

 
Ayle-Salassié F. Quintão*
 
Cem milhões de brasileiros têm na família pelos menos um portador de necessidades especiais .  O fato resulta em impactos incômodos para o indivíduo e, quase sempre,  em dramas familiares. O professor de História, Jaílson Kalludo (48 anos), faz parte desse cenário. Mas nunca entrou em pânico. “Barreiras existem para serem quebradas”, diz, observando que se o indivíduo tiver um “norte de vida”, seja material ou espiritual, encontra a razão de viver, e preenche qualquer vazio existencial.
 
A prática esportiva é uma alternativa fantástica para superação de limites e de preconceitos. Contribui para a superação física e, sobretudo, psicológica, sem distanciar-se muito das marcas olímpicas. Usain Bolt percorre os 100 metros nas Olimpíadas em 9,86s; nas Paralimpíadas   o cego Smyth o faz em 10,46s, apenas um segundo de diferença. As Paraolimpíadas oferecem um espaço inteiramente novo de convivência humana e percepção de mundo. Os Jogos  são, antes de tudo, um espaço de inclusão social, de troca de experiências  e de fortalecimento da  solidariedade mundial  entre portadores de necessidades especiais. Os atletas terminam por fazerem-se reconhecidos  como pessoas sadias, física e psicologicamente.



            Como tudo começou? A buliçosa platéia berlinense  ficou muda quando (1888) os atletas surdos entraram no ginásio. O impacto público fez surgir os primeiros clubes esportivos para surdos, e inspirou na criação na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos de linguagens de sinais dos surdos que, em geral, por isso são mudos, chamadas ASL , SLB ou SLF. Espalharam-se pelo mundo.  A iniciativa alemã deu origem ainda em 1922 à Organização Mundial de Esportes para Surdos – CISS e, a seguir, aos Jogos Silenciosos, cujas  platéias alcançaram dois milhões de barulhentos espectadores.



          O grande surto paralimpico aconteceu, contudo, a partir do fim da 2ª Guerra, quando milhares de soldados e cidadãos paraplégicos ou tetraplégicos, vítimas dos bombardeios, entravam em pânico, logo após retornar aos lares, ao se perceber mutilados. Coube a Ludwig Guttman, um neurocirurgião de origem judaica, fugido da Alemanha nazista, o introdução de um processo de reabilitação,  usando métodos e práticas esportivas. Acolhido na Inglaterra, ele ajudou a criar o Centro Nacional de Lesionados Medulares de Stoke Mandeville, a noroeste de Londres. Iniciou ali um trabalho de readaptação dessas pessoas para a vida cotidiana.
          
       Em julho de 1948 , no dia da abertura, em Londres, das Olimpíadas, ele abriu também em Stoke Mandeville a primeira competição para atletas com deficiência. Os holandeses se juntariam à competição seguinte, marcando o início do paraolimpismo, cujos primeiros jogos mundiais foram realizados em Roma, em 1960. Ali, cinco mil espectadores acompanharam 400 atletas de 23 países competindo  em cadeiras de rodas, em oito diferentes modalidades esportivas. Em 1964, vieram os Jogos de Tóquio, Japão,  marcado pela presença do príncipe Akahito e da princesa Michiko. Depois, os de Tel-Aviv, Israel, em 1968; Heildelberg, Alemanha (1972),  este agregou amputados e deficientes visuais. Os de  Toronto, Canadá (1976), resultaram na fundação do Comitê Paraolímpico Internacional - IPC. A partir daí, apareceram atletas paraolímpicos profissionalizados, novas tecnologias esportivas, reformas urbanas e a cobertura de televisão para todo o mundo. Novos países foram aderindo ao paralimpismo. Na Rio 2016  estão presentes 159 países, praticamente um recorde, talvez também de público.
           
             O Brasil marcou posição em Seul (1988), na Coréia, conquistando 27 medalhas: quatro de ouro, 10 de prata e 13 de bronze. O destaque foi Luís Cláudio Pereira, que conquistou três medalhas de ouro nas provas de disco, dardo e peso, e estabeleceu três recordes, paralímpicos  mundiais. Ficou em 25º lugar, com os EUA, Alemanha e Inglaterra no topo.   Veio Barcelona, Espanha (1992). Os Jogos Paralímpicos registraram a presença de 3.000 atletas de 83 países, com recordes cada vez mais próximos dos olímpicos. Para receber os atletas paralímpicos, a cidade foi toda adaptada. Sessenta e cinco 65 mil pessoas assistiram a abertura e, pela televisão, acompanharam os Jogos em tempo real. Cerca de 280 recordes mundiais foram superados e mais de 450 medalhas de ouro foram distribuídas em 15 modalidades. Os primeiros atletas brasileiros paraolímpicos com visibilidade internacional começariam a aparecer em Barcelona. Suely Guimarães e Luiz Cláudio Pereira quebraram,  dois recordes mundiais; ela lançamento do disco, ele no de peso. Lá apareceu a velocista Ádria Santos, conquistando sua primeira medalha de ouro.
        
            O prestígio dos Jogos Paraolímpicos cresceu de tal forma que na Olimpíada de Sidney (2000), foi registrada a presença de 3.800 atletas de 122 delegações . Mais de 300 recordes mundiais e paraolímpicos foram batidos. Venderam-se 1,2 milhão de ingressos. O Brasil subiu no ranking para o 24º lugar, com seis medalhas de ouro, 10 de prata e seis de bronze. Os grandes vencedores foram a Austrália, a Inglaterra e a Espanha. Em Londres ( 2012) o Brasil conquistou a sétima posição no quadro geral de medalhas das Paralimpíadas, com 21 pódios: dez ouros, sete pratas e quatro bronzes. Na Rio 2016  meta foi ficar entre os Top Five.  Os brasileiros têm muito a aprender com as Paralimpíadas.
 
*Jornalista, professor, doutor em História Cultural

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