terça-feira, 20 de agosto de 2013

Arte política: "O outro lado do Paraíso"


O regime militar no Brasil, de 1964 a 1985, continua inspirando temas para a literatura, a música, o teatro, a televisão e o cinema, incorporando ao consciente coletivo e à cultura nacionais a leitura e mesmo o revisionismo críticos de um período ainda relativamente desconhecido por uma parte da atual geração de brasileiros que vivenciam a presente democracia.

O livro do jornalista, escritor e editor Luiz Fernando Emediato, intitulado “O outro lado do Paraíso”, que virou best-seller infanto-juvenil, com mais de 120 mil exemplares vendidos, está sendo adaptado ao cinema, através de filme de longa metragem  rodado em Brasília, no Polo de Cinema e Vídeo de Sobradinho.

Na obra, lançada em 1981 (quando eu e Emediato éramos colegas no jornal O Estado de S. Paulo), Nando, um menino de 11 anos, descreve a saga de sua família de garimpeiros de Bocaiúva, em Minas Gerais, no início dos anos 60, que migrou para Brasília, movida pelo sonho do seu pai Antonio, em busca de melhores condições de vida, nos primórdios da inauguração da nova capital, e foi colhida pelo vendaval político gerado pela deposição do presidente João Goulart, em 1963, e a instauração do movimento revolucionário de 64.

Antonio, Maria, Silvinha, Nando e Tuniquinho viram frustradas suas tentativas de encontrar em Brasília “o país de Evilath, onde nasce ouro”, e Antonio acabou sendo preso, acusado de simpatizante do Comunismo..  

O filme, dirigido pelo laureado e jovem cineasta André Ristum (de “O meu País”), é da Geração Filmes/Mercado Cultural e tem orçamento de sete milhões de reais e retrata, como obra de ficção, com flashes-backs em fatos e personalidades daquela época, as vicissitudes impostas àquela família de mineiros e, por extensão, a muitos outros brasileiros discordantes do novo regime.

No elenco, estão presentes atores consagrados junto ao público nacional, como Eduardo Moscovis, Jonas Bloch, Simone Iliescu , Flávio Bauraqui e Murilo Grossi, além do jovem ator Davi Galdeano, como um dos protagonistas, interpretando o menino Nando, em narrativa que faz do drama vivido pela sua família. Marcelo Muller assina o roteiro, e a produção é de Nilson Rodrigues, Luiz Fernando Emediato e Marcio Curi.


É a mais importante película filmada no Polo de Cinema e Vídeo de Sobradinho, construído em 1984 e agora resgatado de um longo período de abandono, reflexo da própria condição anêmica e incipiente do empreendimento cinematográfico na capital.

Convidado pela agência de modelos Magneto Elenco, de Brasília, a participar como figurante nas filmagens, tenho acompanhado as cenas reproduzindo os acampamentos dos pioneiros ou “candangos” que povoavam os canteiros de obras de Taguatinga, hoje uma próspera cidade-satélite do Distrito Federal.

Figurantes mais jovens, meninos e meninas, participam das filmagens com diversas interrogações na cabeça, acerca de uma ficção que retrata a realidade daqueles tempos ,quando  trabalhadores e migrantes de todos os quadrantes do Brasil, a maioria pouco instruída ou analfabeta, tentava exercer a árdua tarefa de sobreviver no trabalho pesado e se alimentar debaixo  do sol, chuva, calor, frio, vento e poeira inclementes, para consolidar a nova capital.

Parte do folclore, naquele tempo, vento contínuo nas construções soprava a poeira fina que entupia os olhos, as narinas e os ouvidos dos “candangos”. Era o “lacerdinha”, alusão a Carlos Lacerda, governador do Estado do Rio de Janeiro, jornalista polêmico e político pertencente à União Democrática Nacional - UDN-, partido das elites urbanas, que fazia feroz oposição à transferência da capital brasileira, da litorânea cidade do Rio de Janeiro para a nova cidade no Planalto Central, iniciativa do Presidente Juscelino Kubitscheck, do Partido Social Democrático-PSD-, partido das elites rurais.

Os “candangos”, que veneravam Juscelino, não perdiam a oportunidade de amaldiçoar Carlos Lacerda, diante de cada “lacerdinha” que rodopiava poeira vermelha e detritos gerados pelo desbaste  da vegetação do cerrado para início das edificações.

O diretor André Ristum aceitou o desafio de fazer o filme inspirado na sua própria história, pois teve sua família perseguida pelo regime militar e foi obrigado a crescer e viver longo tempo fora do Brasil.
Li a obra de Emediato, que interpreto como uma transposição dos mineiros do Romantismo para o Realismo, e acompanho parte das filmagens, como figurante, com a impressão de que o diretor André Ristum e sua equipe têm o grande desafio de fazer o caminho inverso de Emediato, ou seja, o do Realismo do ambiente árido do cerrado nas filmagens para o Romantismo sublimado da estória na tela, com seus tons cinzentos.

A previsão é de que o filme seja lançado entre janeiro e março vindouro, quando transcorre o cinquentenário  da instalação do regime militar em 64.

Um comentário:

  1. Parabéns pela matéria, eu como figurante não conhecia parte da história, agora o texto deu uma boa clareada!!

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