domingo, 10 de abril de 2016

O Poder, A presente crise


Adriano Benayon *
 
A política trata do poder. Como ensinou Maquiavel  - o principal mestre da ciência política – a questão fundamental é conquistar e manter o poder.
2. O nome de Maquiavel ficou, para muitos, associado à crua violência e à falta de escrúpulos que ele descreve, ao avaliar o jogo político. Dizem e repetem que, para ele, os fins justificam os meios, e isso parece ser uma condenação definitiva.
3. Antes de apreciar se essa condenação é bem fundada, e o que está por trás dela, lembro que Maquiavel foi reverenciado por Spinoza, grande gênio da filosofia do Século XVII, quando, a meu ver, a filosofia atingiu seu cume.
4. Pode ter havido filósofos (não muitos) de valor intelectual comparável a Spinoza,  mas nenhum de seu porte ético, o que é interessante em relação ao conceito que ele teve de Maquiavel.
5. Não há como ignorar ou desprezar os fatos. Eles recaem sobre as pessoas. Os povos e as nações têm sido vítimas de exploração,  manipulações e violências inimagináveis, por parte de oligarquias e tiranos. Não é fácil conceber que se possam liberar de tais afrontas a suas vidas e à sua dignidade, sem recurso aos meios que viabilizam dispor de poder.
6. Na lição do próprio Maquiavel, esses meios são o ouro e as armas. No caso, entenda-se a palavra ouro representando a finança, incluindo os patrimônios transformáveis em dinheiro, e o controle dos meios físicos de produção, ou seja, o poder econômico, em seu todo.
7. Não admira que as oligarquias cuidem ciosamente de concentrar esse poder, bem como de manter todo tipo de armas sob seu comando e controle.
8. Diferenciemos os termos oligarquia e elite. Isso é, não só importante, como, amiúde, deixado de lado. A oligarquia é um grupo de pessoas ou famílias que usam seu poder dominando e subjugando os povos e as nações.
9. Elite tem dois sentidos. Um, genérico, abrange também a oligarquia e também qualquer grupo que se destaque por seu valor, incluindo dotes  como liderança, coragem, inteligência, know-how.
10. Este é a elite, propriamente dita, grupo dotado de valor, que tem por meta exercer o poder, assentado no consentimento e na participação da maioria do povo, que precisa fortalecer, educar e preparar, até para enfrentar a oligarquia.
11. Cabe, pois, à verdadeira elite, à qual devem ter acesso oriundos de estratos populares, ligar-se à respectiva nação e liderá-la na formulação de seus projetos de desenvolvimento econômico e social.
12. Maquiavel propugnava, para a Itália de seu tempo (transição do Século XIV para o XV), o comando de um príncipe capaz de unificar a nação, dividida em numerosos Estados e tendo regiões ocupadas por forças militares de potências estrangeiras. Para ele, os príncipes assentariam seu poder, tornando o povo contente.
13. Evidentemente, não havia como alcançar tais objetivos a não ser pelos meios que secularmente sustentam o poder: ouro e armas.
14. Nos tempos atuais, é o império angloamericano que recorre a esses meios em doses colossais, aos quais agrega mais recursos, derivados desses dois: manipulação da informação, pela grande mídia – que dispõe de recursos visuais e acústicos eletrônicos, técnicas de psicologia social aplicada etc. - e por institutos, entidades, universidades e outros centros formadores de opinião.
15. Ao mesmo tempo, concentra poder econômico, aumentando-o principalmente por meio da finança, controlada pela oligarquia banqueira, e faz na indústria de armamentos o grosso dos investimentos materiais.
16. Às nações é oferecido – para se iludirem, imaginando participar do poder – o simulacro de eleições, cada vez mais manipuladas. Grana distribuindo recursos para as campanhas eleitorais e dominando a grande mídia, principalmente a televisiva, de maior impacto.
17. Isso não tem bastado para assegurar, de modo completo, o aprofundamento da penetração imperial. Daí as “revoluções coloridas”, movidas por serviços secretos das potências imperiais e entidades a elas ligadas, ONGs etc., as quais promovem manifestações de rua, atentados etc..
18. Assim, realizam golpes institucionais, combinando a pretensa vontade de manifestantes com a infiltração em poderes do Estado, inclusive polícia federal e  Ministério Público. 
* - Adriano Benayon é doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo, Alemanha; autor de Globalização versus Desenvolvimento.
A presente crise
Adriano Benayon * - 30.03.2016
Muitos correspondentes perguntam como o Brasil poderia livrar-se da crise econômica e política.
2. Trata-se, como em toda crise, de sintomas agudos das perdas e da deterioração do organismo (no caso o País).
3. Iludem-se os que cogitam de que ela provém somente da tentativa keynesiana, na gestão de Mantega na Fazenda, de elevar o financiamento público para investimentos produtivos de grandes empresas.
4. A crise foi agravada com o  término dessa política anticíclica, ao iniciar-se, em 2012, o segundo mandato da presidente da República, e ser adotada a brutal elevação dos juros, bem como cortes orçamentários, ambos  danosos à economia e ao social, a pretexto de sanar o desequilíbrio financeiro.
5. De fato, as duas coisas convergem para deprimir ainda mais a economia e o emprego. E são contraditórias em relação ao pretenso objetivo, pois a elevação dos juros - na dimensão que teve, e incidindo sobre estoque de dívida interna de R$ 4 trilhões -  causa aumento da despesa pública muito superior ao corte de gastos.
6. Os efeitos não poderiam ser mais perversos. Significam violento ataque sobre um organismo fraco, e que já sofreu, ao longo dos anos, crises devidas ao crescimento errado e a sucessivas tentativas de correção, com danos adicionais ainda mais pesados.
7. Por que o organismo ficou fraco? Devido a  causas estruturais, que acarretam as crises. A causa fundamental é desnacionalização, que conduz à desindustrialização e à concentração. As três coisas não cessaram de aumentar nestes 62 anos.
8. As doenças socioeconômicas têm sido exponenciadas pela deterioração das instituições políticas e pela profunda penetração política e cultural (anticultural) dos carteis transnacionais e de entidades internacionais e de potências estrangeiras.
9.  Essas instâncias intervêm no País, não só através de pressões financeiras, atribuídas ao “mercado financeiro”, mas de pressões políticas, intensificando as causas estruturais da insanidade.
10. A cada momento, surgem mais sintomas desse quadro patológico. O Estadão noticia, em 28 do corrente:
“Só em São Paulo, 4.451 indústrias de transformação fecharam as portas em 2015, número 24% superior ao de 2014.” 
“Muitos trabalhadores demitidos não receberam salários e rescisões. De acordo com o IBGE, entre novembro e janeiro, a indústria brasileira fechou 1,131 milhão de vagas, recorde para um trimestre.”
11. Não são só pequenas empresas. Em Guarulhos, há pouco, as metalúrgicas Eaton, Maxion e Randon encerraram suas atividades.
12. Nos implementos rodoviários houve retração de 50%. A têxtil Polyenka, de Americana (SP), que já tivera 2.000 empregados, deixou de produzir.
13.   A MABE, linha branca, também com 2.000 empregados, pediu falência em fevereiro e fechou as fábricas de geladeiras Continental em Hortolândia e de fogões Dako em Campinas.
14. A grande empresa de autopeças Delphi fechou duas fábricas em 2015, em Mococa (SP) e Itabirito (MG), e este ano completa a transferência da unidade de Cotia para Piracicaba (SP). 1,7 mil trabalhadores perderam os empregos.
15. Antes da queda de 8,7%, em 12 meses até janeiro de 2016 (dado do IBGE), a indústria caíra de 35% (anos 80) de participação no PIB, para menos de 10%.
16. O País regride, em condições piores que as do início do Século XX, à condição de exportador de bens primários. Avultam desastres terríveis, como a lama tóxica da mina de ferro da SAMARCO (Vale desnacionalizada e a transnacional Billiton), que devasta grandes áreas e o Rio Doce, e até o mar. Há tragédias potenciais desse tipo.
17. Na agropecuária, desastre permanente de enormes dimensões, determinado pela subordinação da estrutura econômica e da infraestrutura às conveniências dos “mercados” importadores.
18. Veja-se: “O Brasil consome 20% dos agrotóxicos”.  De longe, o maior do mundo no uso desses venenos. Ademais, usa 14 agrotóxicos proibidos em outros países. Ora,  a incidência de câncer é três vezes superior à média em áreas contaminadas por agrotóxicos.
19. Em função do agronegócio, cujo objetivo é produzir para países industrializados, metade da área utilizada pela agricultura no Brasil é para a soja, quase toda transgênica.
20.  Ademais, o cartel transnacional das sementes transgênicas e fertilizantes e pesticidas químicos impingiu a aceitação desses flagelos, que estragam solos, subsolos e águas, e intoxicam agricultores e consumidores.
21. Grande número de brasileiros come alimentos cozinhados com óleo de soja transgênica, sem informação  para procurar nos rótulos o microscópico T, nem dinheiro para opções de oferta limitada.
22. O poder combinado das transnacionais e dos ruralistas, grandes doadores de recursos de campanha, explica o apoio oficial a grandes projetos mineradores e às fazendas industrializadas.
23. Os ruralistas têm quase a  quase metade dos 594 parlamentares e tornaram inócuas as leis proibitivas de plantas geneticamente modificadas.
24. Respondendo à pergunta inicial: com a permanência da presidente ou sua derrubada, o cenário é péssimo, nada havendo a esperar de honesto nem de salvador por parte dos pretendentes. O moralismo, manchado pela seletividade, tem servido para intensificar a desnacionalização e a desindustrialização, queda da produção e o desmonte da Petrobrás e empresas de engenharia.
25. Não há saída sob o atual regime. Tampouco, sob um calcado nos governos de 1964 a 1984.
 
* - Adriano Benayon é doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo, Alemanha; autor de Globalização versus Desenvolvimento.
 
 
 
 
 

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